Normalitas https://normalitas.blogfolha.uol.com.br Espanholices, maravilhas do ordinário, brotos de brócolis Sat, 04 Dec 2021 00:01:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Uvas, máscaras, vacina: qual delas poderá (realmente) conter o vírus? https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/11/19/uvas-mascaras-vacina-qual-delas-podera-realmente-conter-o-virus/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/11/19/uvas-mascaras-vacina-qual-delas-podera-realmente-conter-o-virus/#respond Fri, 19 Nov 2021 21:14:57 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/grapes-3696472_1920-1-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=1175 Estamos, eu e ela, observando-nos em silêncio. “Que merda”, consigo dizer.

A tia. De apenas 45 anos. Saudável, sem nenhum problema anterior de saúde. Faleceu. De Covid.

A conversa é especialmente triste porque estamos a um oceano de distância de entes queridos. Os seus, em Minas; os meus, em São Paulo. A saudade e a sensação de impotência são sintomas pandêmicos comuns entre nós, imigrantes que, por escolha ou destino, deixamos o nosso país e, com ele, parte de nossa família –pelo menos até a próxima viagem.

***

Well, well, enquanto isso, eis que o coronavírus está botando suas proteínas de fora na Europa mais uma vez.

E uma das perguntas que não quer calar é: será a vacina realmente suficiente para conter uma sexta-sétima-nonagésima onda de contágios?

Embora, por enquanto, os epicentros do novo surto sejam países como Áustria e Alemanha, a Espanha, que já desfilou pelo Top 5 covídico mundial, começou também a monitorar mais de perto o comportamento pandêmico em seu território.

Verdade que cabem 17 Espanhas no território brasileiro, e comparações seriam simplórias. Mas, em dimensões relativas, a Espanha não deixa de ser o quarto maior país da Europa, e o contraste no ritmo de contágios conforme a região é grande.

Ruas de Barcelona no verão, julho de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

País Basco e Navarra, por exemplo, apresentam as maiores incidências acumuladas do país nos últimos 14 dias, com 214 e 315 casos por 100 mil habitantes, respectivamente.

Em contraste, Madri, que, com Catalunha, liderou o ranking nacional de contágios durante o primeiro ano da pandemia, tem agora mesmo 93 casos por 100 mil habitantes (Catalunha, 155 por 100 mil, exatamente no limiar estabelecido como preocupante pelas autoridades sanitárias).

À parte as diferenças regionais, há uma tendência geral de aumento de casos. A média nacional atual é de 112 casos por 100 mil habitantes, e houve um aumento de 19% de hospitalizações por Covid só na última semana.

Fila da vacinação diante do Hospital Sant Pau, em Barcelona, julho de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

Uma certa alta de casos é esperada devido à temporada de inverno. Segundo um porta-voz da OMS, a Espanha estaria sendo “poupada” de cenários mais dramáticos por conta dos bons índices de vacinação (79% da população com a pauta completa, e agora alguns grupos de risco partindo pra uma terceira dose), o uso da máscara (apesar de não ser mais obrigatória nas ruas, muita gente ainda usa, e todos estamos obrigados a utilizá-la em ambientes fechados) e o clima ameno, propício para uma vida mais outdoors mesmo em temporadas frias.

Mas a situação europeia pede cautela. Ultimamente, como em outras partes, é comum ver imunologistas e técnicos do governo espanhol afirmando que a imunização pelo duplo shot de vacinas pode não ser suficiente para conter o avanço do vírus.

Dá o que pensar: a Catalunha acaba de divulgar que 64% dos hospitalizados atualmente por Covid são gente imunizada com a pauta completa (em contraste, o índice nacional de imunizados hospitalizados por Covid atualmente é de 40%). A região já vacinou completamente 77% da população.

Os bascos, com 81,7% da população vacinada e o maior índice acumulado de casos da Espanha, estão se preparando judicialmente para impor o passaporte Covid em atividades de ócio a partir da semana que vem, como já vêm fazendo comunidades como Galícia e Catalunha.

Isso significará a obrigatoriedade de apresentar o certificado de vacinação ou teste negativo para ter acesso a atividades culturais, concertos e bares ou restaurantes com mais de 50 pessoas.

