Normalitas https://normalitas.blogfolha.uol.com.br Espanholices, maravilhas do ordinário, brotos de brócolis Sat, 04 Dec 2021 00:01:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Uvas, máscaras, vacina: qual delas poderá (realmente) conter o vírus? https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/11/19/uvas-mascaras-vacina-qual-delas-podera-realmente-conter-o-virus/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/11/19/uvas-mascaras-vacina-qual-delas-podera-realmente-conter-o-virus/#respond Fri, 19 Nov 2021 21:14:57 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/grapes-3696472_1920-1-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=1175 Estamos, eu e ela, observando-nos em silêncio. “Que merda”, consigo dizer.

A tia. De apenas 45 anos. Saudável, sem nenhum problema anterior de saúde. Faleceu. De Covid.

A conversa é especialmente triste porque estamos a um oceano de distância de entes queridos. Os seus, em Minas; os meus, em São Paulo. A saudade e a sensação de impotência são sintomas pandêmicos comuns entre nós, imigrantes que, por escolha ou destino, deixamos o nosso país e, com ele, parte de nossa família –pelo menos até a próxima viagem.

***

Well, well, enquanto isso, eis que o coronavírus está botando suas proteínas de fora na Europa mais uma vez.

E uma das perguntas que não quer calar é: será a vacina realmente suficiente para conter uma sexta-sétima-nonagésima onda de contágios?

Embora, por enquanto, os epicentros do novo surto sejam países como Áustria e Alemanha, a Espanha, que já desfilou pelo Top 5 covídico mundial, começou também a monitorar mais de perto o comportamento pandêmico em seu território.

Verdade que cabem 17 Espanhas no território brasileiro, e comparações seriam simplórias. Mas, em dimensões relativas, a Espanha não deixa de ser o quarto maior país da Europa, e o contraste no ritmo de contágios conforme a região é grande.

Ruas de Barcelona no verão, julho de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

País Basco e Navarra, por exemplo, apresentam as maiores incidências acumuladas do país nos últimos 14 dias, com 214 e 315 casos por 100 mil habitantes, respectivamente.

Em contraste, Madri, que, com Catalunha, liderou o ranking nacional de contágios durante o primeiro ano da pandemia, tem agora mesmo 93 casos por 100 mil habitantes (Catalunha, 155 por 100 mil, exatamente no limiar estabelecido como preocupante pelas autoridades sanitárias).

À parte as diferenças regionais, há uma tendência geral de aumento de casos. A média nacional atual é de 112 casos por 100 mil habitantes, e houve um aumento de 19% de hospitalizações por Covid só na última semana.

Fila da vacinação diante do Hospital Sant Pau, em Barcelona, julho de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

Uma certa alta de casos é esperada devido à temporada de inverno. Segundo um porta-voz da OMS, a Espanha estaria sendo “poupada” de cenários mais dramáticos por conta dos bons índices de vacinação (79% da população com a pauta completa, e agora alguns grupos de risco partindo pra uma terceira dose), o uso da máscara (apesar de não ser mais obrigatória nas ruas, muita gente ainda usa, e todos estamos obrigados a utilizá-la em ambientes fechados) e o clima ameno, propício para uma vida mais outdoors mesmo em temporadas frias.

Mas a situação europeia pede cautela. Ultimamente, como em outras partes, é comum ver imunologistas e técnicos do governo espanhol afirmando que a imunização pelo duplo shot de vacinas pode não ser suficiente para conter o avanço do vírus.

Dá o que pensar: a Catalunha acaba de divulgar que 64% dos hospitalizados atualmente por Covid são gente imunizada com a pauta completa (em contraste, o índice nacional de imunizados hospitalizados por Covid atualmente é de 40%). A região já vacinou completamente 77% da população.

Os bascos, com 81,7% da população vacinada e o maior índice acumulado de casos da Espanha, estão se preparando judicialmente para impor o passaporte Covid em atividades de ócio a partir da semana que vem, como já vêm fazendo comunidades como Galícia e Catalunha.

Isso significará a obrigatoriedade de apresentar o certificado de vacinação ou teste negativo para ter acesso a atividades culturais, concertos e bares ou restaurantes com mais de 50 pessoas.

Reabertura dos bares e restaurantes durante o verão 2021, Espanha (Susana Bragatto / Folhapress)

Enquanto o frio vem chegando e os dados vão subindo, tem gente preocupada se perguntando como serão o Natal e o Réveillon 21-22 –incluindo o comércio e o setor hoteleiro, combalidos após um ano e 9 meses de luta contra o vírus.

Por enquanto, só digo que a celebração máxima, epítome da cafonice indispensável de anus novus –a contagem das 12 badaladas na Puerta del Sol, a praça mais importante de Madri, transmitida em cadeia nacional –está garantida.

Quer dizer, não tem nada garantido nessa vida. Mas, seja lá como for, em alguma dimensão das 18047880897 estelares existentes, lá estaremos na nochevieja com a tevê ligada, vendo apresentadores embrulhados em lamê com suas taças de espumante ciciando amenidades enquanto esperamos com as 12 uvas verdes no pratiño –uma pra cada gongada. Pra dar sorte. Muita. Que desta vez vai.

 

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Com 80% de vacinados, Espanha espera uma discreta alta de casos no outono https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/09/17/com-80-de-vacinados-espanha-espera-uma-discreta-alta-de-casos-no-outono/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/09/17/com-80-de-vacinados-espanha-espera-uma-discreta-alta-de-casos-no-outono/#respond Fri, 17 Sep 2021 20:47:08 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/café-e-morangos-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=1051 No bar, de manhã. Portio café bar, diante do maravilindo parque do Clot, Barcelona, pra quem está na área. Comum, pros olhos comuns.