Reabertura dos bares e restaurantes durante o verão 2021, Espanha (Susana Bragatto / Folhapress)

Enquanto o frio vem chegando e os dados vão subindo, tem gente preocupada se perguntando como serão o Natal e o Réveillon 21-22 –incluindo o comércio e o setor hoteleiro, combalidos após um ano e 9 meses de luta contra o vírus.

Por enquanto, só digo que a celebração máxima, epítome da cafonice indispensável de anus novus –a contagem das 12 badaladas na Puerta del Sol, a praça mais importante de Madri, transmitida em cadeia nacional –está garantida.

Quer dizer, não tem nada garantido nessa vida. Mas, seja lá como for, em alguma dimensão das 18047880897 estelares existentes, lá estaremos na nochevieja com a tevê ligada, vendo apresentadores embrulhados em lamê com suas taças de espumante ciciando amenidades enquanto esperamos com as 12 uvas verdes no pratiño –uma pra cada gongada. Pra dar sorte. Muita. Que desta vez vai.

 

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Este artigo não é sobre um aperitivo de foie gras com castanhas https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/10/03/este-artigo-nao-e-sobre-um-aperitivo-de-foie-gras-com-castanhas/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/10/03/este-artigo-nao-e-sobre-um-aperitivo-de-foie-gras-com-castanhas/#respond Sun, 03 Oct 2021 18:40:29 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/quimet-foie-com-castanhas-1-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=1071 (Parte I: O Entorno)

Pronto, o elefante gourmet na sala.

Isso que eu conto aconteceu quase uma semana atrás. Mas ainda persiste em minha memória, fresca y aromática, a combinação (pra mim) inédita de sabores, arrematada por finas lâminas de champignon com seiláque bruxarias.

Tudo culpa do Anthony Bourdain, penso.

Sou uma p* pagapau. Naquele dia, quando saí de casa, tava ansiosa como se fosse trombar um match do Frinder pela primeira vez.

Desci na estação de metrô Parallel, zona oeste de Barcelona, microtaquicárdica.

Na saída, passo pela famosa sala Apolo, um espaço de espetáculos y nightclub onde já tocou de Smashing Pumpkins a (com todíssimo respeito) bandas de amigos.

Ali perto, avisto também um edifício fechado onde, até a pandemia, havia um clube de striptease. Ecos da época de ouro da avenida del Paralelo e seu burburinho cultural, com cinemas, teatros, circos, contrastes. Até hoje, o quarteirão ainda guarda um arzim meio Moulin Rouge versão remelexo-Augusta.

Aaah, Barcelowna. Nesse bairro popular que se chama Poble Sec (literalmente, “Vila Seca”), tem de tudo. Vai vendo.

Alguém tomando um pico de heroína na maior tranquilidade, enquanto o entardecer dourado acaricia cabeciñas brancas de anciões locais a passeio.

Turistas rubios (loiros) olhando pro céu enquanto arrastam maletas ou tiram fotos, alheios ao cara vomitando num canto imundo, o rosto congestionado de sofrimentos.

(É. E tem gente que pensa que aqui nazoropa num tem disso)

Lojinhas minúsculas oferecendo fotos pra documentos, capinha pra celular, frutas, bocadillos de chorizo e dois coquetéis por um.

Passo por uma mina tranquilamente lendo um livro escorada numa árvore da calçada. Uma senhora com pinta de 105971086 cirurgias plásticas, os peitos brilhantes saltando de um apertado corset verde. E uns jovens altíssimos gritando em árabe entre si, com seus relógios dourados, perfumes contundentes e moletons oversize onde se lê

Balenciaga Balenciaga Balenciaga.

E eu, com meu vestidinho amarelo e minha sandalinha de couro fazendo tec tec no asfalto sujo.

Na esquina do meu destino, um Burger Kingui. O nome da rua é de um poeta pré-romântico chamado Cabanyes. Mas isso foi ideia dos franquistas. Eles deram uma “disfarçada” no nome original, que fazia referência a outro Cabanyes –este, um herói militar catalão nas batalhas contra o exército espanhol de Felipe IV no século 17.

***

Quando finalmente chego onde tinha que chegar, bizoiando do lado oposto da calçada, brota em minh’alma o primeiro julgamentozinho negativo: putz, não é o que eu esperava. (E o que eu esperava? Glamour, tapetes vermelhos, faisão à Provençal (que p* é essa?!)?)

Expectativas, essas sandalinhas de couro fazendo tec tec no asfalto sujo.

Quimet & Quimet (esse é o nome do meu date-destino) é um dos bares mais icônicos de Barcelona. Já era popular antes mesmo de virar parada turística obrigatória nos anos 2000, quando foi super elogiado pelo chef rocker Anthony Bourdain, de passagem pela cidade.

Essa pérola da gastronomia botetística está afincada no lugar onde tem que estar, desde 1915, quando o primeiro Quim (“Quimet”, em catalão) de uma longa linhagem de boteco owners servia bebidas e comidas para os trabalhadores da vizinhança obreira de Poble Sec.

Fachada do bar Quimet & Quimet, em Barcelona. A noite tá só começando e já tem fila (Susana Bragatto / Folhapress)

Bourdain, que foi ao Quimet & Quimet muitas vezes (a primeira, sendo levado por seu amigo local, o super estrelado chef Michelin Ferran Adrià) era fã da chamada “cozinha de mercado” ou, em catalão, “cuina de mercat”: basicamente, comida simples e deliciosa, com ingredientes frescos e de qualidade. Barcelona era um de seus lugares favoritos no mundo.

Explorar um lugar novo, pra ele, era o grande tesão. Não saber. Dar tudo errado. Nunca dar errado. Surpreender-se, surpreender. Enjoy the ride. Etc.

“Tenho uma tatuagem no braço que diz, em grego antigo: ‘Não tenho certeza de nada'”, escreveu ele uma vez, no seu característico estilo f**-se. “Acho que é um bom princípio operacional. Adoro aparecer num lugar pensando que vai ser de um jeito e tendo todo tipo de preconceitos estúpidos e, mesmo que de uma forma dolorosa e embaraçosa, verificar que estou errado. Se você conseguir aprender um pouco mais sobre o mundo a cada dia, já é uma vitória (it’s a win)”.

***

Imbuída desse espírito bourdiano, respiro fundo e atravesso a rua. Em geral, até que me considero valiente, mas hoje me sinto meio sem jeito de entrar no meu date-destino sozinha. Tec, tec.

A fachada de madeira pintada de vermelho profundo emoldura um ambiente diminuto, quase um cubículo, com umas três ou quatro micromesinhas onde alguns começam a se reunir em pé com seus drinques e tapas (pequenas porções de comidiñas). O bar acaba de abrir para o turno da noite.

As paredes estão cobertas de latas e vidros de conserva e garrafas de vinho e cerveja e uísque inglês até o teto, onde baila um ventilador desses bailantes tipo Martin Sheen pirando no hotel em Apocalypse Now.

Eu logro conseguir um lugarzinho no balcão, onde esparramo meus cotovelos, ladeada à esquerda por um homem que devora um prato de anchovas e cremes profusos e, à direita, por duas turistas que brindam com cava rosada enquanto pedem um negócio que parece pêssego em calda –com anchovas.

O dono do bar é ríspido, daquele jeito catalão que magoa uma sensibilidade brazilêra. Já tô com medo dele.

(Continua….)

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*aos que me seguiam em @normalitasblog: tiraram a pemba da minha conta do ar. Provisoriamente, compartilho a conta acima 🙂

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Um passeio pelo maior sebo da Espanha https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/09/03/um-passeio-pelo-maior-sebo-da-espanha/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/09/03/um-passeio-pelo-maior-sebo-da-espanha/#respond Fri, 03 Sep 2021 20:19:44 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/El-Siglo4-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=1017 O chão se enrola em si mesmo, formando quadrados vertiginosos que suportam poltronas de veludo. O palco está vazio, exceto por um piano de armário onde falta uma tecla, um ré central –tomo nota, mentalmente, enquanto dedilho.

No lugar de paredes, livros. Muitos. Los que quieras.

Enfileirados, empilhados, eretos, debruçados, pairam sobre as cabeças passeantes umas coleções extensíssimas, arte, psicologia, clássicos, edições raras.

Nada como um pianiño, umas revistinha e uma versão-for-kids de (In My) Solitude (Susana Bragatto / Folhapress)

Num outro aposento, sobre uma mesa com tampa de vidro e cadeiras estilo Luís XV, um gordo lustre ilumina um livro infantil ilustrado, talvez recentemente folheado por mãozinhas ou mãozonas: Las pesadillas de Winnie the Pooh (Os Pesadelos do Ursinho Puff).