Sento lá pra desfrutar de um americano antes de ir ao trabalho. Desfrutar, essa palavra que se usa tanto aqui. Sol ardido, aquecimento global mediterrâneo. Gente local acha engraçado eu ser brasileira e dizer que o calor aqui ultimamente consegue ser pior que São Paulo metida no engarrafamento da Vinte e Três de Maio ao meio-dia de um verão.

Também, os espanhóis não sabem o que é engarrafamento –digo yo, não sem um orgulho imbecil.

Mas, voltando ao bar.

O dono, wapo (guapo, bonitón) senhor de olhos verdes cansados, sempre atende com simpatia. Parece uma dessas naturezas tipo deixa-rolar que não retêm o dia de ontem –embora o canto caído das pálpebras me sugira nostalgia.

Olhaí, esse é o Bar das Digressões.

Oito e meia da manhã e dois caras no terraço ao meu lado com encardidas camisetas da labuta mandando ver na cerveja. Passam de falar do Pepe que botou foto nova de um carrão no Facebook, como terá conseguido grana pra um negócio tão caro, no lo veo, para se recomendar mutuamente… comidas.

— Fresas (morangos) en la crema catalana, tío. En trocitos. Te lo digo: tienes que probar.

Que delicadeza, esses dois hômi de voz trovejante e máscara pendurada no queixo falando de morangos. “Crema catalana” é o crème brûlée regional (e alguém estará bufando de raiva com essa comparação).

Apuro o ouvido, sou uma comadre buscando humanezas. E dicas culinárias.

— … También los caracoles están buenísimos. (mania de caracóis o povo tem aqui, um dos poucos pratos típicos que não balançam meu corazón). Y las gambas (camarões), con alioli casero.

O restaurante, diz o nome do restaurante!

***

A Espanha registrou hoje (17) a menor taxa de novos contágios de Covid do último ano: 2.333 casos. Já é o terceiro país com mais vacinados do planeta, atrás apenas dos Emirados Árabes Unidos e Portugal, com quase 80% da população coberta (76% com a pauta completa).

Desde o final de junho, quando o governo nos libertou do uso da máscara nas ruas, ocorreu aqui um fenômeno interessante: a maioria optou por continuar usando a máscara. Eu incluída.

Às vésperas do outono no hemisfério norte, a alta taxa de vacinação na Espanha não significa pouco. Espera-se um minipico de casos com a chegada do frio, mas nem de longe parecida com as seis ondas anteriores. A campanha começará agora a aplicar uma terceira dose na população de risco, como pacientes de câncer, portadores de Síndrome de Down com mais de 40 anos, idosos em asilos e imunodeprimidos.

Comentava com a minha irmã, que vive em São Paulo, que a polícia aqui está usando uma tática extrema para dissolver multidões de jovens que, ultimamente, com a flexibilização das medidas sanitárias, têm se reunido para os “botellones” (festas na rua regadas a árco). Com a ajuda do corpo de bombeiros, tasca mangueira de água nos críos.

–Se fosse no Brasil, não ia funcionar –comentou ela. — Iam pensar que é Carnaval!

Parc del Clot, seu lindo (Susana Bragatto / Folhapress)

No bar do José Luís, que é como se chama o señor de olhos líquidos, a conversa entre nossos dois heróisdujour deriva para temas sindicais, sem que eu consiga descobrir de que restaurante estão falando. Quase me levanto, histérica, e grito “quero sabeeer!”, mas faz calor e eu tô atrasada. Volto ao meu café, ao meu dia comum, nesse bar tão corriqueiro, nessa hora nascente da manhã.

–José Luís! Un par de carajillos*! Y un par de chupitos**!

Oito e meia da manhã, um bar qualquer, e eu sonhando com um chupito myself.

Ou co’a cobertura crocante de caramelo da crema catalana, que a gente quebra com a colher e abocaña com o creme de ovos y leite, aromatizado com canela, baunilha e raspas de limão ou laranja (ou anis, na versão do über chef Michelin catalão Ferrán Adrià).

* café com árco (rum, Bailey’s, uísque…)
** dose de árco

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Um passeio pelo maior sebo da Espanha https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/09/03/um-passeio-pelo-maior-sebo-da-espanha/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/09/03/um-passeio-pelo-maior-sebo-da-espanha/#respond Fri, 03 Sep 2021 20:19:44 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/El-Siglo4-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=1017 O chão se enrola em si mesmo, formando quadrados vertiginosos que suportam poltronas de veludo. O palco está vazio, exceto por um piano de armário onde falta uma tecla, um ré central –tomo nota, mentalmente, enquanto dedilho.

No lugar de paredes, livros. Muitos. Los que quieras.

Enfileirados, empilhados, eretos, debruçados, pairam sobre as cabeças passeantes umas coleções extensíssimas, arte, psicologia, clássicos, edições raras.

Nada como um pianiño, umas revistinha e uma versão-for-kids de (In My) Solitude (Susana Bragatto / Folhapress)

Num outro aposento, sobre uma mesa com tampa de vidro e cadeiras estilo Luís XV, um gordo lustre ilumina um livro infantil ilustrado, talvez recentemente folheado por mãozinhas ou mãozonas: Las pesadillas de Winnie the Pooh (Os Pesadelos do Ursinho Puff).

Logo ao lado, uma cozinha industrial, moderna e minimalista, rodeada de –adivinhou –mais livros. Ali, rolam aulas de culinária e outros eventos gastronômicos.

Outras estantes carregam fotos de toureiros, bibelôs, dedicatórias esmaecidas, pôsteres de outra Espanha, histórias de outras vidas.