Logo ao lado, uma cozinha industrial, moderna e minimalista, rodeada de –adivinhou –mais livros. Ali, rolam aulas de culinária e outros eventos gastronômicos.

Outras estantes carregam fotos de toureiros, bibelôs, dedicatórias esmaecidas, pôsteres de outra Espanha, histórias de outras vidas.

Relíquias e delicadezas da livraria El Siglo, o maior sebo da Espanha (Susana Bragatto / Folhapress)
Avec Carmen Miranda à la española (Susana Bragatto / Folhapress)

Este é o El Siglo (O Século), o maior sebo da Espanha, um mundo fabuloso e complexo entocado num galpão dentro do Mercantic, famoso mercado de antiguidades e artigos lokos de segunda mão no município de Sant Cugat, a meia hora de Barcelona.

A livraria ostenta esse título desde 2013, quando incorporou os 100 mil exemplares de outro templo sebístico de Barcelona, o La Canuda, que funcionava desde 1948 no centro perto da Plaza Catalunya e fechou as portas pra dar lugar a alguma super loja de fast fashion das que hoje abundam por ali.

Hoje, o El Siglo possui em torno de 150 mil livros, revistas e documentos distribuídos em 800 metros quadrados. É lugar pra chegar, se perder por horas e emergir com algum livrinho barato (ou não) na mão.

Adentro o hall principal, onde há um bar e o burburinho de uma discreta massa, num domingo de sol de final de agosto. Tô emocionada.

Não só pela impressionante abundância de volumes e lustres de cristal, que dão ao local um arzim épico-charmoso de templo-dos-traça-lovers. Mas, principalmente, porque é dia de música ao vivo.

Um dos palcos dentro da livraria El Siglo, o maior sebo da Espanha (Susana Bragatto / Folhapress)
Ursinho Puff também é cultura (Susana Bragatto / Folhapress)

Minha primeira vez em muito, muito tempo.

Os indícios de uma pandemia ainda rondam aqui e ali: vemos gente mascarada, álcool em gel e mesinhas distantes umas das outras. Mas, de resto, a experiência é mansa y dulce.

A música ao vivo tem voltado aos poucos em alguns lugares. Ainda não muito.

Encontramos um cantinho pra sentar, equilibrando no colo vermutes e vinhos verdejo. Nesse salão principal, num palco maior que o mencionado acima, um duo de baixo acústico e piano começa a produzir as primeiras notas de um standard de jazz desses que a gente cantarola e não lembra de onde conhece.

Depois, entra a cantora: uma catalã entoando chansons francesas. Ne me quitte paaaaaaas, e a gente vai balançando ao ritmo dessa súplica poética, tentando esquecer por um momento que, apesar de 70,9% da população imunizada após 8 meses de campanha de vacinação, ainda temos alguns milhares de casos novos de Covid no país diariamente; e empurrando pro fundo do intestinus delgadus os alertas dos tais Especialistas Epidemiologistas, que vêm nos dizendo: cuidado que pode vir mais, cuidado que tem o frio chegando, cuidado que a vacina não funciona assim tão bem com as novas variantes.

Concerto na livraria El Siglo, o maior sebo da Espanha, agosto de 2021. Saca esse público comportadim, que fofo 😉 (Susana Bragatto / Folhapress)
The Spanish way em El Siglo (Susana Bragatto / Folhapress)
Livraria El Siglo, o maior sebo da Espanha, agosto de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)
Vai um livriño aí? (Susana Bragatto / Folhapress)
Palco principal da livraria El Siglo, o maior sebo da Espanha, agosto de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

Hoje não, por favor. Termino meu verdejo, o último de muitos. Tout peut s’oubliee–eeeeer lalalala.

Debaixo do braço, trupicando, mas ainda em pé, levamos uma edição marota setentista de Leaves of Grass, de Walt Whitman. Pra não sair de mãos abanando, pra arrematar a visita com uma mesura a esse belo lugar, pra declamar em voz alta, detrás de uma máscara cirúrgica 2021, num canto alumiado de algum aposento da alma cansada, I celebrate myself, and sing myself….

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Minha parede, minhas regras https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/07/23/minha-parede-minhas-regras/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/07/23/minha-parede-minhas-regras/#respond Fri, 23 Jul 2021 15:00:38 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/1626804288022-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=899 Na minha fantasia, os moineau, sabiás típicos daquela região da França, bateram em revoada com o entardecer e os gritos que saíam do trem.