Relíquias e delicadezas da livraria El Siglo, o maior sebo da Espanha (Susana Bragatto / Folhapress)
Avec Carmen Miranda à la española (Susana Bragatto / Folhapress)

Este é o El Siglo (O Século), o maior sebo da Espanha, um mundo fabuloso e complexo entocado num galpão dentro do Mercantic, famoso mercado de antiguidades e artigos lokos de segunda mão no município de Sant Cugat, a meia hora de Barcelona.

A livraria ostenta esse título desde 2013, quando incorporou os 100 mil exemplares de outro templo sebístico de Barcelona, o La Canuda, que funcionava desde 1948 no centro perto da Plaza Catalunya e fechou as portas pra dar lugar a alguma super loja de fast fashion das que hoje abundam por ali.

Hoje, o El Siglo possui em torno de 150 mil livros, revistas e documentos distribuídos em 800 metros quadrados. É lugar pra chegar, se perder por horas e emergir com algum livrinho barato (ou não) na mão.

Adentro o hall principal, onde há um bar e o burburinho de uma discreta massa, num domingo de sol de final de agosto. Tô emocionada.

Não só pela impressionante abundância de volumes e lustres de cristal, que dão ao local um arzim épico-charmoso de templo-dos-traça-lovers. Mas, principalmente, porque é dia de música ao vivo.

Um dos palcos dentro da livraria El Siglo, o maior sebo da Espanha (Susana Bragatto / Folhapress)
Ursinho Puff também é cultura (Susana Bragatto / Folhapress)

Minha primeira vez em muito, muito tempo.

Os indícios de uma pandemia ainda rondam aqui e ali: vemos gente mascarada, álcool em gel e mesinhas distantes umas das outras. Mas, de resto, a experiência é mansa y dulce.

A música ao vivo tem voltado aos poucos em alguns lugares. Ainda não muito.

Encontramos um cantinho pra sentar, equilibrando no colo vermutes e vinhos verdejo. Nesse salão principal, num palco maior que o mencionado acima, um duo de baixo acústico e piano começa a produzir as primeiras notas de um standard de jazz desses que a gente cantarola e não lembra de onde conhece.

Depois, entra a cantora: uma catalã entoando chansons francesas. Ne me quitte paaaaaaas, e a gente vai balançando ao ritmo dessa súplica poética, tentando esquecer por um momento que, apesar de 70,9% da população imunizada após 8 meses de campanha de vacinação, ainda temos alguns milhares de casos novos de Covid no país diariamente; e empurrando pro fundo do intestinus delgadus os alertas dos tais Especialistas Epidemiologistas, que vêm nos dizendo: cuidado que pode vir mais, cuidado que tem o frio chegando, cuidado que a vacina não funciona assim tão bem com as novas variantes.

Concerto na livraria El Siglo, o maior sebo da Espanha, agosto de 2021. Saca esse público comportadim, que fofo 😉 (Susana Bragatto / Folhapress)
The Spanish way em El Siglo (Susana Bragatto / Folhapress)
Livraria El Siglo, o maior sebo da Espanha, agosto de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)
Vai um livriño aí? (Susana Bragatto / Folhapress)
Palco principal da livraria El Siglo, o maior sebo da Espanha, agosto de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

Hoje não, por favor. Termino meu verdejo, o último de muitos. Tout peut s’oubliee–eeeeer lalalala.

Debaixo do braço, trupicando, mas ainda em pé, levamos uma edição marota setentista de Leaves of Grass, de Walt Whitman. Pra não sair de mãos abanando, pra arrematar a visita com uma mesura a esse belo lugar, pra declamar em voz alta, detrás de uma máscara cirúrgica 2021, num canto alumiado de algum aposento da alma cansada, I celebrate myself, and sing myself….

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A tal Nova Masculinidade tem muito trabalho pela frente https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/07/30/a-tal-nova-masculinidade-tem-muito-trabalho-pela-frente/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/07/30/a-tal-nova-masculinidade-tem-muito-trabalho-pela-frente/#respond Fri, 30 Jul 2021 22:23:42 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/violência-machista-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=905 Reescrevi essas primeiras linhas umas 180517089 vezes.

É demais pro meu barquinho mental. Tentei ser objetiva, unívoca, informativa, mas não consegui. Que o assunto é cumprexo.

Na mesma semana em que Barcelona anuncia a criação de um inovador Centro de Novas Masculinidades, destinado a educar e difundir informações para promover “imaginários distintos do que significa ser homem” em diversos âmbitos (trabalho, cultura, lar, escolas etc), uma mulher é encontrada carbonizada em um descampado a uns 50 quilômetros de Barcelona, morta pelo ex-marido.

Até o momento, foram registrados 29 assassinatos por violência machista na Espanha em 2021. Quase metade dessas mortes aconteceram em menos de um mês. Mais exatamente, justo após o fim do estado de emergência, em 9 de maio, que restaurou a mobilidade dentro do território nacional.

Especialistas alertam para a tendência de um boom de casos de violência machista neste período de abertura pós-pandemia.

O número aparentemente reduzido de denúncias e ocorrências durante o confinamento, dizem, explica-se provavelmente pelo fato de que os parceiros tinham então mais “controle” sobre suas vítimas, já que ninguém podia sair de casa (inclusive eles, pra fazer das suas).

O assassinato das irmãs Anna e Olivia, de 1 e 6 anos, por seu pai, Tomás Gimeno, abalou a Espanha em 2021 (Reprodução)

Além do mais, justamente por estar mais vigiadas durante o confinamento, muitas mulheres podem ter encontrado dificuldades em buscar ajuda, apesar de uma agressiva campanha do governo espanhol ao longo de todo o lockdown incentivando as denúncias.

De qualquer forma, 80% das vítimas fatais de violência machista na Espanha nunca chegaram a apresentar denúncias.

***

Junto com a moça carbonizada da história acima, uma argentina de apenas 30 anos, foi encontrado o corpo de um homem.