“Senhora, o uso da máscara é obrigatório… coloque-a, sivuplê”, comecei, em inglês.

A senhora em questão, magra e francamente emaciada, os óculos de lentes grossas pendurados na ponta do nariz, levava uma máscara cirúrgica naquela já clássica posição kama sútrica transgressora debaixo do queixo. Não só: tossia, tossia muito, tossia como a maníaca assassina do catarro, e finalmente tossiu na minha cara, sentada a seu lado.

“Je tuss, je tuss”, protestou ela, sem levantar a máscara (perdoem meu francês, literalmente), tossindo ainda mais. E se recusou a botar a máscara. Até onde entendi, exatamente porque ela tava tossindo. Eeer.. wot.

Poupo vocês de mais detalhes. Digamos que a coisa escalou rápido, de je tusse, je tusse para tossir e protestar ainda mais, “cê num manda em mim”, e eu levantar minha voz, evocando ideias antiquadas e bregas como respeito, solidariedade e pandemia. Santa ignorância dessa desgraçada alma, sentada debaixo de um adesivo gigante que sublinhava a obrigatoriedade da máscara no trem. Je tusse, je tusse. Mandei ela à merda e mudei de vagão.

… Só pra ver a fiscal do trem atender o telefone e, ora, brulée brulée, tirar a máscara pra conversar alegremente.

Esta era minha primeira viagem em transporte público terrestre desde que começou a pandemia, quase um ano e meio atrás. Objetivo: visitar meu irmão, que vive perto de Toulouse, França. Na mão, meu certificado Covid, documento europeu internacional que atesta que completei o protocolo de vacinação e estou portanto apta a cruzar fronteiras dentro da União Europeia.

No ônibus, horas antes de pegar o trem entre Toulouse o pequeno povoado de Cazères, já havia tido outras oportunidades de me indignar.

A francesa do banco de trás do meu civilizadamente botou a máscara quando eu educadamente lhe pedi. Me comovi, quase tive vontade de abraçá-la.

O cara mais atrás com a napa de fora, provavelmente porque se sente a última paella da Barceloneta e dane-se essa mina krakatoa pensando que pode mandar num macho, fez que não ouviu e botou cara blasé de desprezo.

Verdade: é chato, irritante e embaraçoso demais alguém mandar a gente colocar a máscara; tão pensando que somos crianças malcriadas colando ranho debaixo da carteira na escola?

(Siiiiiiim)

Finalmente, numa parada da longa viagem de 6 horas, eu me deparei com fulanes comendo tranquilamente dentro do ônibus. Migalhas pra todo lado. Aqui, como aí e alhures, está proibido comer, falar e qualquer outro gesto que implique tirar a máscara dentro de um transporte público.

Meu olhar se encontrou com o de um menina que, por sua vez, parou com o croissant na boca, talvez esperando algum confronto. A essa altura, todo mundo no ônibus já me conhecia, porque no início da viagem eu tinha me levantado pra ajudar o simpático y desiludido motorista búlgaro a explicar aos passageiros que a máscara é obrigatória, CARAYO. Cansada, desta vez não disse nada. Que eu seja a mala da história, a estraga-prazeres, a “pesada”. Sô mesmo. Mas —

Conto essa história pra ilustrar a falta de cooperação que, sim, a gente pode encontrar em qualquer lugar. Porque brasileiro tem mania de pensar que europeu é superior, educado, exemplar. Hay de todo.

Ultimamente, ando especialmente pasmada por meus papos com franceses sortidos. É algo comum entre estes a ideia de que a pandemia é uma conspiração do governo pra controlar corpos e mentes. E já escutei de mais de um, explicando por que se recusa a tomar a vacina: “meu corpo, minhas regras”.

Próxima vez eu vou de blablacar. Ou fico sem ver meu irmão mais uns 2 anos, olhando a parede de casa e pensando: minha parede, minhas regras.

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O que de verdade importa https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/07/02/o-que-de-verdade-importa/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/07/02/o-que-de-verdade-importa/#respond Fri, 02 Jul 2021 12:16:41 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/vacinacao-julho21-barcelona-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=847 Hoje foi dia de vacina, bebê.