E também uma menina de 2 anos de idade, viva, com queimaduras leves.

Essa criança levará consigo o trauma indescritível de haver testemunhado o assassinato de sua mãe, seguido pelo suicídio de seu algoz –o próprio pai.

O casal se encontrava em processo de divórcio. A vítima havia registrado recentemente uma denúncia por violência verbal.

Outro caso recente que abalou o país foi o assassinato de duas irmãs, Anna e Olivia, de 1 e 6 anos. Até o momento, somente o corpo de uma delas foi encontrado na costa perto da ilha de Tenerife, onde aconteceu o crime, no final de abril.

Foram mortas por seu pai (cujo corpo, três meses após o crime, permanece desaparecido, embora se acredite que tenha se suicidado logo após o crime), num ato aqui chamado de “violência vicária” — quando uma pessoa quer atingir outra por meio de maltrato a terceiros. No caso, as filhas, cuja custódia ele compartilhava com a ex.

Esta, inclusive, já havia sofrido outros episódios de violência verbal e física, mas optou por nunca denunciá-los, com medo de prejudicar o ambiente familiar e as crianças.

***

Não são só episódios de violência contra a mulher que têm ganhado os noticiários espanhóis.

Também a violência homofóbica tem vivido uma escalada no país. O assassinato de um jovem de origem brasileira na Galícia virou o infeliz símbolo máximo de uma época em que, saindo da pandemia, emergemos como um país dividido.

Samuel Luiz Muñiz, morto em ataque homofóbico na Espanha (Reprodução / Facebook)

Politicamente, iniciativas como o Centro de Novas Masculinidades de Barcelona ou a nova “lei trans” espanhola pré-aprovada em junho, sinalizam intenções de relativa abertura e progresso.

Por essa nova lei, entre outras conquistas para a comunidade trans e LGBTQIA+, finalmente se reconhecerá a autodeterminação de gênero, ou seja, uma pessoa poderá escolher mudar de sexo a partir dos 14 anos sem precisar apresentar mil informes médicos e outros paranauês que, na prática, estavam aí pra dificultar e estigmatizar o processo.

Por outro lado (e quantos lados!), a Espanha é também o país onde assistimos ao fortalecimento de um partido de extrema direita como o Vox, de vocação homofóbica, machista e o que mais de óbico e írquico você quiser colar.

Sua última façanha foi uma campanha xenófoba que atacava os chamados “menas” (acrônimo para menores estrangeiros não-acompanhados, muitos deles imigrantes de países como Marrocos e Síria) com os dizeres: “um mena, 4.700 euros por mês; sua avó, 426 euros de pensão por mês”.

Polêmica campanha do partido de extrema direita espanhol Vox em Madri compara as ajudas para imigrantes com a aposentadoria dos “nacionais” (Reprodução)

Vomitivo, hecatômbico, horrível. E falso, como revelaram diversos veículos de imprensa espanhóis. Pra começar (e sem me estender demais), mais de 70% dos menores em centros de acolhida são espanhóis, e não estrangeiros. Bla.

***

Em Barcelona, o Centro de Novas Masculinidades “é um passo mais no compromisso de reivindicar nosso orgulho como cidade diversa”, declarou a prefeita Ada Colau na última segunda-feira (26). Por sinal, a primeira prefeita mulher da cidade, no cargo desde 2015.

“Aqui não são bem-vindos os discursos de ódio e nenhum tipo de discriminação ou agressão lgtbifóbica como as que têm aumentado nos últimos tempos nas nossas ruas (…) “[esses] discursos de ódio e as agressões machistas e homofóbicas estão vinculados a um modelo patriarcal que precisamos revisar”.

O novo centro, diz, buscará incentivar “uma imagem muito mais diversa, rica e feliz de possíveis masculinidades, gerando referências positivas e se distanciando dessa ideia antiga e defasada de que os homens têm que ser duros ou agressivos”. Oxalá, prefeita. Bonitas palabras. O Novo Macho tem muito detox pela frente.

 

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Minha parede, minhas regras https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/07/23/minha-parede-minhas-regras/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/07/23/minha-parede-minhas-regras/#respond Fri, 23 Jul 2021 15:00:38 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/1626804288022-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=899 Na minha fantasia, os moineau, sabiás típicos daquela região da França, bateram em revoada com o entardecer e os gritos que saíam do trem.

“Senhora, o uso da máscara é obrigatório… coloque-a, sivuplê”, comecei, em inglês.

A senhora em questão, magra e francamente emaciada, os óculos de lentes grossas pendurados na ponta do nariz, levava uma máscara cirúrgica naquela já clássica posição kama sútrica transgressora debaixo do queixo. Não só: tossia, tossia muito, tossia como a maníaca assassina do catarro, e finalmente tossiu na minha cara, sentada a seu lado.

“Je tuss, je tuss”, protestou ela, sem levantar a máscara (perdoem meu francês, literalmente), tossindo ainda mais. E se recusou a botar a máscara. Até onde entendi, exatamente porque ela tava tossindo. Eeer.. wot.

Poupo vocês de mais detalhes. Digamos que a coisa escalou rápido, de je tusse, je tusse para tossir e protestar ainda mais, “cê num manda em mim”, e eu levantar minha voz, evocando ideias antiquadas e bregas como respeito, solidariedade e pandemia. Santa ignorância dessa desgraçada alma, sentada debaixo de um adesivo gigante que sublinhava a obrigatoriedade da máscara no trem. Je tusse, je tusse. Mandei ela à merda e mudei de vagão.

… Só pra ver a fiscal do trem atender o telefone e, ora, brulée brulée, tirar a máscara pra conversar alegremente.