Com essa dose única da Pfizer, eu já posso pegar o meu “passaporte Covid”, aka certificado digital europeu, que me permite circular livremente dentro da União Europeia.

Na Espanha, os que passamos por Covid tomamos somente uma dose da vacina de mRNA (no meu caso, a Pfizer), e não duas, já que estudos internacionais indicam que a vantagem de um segundo shot para o desenvolvimento de anticorpos é desprezível.

Seria interessante que aí no Brazel liberassem também umas vacinas com este protocolo, não?

E, falando em Brazelzelzel: nesta última quinta (1), mesmo dia em que entrou em vigor o certificado digital na Europa, a Espanha anunciou que brasileiros seguirão sem poder entrar no país por mais um tempo.

Até pelo menos o próximo dia 20 de julho, brasileiros sem residência ou passaporte espanhol não poderão pisar no país, a não ser no eventual caso de escalas, e sem deixar o aeroporto.

“E quem tem família na Espanha, pode?”, me perguntou uma amiga brazilêra querida ontem.

Nananinaaam. Até segunda ordem, só entram na Espanha os brasileiros que possuam residência ou passaporte espanhol.

E mesmo estes deverão apresentar um dos seguintes documentos: certificado de vacinação completo, teste negativo de Covid realizado até 48 horas antes da chegada na Espanha ou prova de que passou por Covid e se recuperou.

Bom, até aqui vai o Momento Serviço dessa coluna. Agora vou soltar o meu deixadeixadeeeeixaeudizeroquepensodessavidaprecisodemaisdesabafar (copyright de Claudia, Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza) do meu bunker d’além mar.

***

Levamos uma semana sem a obrigatoriedade da máscara nas ruas na Espanha. Depois de um (longo as hell) ano com caras escondidas, liberdade. Emoción.

No último sábado (26), primeiro dia da liberdade mascarística, saí de casa comovida, hesitante, vulnerável. Cêis me entendem.

Como há muito não fazia, examinei meu rosto nu no espelho do elevador (por falar nisso: tristes, essas luzes implacáveis de cirurgia de elevador, a gente sai de casa querendo se sentir bafo e topa consigo em versão rã dissecada –mudaí, Schindler, pelo bem da nossa autoestima).

E pensei dois pensamentos:

Envelheci muito este último ano, e só não havia notado tanto porque frequentemente uma máscara tapava o inexorável.

E essa máscara fppp2p32 X 1 ano me deixou de legado umas p*** marcas nas minhas bochechas, que já não são pequenas.

Saindo pra rua depois desse breve solilóquio de elevador (e me sentindo agora não só vulnerável, mas meio deprê, pensando em botox e outros paranauês), caminhei com medinho. Sem exagero. Sorvendo o ar fresco da manhã de sol numa vibe meio esquisita, vagamente criminosa.

Até que, movida por uma ansiedade incontrolável, não aguentei, gente: com o corazón aos pulos, me sentindo bem loka, arranquei a máscara azul do bolso e levei-a ao rosto, como se fosse o oxigênio do Dennis Hopper em Veludo Azul. Respirei aliviada o bafo quentinho protetor daquele material cirúrgico sobre a minha boca. Quem diria.

Mais calma, me dei conta de um curioso, hmm, comportamento de rebanho ao meu redor: ao contrário do que eu imaginava, e pelo menos aqui em Barcelona, muita gente optou por seguir usando a máscara na rua nesses primeiros dias, sobretudo idosos –justamente a população que está praticamente l00% imunizada.

Suponho que muitos optam (optamos, porque eu venho fazendo o mesmo) por andar na rua com a máscara a postos naquela já clássica posição slack preferida — debaixo do queixo. Caminhamos algo mais livres, mas preparados para o momento de nos meter em bares, supermercados ou transporte público, onde ainda é obrigatório usar a dita.

Ou será que o puro fenômeno Apego à Máscara (ou Fobia do Ar Livre, ainda não encontrei uma expressão adequada –alguém aí tem uma ideia?) não é só comigo?

***
Com o vai-não-vai na redução de casos na Europa, o verão chegou no último dia 21 de junho –mas sem a usual massa de turistas estrangeiros loucos pra currrrrtir Barcelowna.

Isso, combinado com o fato de que o barcelonês costuma se mandar da cidade em julho e agosto por causa das férias, gerou uma cidade turística fantasma, pela qual venho passeando esses dias entre assombrada, refestelada e — again –algo deprê.