Esta era minha primeira viagem em transporte público terrestre desde que começou a pandemia, quase um ano e meio atrás. Objetivo: visitar meu irmão, que vive perto de Toulouse, França. Na mão, meu certificado Covid, documento europeu internacional que atesta que completei o protocolo de vacinação e estou portanto apta a cruzar fronteiras dentro da União Europeia.

No ônibus, horas antes de pegar o trem entre Toulouse o pequeno povoado de Cazères, já havia tido outras oportunidades de me indignar.

A francesa do banco de trás do meu civilizadamente botou a máscara quando eu educadamente lhe pedi. Me comovi, quase tive vontade de abraçá-la.

O cara mais atrás com a napa de fora, provavelmente porque se sente a última paella da Barceloneta e dane-se essa mina krakatoa pensando que pode mandar num macho, fez que não ouviu e botou cara blasé de desprezo.

Verdade: é chato, irritante e embaraçoso demais alguém mandar a gente colocar a máscara; tão pensando que somos crianças malcriadas colando ranho debaixo da carteira na escola?

(Siiiiiiim)

Finalmente, numa parada da longa viagem de 6 horas, eu me deparei com fulanes comendo tranquilamente dentro do ônibus. Migalhas pra todo lado. Aqui, como aí e alhures, está proibido comer, falar e qualquer outro gesto que implique tirar a máscara dentro de um transporte público.

Meu olhar se encontrou com o de um menina que, por sua vez, parou com o croissant na boca, talvez esperando algum confronto. A essa altura, todo mundo no ônibus já me conhecia, porque no início da viagem eu tinha me levantado pra ajudar o simpático y desiludido motorista búlgaro a explicar aos passageiros que a máscara é obrigatória, CARAYO. Cansada, desta vez não disse nada. Que eu seja a mala da história, a estraga-prazeres, a “pesada”. Sô mesmo. Mas —

Conto essa história pra ilustrar a falta de cooperação que, sim, a gente pode encontrar em qualquer lugar. Porque brasileiro tem mania de pensar que europeu é superior, educado, exemplar. Hay de todo.

Ultimamente, ando especialmente pasmada por meus papos com franceses sortidos. É algo comum entre estes a ideia de que a pandemia é uma conspiração do governo pra controlar corpos e mentes. E já escutei de mais de um, explicando por que se recusa a tomar a vacina: “meu corpo, minhas regras”.

Próxima vez eu vou de blablacar. Ou fico sem ver meu irmão mais uns 2 anos, olhando a parede de casa e pensando: minha parede, minhas regras.

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Com surto entre jovens, Espanha suspende obrigatoriedade da máscara nas ruas https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/06/25/com-surto-entre-jovens-espanha-suspende-obrigatoriedade-da-mascara-nas-ruas/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/06/25/com-surto-entre-jovens-espanha-suspende-obrigatoriedade-da-mascara-nas-ruas/#respond Fri, 25 Jun 2021 13:28:35 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/barcelona-festa-aftermath-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=821 A partir deste sábado 26, deixa de ser obrigatório o uso de máscara nas ruas na Espanha. A medida entrou em vigor em junho de 2020, há exatamente um ano. Ainda será preciso usá-la em ambientes fechados e aglomerações onde não seja possível manter a distância de 1,5 metros entre os circunstantes.

A medida chega num momento em que a vacinação nacional atinge recordes –dentro de alguns dias, o país receberá 6 milhões de doses, uma quantia inédita –e as mortes por Covid caem rotundamente (na Catalunha, nas últimas 24 horas, por exemplo, registrou-se um único falecimento).

Seria um sinal dos tempos, ou melhor, do fim da pandemia? Nononono, como diria a Amy CasadeVinho.

Talvez como artifício do destino pra nos lembrar que é preciso caminhar nessa vida pós-covídica com cuidado, um recente surto de coronavírus entre jovens espanhóis tem contrastado com as notícias ‘celebratórias’ vacinísticas.

Até agora, foram identificados cerca de 400 casos positivos e isoladas por volta de 2 mil pessoas. Tudo por causa de uma série de viagens de fim de curso (equivalente ao fim do Ensino Médio no Brasil) entre 12 e 20 de junho à ilha balear-turística de Mallorca, onde a molecada de umas 30 escolas espanholas botou para quebraire em festinhas.

Fila para teste PCR em clínica de Barcelona, junho de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

Ou, como define a diretora geral de Saúde Pública da Comunidade de Madri, Elena Andradas, em “um programa de atividades, com festivais, bastante intenso”.

***

Eu ainda estou esperando a minha vacina. Passei por Covid há exatamente um ano, em junho de 2020, e me convocaram pra tomar uma dose no último dia 22 –mas não deu certo.

Nesse dia, cheguei no centro cívico adaptado pra campanha de vacinação e me encaminharam para um amplo salão decorado com cordões de frufrus brilhantes e um globo de espelhos pendendo do teto.

Só não parecia que ia rolar um baile da terceira idade porque, em lugar de banda e pista de dança, havia cadeiras dispostas segundo as distâncias mínimas de segurança e mesas onde enfermeiros manipulavam caixas de injeções.

Do lado oposto de onde sentei, seres humanos com caras de poucos amigos seguravam o braço e olhavam o vazio –é preciso estar sob vigilância por 15 minutos antes de ser liberado, pro caso de haver alguma reação à vacina.

Chega a minha vez. A enfermeira, sem me olhar na cara, pergunta se tive Covid. Me surpreendo. “Sim, faz mais de um ano”, atenuo. Ela finalmente ergue seus olhos verde-vítreos-ausentes-cansados pra me dizer: “então não pode tomar esta vacina da Janssen. Tem que ser a da Pfizer”.

Ora, se o sistema de saúde controla tudo de nossas vidas covídicas, por que não cruzou dados pra me dar a vacina correta? Yes, gastemos tempo e dinheiro público com uma “tontería” dessas, penso. Metade da fila diante de mim não pôde tomar a vacina pelo mesmo motivo.

Campanha de vacinação em Barcelona, junho de 2021. E meu pé (Susana Bragatto / Folhapress)

Segue-se outra fila, ao final da qual um recepcionista de olhar mais cansado ainda me diz: não posso marcar nova vacina pra você. Volta na segunda.

“Ah: e nem tente ligar pro posto de saúde”, acrescentou. “As linhas estão congestionadíssimas”.

Era véspera de feriado, San Juan, ponte. Barcelona começava a esvaziar-se, população viajando. Eu devolvo o olhar cansado pro recepcionista. Queria mandar sifudê, mas what’s the use.

Depois de um périplo adicional, consegui marcar minha dose da Pfizer para o próximo dia 2 de julho.

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Deixar de usar a máscara na rua será esquisito. Não tô preparada pra esse momento e seguirei usando a dita porque soy muy loca, ou não.

E nem todos por aqui estão celebrando a medida. O presidente da região de Andaluzia, Juanma Moreno, deu voz à preocupação de alguns setores da sociedade espanhola, inclusive epidemiologistas, definindo a suspensão da obrigatoriedade da máscara nas vias públicas como “precipitada”, gerando “falsa sensação de segurança”.

“Nos preocupam os contágios e surtos recentes, porque há casos da variante Delta em Gibraltar, perto de Andaluzia”, disse. “Vimos como Portugal ou Israel (…) voltaram a impor o uso [da máscara]. Sigo recomendando que os cidadãos a utilizem”.

To be continued // Continuará (como se diz em terras españolas) // Continua………….

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O primeiro verão europeu do resto de nossas vidas (ou não) https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/06/18/o-primeiro-verao-europeu-do-resto-de-nossas-vidas-ou-nao/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/06/18/o-primeiro-verao-europeu-do-resto-de-nossas-vidas-ou-nao/#respond Fri, 18 Jun 2021 16:18:39 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/ibiza-seaside-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=802 Barcelona, sexta-feira de calor de 2021.

Neste exato momento, o vizinho desgraçado escuta “reguetón” no talo, enquanto cantarola (muy mal) como se estivesse rebolando com mil bundas dentro do meu crânio. Resignada, aproximo o ventilador da minha fuça, escutando música pra concentração e fantasiando que jogo five finger fillet* com a faquinha de cortar verdura enquanto rilho os dentes, rancorosa.

Já venho de uma véspera maldormida. Ontem à noite, xovens se reuniram na praça diante de casa até altas horas pra fazer “botellón” (como se chamam aqui as festinhas de rua improvisadas regadas a álcool e sei lá mais quê), e tome mais putz putz modernim estriquinado.

Nessas horas, sempre viro pro meu companheiro de apartamento e digo: “pega a escopeta do vô”.

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Parecem cenas prosaicas, mas nada é exatamente prosaico na Barcelona pós-pandemia, aka Cidade Condal Em Polvorosa Porque É Quase Verão, Bebê.

Pra começar, o clima festivo de pós-pandemia.

O verão europeu começa oficialmente na semana que vem, em 21 de junho, mas os españoles e respectivas províncias já levam pelo menos duas semanas esquentando os motores –demasiado, na modesta opinião dessa brasileña suando em bicas num apê veraniego em Barcelona. É possível sentir isso na esquina, nas notícias e nos vizinhos.

Mesmo com as restrições à vinda de ingleses y outros ou os reveses devido à tal variante Delta Beta Gama, atualmente em expansão na Espanha, a vacinação massiva, apoiada pela propaganda positiva do governo, vem untando o clima de alegria-alegria-já-ganhou.

Até agora, mais de metade da população acima de 16 anos recebeu pelo menos uma dose (e 32%, a pauta completa). A expectativa é ter 70% dos espanhóis completamente imunizados até o fim do verão. A campanha avança por contagem regressiva de faixas de idade –neste momento, o alvo é o coletivo de 40 a 59 anos.

Praça no centro histórico de Tarragona, cidade turística da costa mediterrânea, junho de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

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Desde o fim do estado de emergência no último dia 9 de maio, e de olho não só nas férias de verão, mas também na reabertura turística internacional, as províncias espanholas vêm, pouco a pouco, flexibilizando as regras para a diversão coletiva.

Andaluzia, no sul da Espanha, foi das primeiras a reabrir as discotecas, depois de um ano de portas fechadas. Em todas, lotação controlada e pistas de dança abertas somente em espaços exteriores, com uso obrigatório de máscara.

Já na icônica e já-abarrotada-de-turistas Ibiza e demais ilhas Baleares, a redenção do ócio noturno dá um passo importante neste sábado (18), com a abertura de cafés, bares e restaurantes até as 2h da manhã. Único porém: ainda não se pode dançar (!) –o que, considerando que estamos falando de uma meca da vida clubbística, indica que a normalidade ainda não tá assim tão normal.

Letreiros em uma loja em Ibiza, Espanha (Reprodução)

Sigo no instagram a conta de uma popular loja de roupa ibicenca. Situada na capital Eivissa, numa das ruas mais movimentadas de Dalt Vila (a parte histórica, circunscrita por muralhas que datam do século 16), está rodeada de um mar de restaurantes e bares. Ultimamente, cada “story” diante da loja me lembra o Carnaval de Olinda onde, uma vez, fui alçada do solo e levada passivamente pela multidão ondulante, de tanta apinhação de gentes.

Ao entardecer, os transeuntes ademais se juntam numa ceninha tipo êxtase: levantam-se das mesas com suas roupas brancas, à moda ibicenca, e começam a bailar, gritar, bater copo e fazer tim tim. Tal é a alegria incontrolável do europeu bronzeado neste verão 2021.

O previsível efeito manada, efeito catarse, efeito f***-se, parece, está em toda parte. Nas praias de Barcelona, pouco a pouco volta a ser difícil encontrar lugar na areia –por um egoísta e irreal momento, tive esperanças de que poderíamos ter deixado isso em 2019.

Mais preocupante de tudo: as línguas escutadas ainda são predominantemente locais. Isso significa, ladders and changemen, que muitos turistas “guiris” (estrangeiros) ainda estão pra chegar e se somar à procissão que busca um lugar ao sol, eu incluída.

O vizinho silenciou. Espero que tenha morrido. Não: espero que tenha se conscientizado de que somos todos um e que, mesmo com verão e vacina, respeito mútuo, solidariedade e cautela diante da incerteza-sobre-o-que-virá ainda são um item. Ai, que saudade de algum inverno longínquo…

 

* nada de apologia a faquinhas ou facões aqui, e muito menos à automutilação. Dedos e vizinhos não foram feridos na confecção deste artigo

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Com o fim do estado de emergência espanhol, aumenta contágio entre jovens https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/05/28/com-o-fim-do-estado-de-emergencia-espanhol-aumenta-contagio-entre-jovens/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/05/28/com-o-fim-do-estado-de-emergencia-espanhol-aumenta-contagio-entre-jovens/#respond Fri, 28 May 2021 18:58:58 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/javalis-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=770 O aumento de interações sociais após o fim do estado de emergência espanhol, suspendido no último dia 9 de maio, pode estar freando a melhora dos índices relacionados à pandemia no país.

Em Barcelona, por exemplo, nas últimas duas semanas vem se observando um leve aumento de contágios sobretudo entre a população na faixa dos 15 a 29 anos.

Os jovens atualmente lideram o ranking local de incidência acumulada, com 153,7 casos por 100 mil habitantes.

Em seguida vêm os de 30 a 49 anos, com 134 casos por 100 mil.

A última média nacional divulgada nesta quinta (27) é de 125 casos por 100 mil habitantes.

Os únicos que se salvam (literalmente) nessa história são os maiores de 80, já completamente vacinados: 30 casos por 100 mil habitantes.

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Não me admira essa tendência de aumento de casos entre os jovens, considerando os numerosos “botellones” ou festas de rua dos últimos dias em Barcelona.

Pra completar o bololô molotoviano, vivo em uma cidade-alvo de turistas e intercâmbios como o programa Erasmus, que a cada ano traz uma média de 50 mil estudantes europeus para estudar ou realizar estágios supervisionados na Espanha. Essa quantidade é superior à que recebe qualquer outro país da comunidade europeia.

Por aqui, circulam cada vez mais imagens mostrando xovens sem máscara e muy borrachos (bêbados) forrando praias, parques e ruas como se celebrassem a libertação do apocalipse. Perturbador, se a gente contrastar com a vida pandêmica relativamente espartana de até pouquíssimas semanas atrás.

Mais contágio entre jovens em geral não se traduz em aumento no número de hospitalizações. O problema, dizem os epidemiologistas, é que a rápida taxa de alastramento do vírus entre essa população pode favorecer o fortalecimento de novas variantes, por exemplo. Além disso, o sistema de saúde sofre tendo que atender os pamonha inconsequentes (perdonad mi French).

Em um vídeo gravado por um canal de TV espanhol nas ruas do bairro do Born, no centro histórico de Barcelona, policiais passeando por uma multidão alegre avisam aqui e ali que “é proibido consumir álcool na via pública” e que é necessário botar a máscara. A vibe é de nem-tchum. Mais de 3.500 pessoas foram enxotadas do centro naquela noite. Uma entrevistada argumenta: se as pessoas se reúnem no metrô, então na rua também pode, né?

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Brasileiros não poderão entrar na Espanha pelo menos até junho https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/05/21/brasileiros-nao-poderao-entrar-na-espanha-pelo-menos-ate-junho/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/05/21/brasileiros-nao-poderao-entrar-na-espanha-pelo-menos-ate-junho/#respond Fri, 21 May 2021 19:26:53 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/sunset-in-barcelona-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=764 Estava lembrando de uma conversa recente com meu boffs (aka namorildo) após seu retorno de Paris.

Ele fez um bate y volta pra visitar o irmão, que não via há muito tempo. A viagem teve que ser remarcada umas duas vezes por conta da pandemia. Além da passagem aérea, ele teve que desembolsar uma “pasta” (aka bufunfa) pra duas PCRs, uma na ida e outra para voltar à Espanha.

Primeiro choque: a diferença de preço do teste entre os dois países.

Na Espanha, uma PCR pode chegar a custar, em uma das principais redes de laboratórios privados do país, 120 euros (ou R$ 782). Já na grande Paris, em uma clínica de bairro, o preço foi de 50 euros. Os franceses têm reembolso no caso de precisarem fazer o teste.

A segunda curiosidade, na falta de outra palavra: a recepção dos viajantes nos aeroportos. Em Orly, havia poucos fiscais, mas todos checavam manualmente o papel com a PCR e o carnê de identidade.

Já ao aterrissar em El Prat, o aeroporto internacional de Barcelona, havia uma super infraestrutura montada. Mil fiscais hormiguitas com seus coletes amarelo-neon sinalizando para a multidão em mil direções.

Qualquer pessoa que chega na Espanha, seja nacional ou não, deve apresentar um formulário por meio de um site ou uma app oficial do governo espanhol, mostrando o código QR gerado –que não estava funcionando. Depois de muito discutir com algum fiscal, deram o formulário em papel, pra ser preenchido na hora.

E, pasme, não foi preciso mostrar o teste negativo da PCR; marcando um box do formulário declarando que sim-sou-negativo já foi suficiente.

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O governo espanhol estendeu até pelo menos 8 de junho de 2021 as restrições à entrada de brasileiros, com exceção dos que possuam passaporte espanhol, residência ou justificativa por trabalho ou estudos. Parentes de residentes ou nacionais não podem entrar, a não ser por motivos excepcionais.

E vir por turismo, por enquanto, está proibido. A medida vale também para os viajantes oriundos da África do Sul.

O texto publicado no Boletim Oficial do Estado (BOE) em 21 de maio justifica a precaução afirmando que “a situação epidemiológica e especialmente o impacto das variantes de especial preocupação vinculadas à República Federativa do Brasil e à República da África do Sul continua muito elevado [sic]”.

“Ainda que o risco de importação de casos desses países possa ser reduzido graças a medidas de controle sanitário aplicáveis na chegada à Espanha [hmmmmm], isso não impede que continuemos a tomar precauções extremas diante do potencial de propagação das variantes brasileira e sul-africana do vírus”.

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Como Copacabana no Réveillon https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/05/14/como-copacabana-no-reveillon/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/05/14/como-copacabana-no-reveillon/#respond Fri, 14 May 2021 20:57:11 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/comemoração-do-fim-do-estado-de-emergência-espanhol-puerta-del-sol-Madri-REUTERS-Susana-Vera-low-res-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=750 Parecia Copacabana no Réveillon…

…mas era só a praia de Barcelona no último fim de semana, 8 de maio.

Vai montando a cena. Aglomeração hecatômbica de gente, sem máscara ou com a dita no queixo, garrafas sendo passadas de mão em mão e cantos de Bella Ciao cobriam as areias artificiais (é, cê sabia?) de um dos litorais mais badalados do Mediterrâneo.

Encontrem o chapeuzim de aniversário, minha gente (Reprodução)

O alegre bololô, há muito tempo não visto por essas tierras, culminou com uma gritaria geral de celebração exatamente nas doze badaladas de sábado para domingo (9).

A multidão, em sua maioria jovens, comemorava o fim do estado de emergência na Espanha, depois de pouco mais de um ano em vigor.

Aqui e ali, alguns policiais meioqueinutilmente tentavam dispersar os super grupos (mesmo com o fim do estado de emergência, segue-se aconselhando manter reuniões de até 6 pessoas).

Mas o ser humano pode ser besta e inconsequente em qualquer lugar. Os seres se reagrupavam, como hormiguitas ensandecidas, alguns tocando flamenco, outros, tirando selfies pra posteridade de 24 horas de um story.

“Ceis tão aí na Europa, pensei que a coisa fosse mais civilizada”, algum amigo brasileiro lamentou. Não e sim, sim e não, será?

Também na famosa Puerta del Sol, a praça central de Madri, os “botellones” (como se chamam aqui as festinhas de rua regadas a álcool) estavam a toda:

Em resposta a essas imagens, uma jornalista madrilenha, que perdeu a mãe para a Covid há três meses, tuitou: “não pudemos abraçá-la. Desde então, nos alegramos por cada vacina, por cada dia com menos falecidos. Esta madrugada, queridos, vocês nos destroçaram”.

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A vacinação espanhola avança cada vez mais rápido. Pela primeira vez desde o início da pandemia, ouvi representantes da Saúde comentarem que não creem que teremos outro pico de contágios.

What.

Segundo dados oficiais, 90% dos maiores de 60 anos em todo o país já receberam pelo menos uma dose da vacina. Em total, porém, apenas 14,2% dos espanhóis já estão completamente imunizados.

No mês de maio, começou a distribuição de doses para a população entre 50 e 59 anos, e a expectativa é estendê-la pra faixa etária de 40 a 49 anos já em junho.

“Nesse ritmo, pode ser que a gente tome a vacina antes de agosto”, comemorou uma amiga, semijovem (!) como eu.

O objetivo do governo é ter 70% da população imunizada até o fim do verão, em setembro. Tudo (penso eu, amarga, cética, insone) pra turistada vir em massa e soterrar a gente em suas fiestas lokas na Shoko e apartamentos de airbíenbí.

Marcar hora pra tomar vacina na Catalunha tá fácil, é só entrar no site vinculado ao sistema de saúde público e botar lá o nomiño.

Outra amiga, esta com 55 anos, me contava esta semana que pôde reservar hora pela web sem complicações. Catalã, casada com um brasileiro, ela compartilha comigo o Espanto Quando As Coisas Funcionam.

Dois dias mais tarde, ainda por cima ligaram pra ela do posto de saúde oferecendo hora. Na conversa, ela já pôde marcar vacina também pro marido, pra eles irem juntos. Ora, que bunito. Só falta o drive-thru. Me cago em deus e nas tetas da virgem, como dizem por aqui.

(sorry not sorry; os espanhóis são o povo católico com firulis de opus dei mais blasfemadores do planeta, eles cagam em todo o santuário)

Hoje é sexta (14), noite de brando calor em Barcelona. O verão vai se infiltrando pouco a pouco nas brisas de primavera.

(Por sinal, aqui também existe a planta que a gente chama aí de primavera; é conhecida como buganvília, uma referência ao francês que trouxe essa beleza do Brasil. Ou seja, a primavera europeia é bra.zi.lê.ra. Na minha opinião, tinham que batizar de BRASILÍNIA, BRASILINDOAPESARDETUDO, poha… mas –I digress.)

Como fulô no calô, as gentes vão se infiltrando nas mesinhas e bares ao ar livre. A ousadia vai se infiltrando em alguns gatunos que caminham pelas ruas de rosto descoberto, como se o fim do estado de emergência significasse o fim da pandemia. E a ideia vaga e parcialmente equívoca de que está tudo bem vai se infiltrando… bem, vocês entenderam. Até a próxima esquina.

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