É, deprê. Acabou A Grande Ameaça, so they say, mas restam agora vários pequenos pipocos no aire. A crise. As portas fechadas para-siempre de muitos negócios.

E uma sensação (completamente pessoal) que não me deixa nos últimos dias: de que Barcelona, a cidade Condal, estrela-mor do segundo país mais visitado do mundo, perdeu no último ano um pouco de seu glamour, seu verniz de destino fantasia, onde as gentes vêm pra comer paella, tirar uns selfies emoldurados pelo entardecer flamingo do Mediterrâneo ou conseguir boffs em apepês.

Algo semelhante a quando acendem a luz depois da balada e você se depara com a sujeira da pista de dança, os bêbados e tua cara no espelho do bar, maquiagem toda borrada, as rugas gritando sob o chiaroscuro cruel das lâmpadas LED. É, filha. O tempo passa, as rugas se somam, a vida segue. Vida real, parte da vida, o que de verdade importe.

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Brasileiros não poderão entrar na Espanha pelo menos até junho https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/05/21/brasileiros-nao-poderao-entrar-na-espanha-pelo-menos-ate-junho/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/05/21/brasileiros-nao-poderao-entrar-na-espanha-pelo-menos-ate-junho/#respond Fri, 21 May 2021 19:26:53 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/sunset-in-barcelona-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=764 Estava lembrando de uma conversa recente com meu boffs (aka namorildo) após seu retorno de Paris.

Ele fez um bate y volta pra visitar o irmão, que não via há muito tempo. A viagem teve que ser remarcada umas duas vezes por conta da pandemia. Além da passagem aérea, ele teve que desembolsar uma “pasta” (aka bufunfa) pra duas PCRs, uma na ida e outra para voltar à Espanha.

Primeiro choque: a diferença de preço do teste entre os dois países.

Na Espanha, uma PCR pode chegar a custar, em uma das principais redes de laboratórios privados do país, 120 euros (ou R$ 782). Já na grande Paris, em uma clínica de bairro, o preço foi de 50 euros. Os franceses têm reembolso no caso de precisarem fazer o teste.

A segunda curiosidade, na falta de outra palavra: a recepção dos viajantes nos aeroportos. Em Orly, havia poucos fiscais, mas todos checavam manualmente o papel com a PCR e o carnê de identidade.

Já ao aterrissar em El Prat, o aeroporto internacional de Barcelona, havia uma super infraestrutura montada. Mil fiscais hormiguitas com seus coletes amarelo-neon sinalizando para a multidão em mil direções.

Qualquer pessoa que chega na Espanha, seja nacional ou não, deve apresentar um formulário por meio de um site ou uma app oficial do governo espanhol, mostrando o código QR gerado –que não estava funcionando. Depois de muito discutir com algum fiscal, deram o formulário em papel, pra ser preenchido na hora.

E, pasme, não foi preciso mostrar o teste negativo da PCR; marcando um box do formulário declarando que sim-sou-negativo já foi suficiente.

***
O governo espanhol estendeu até pelo menos 8 de junho de 2021 as restrições à entrada de brasileiros, com exceção dos que possuam passaporte espanhol, residência ou justificativa por trabalho ou estudos. Parentes de residentes ou nacionais não podem entrar, a não ser por motivos excepcionais.

E vir por turismo, por enquanto, está proibido. A medida vale também para os viajantes oriundos da África do Sul.

O texto publicado no Boletim Oficial do Estado (BOE) em 21 de maio justifica a precaução afirmando que “a situação epidemiológica e especialmente o impacto das variantes de especial preocupação vinculadas à República Federativa do Brasil e à República da África do Sul continua muito elevado [sic]”.

“Ainda que o risco de importação de casos desses países possa ser reduzido graças a medidas de controle sanitário aplicáveis na chegada à Espanha [hmmmmm], isso não impede que continuemos a tomar precauções extremas diante do potencial de propagação das variantes brasileira e sul-africana do vírus”.

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Espanha encerra estado de emergência e entra em fase de ‘reabertura’ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/05/07/espanha-encerra-estado-de-emergencia-e-entra-em-fase-de-reabertura/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/05/07/espanha-encerra-estado-de-emergencia-e-entra-em-fase-de-reabertura/#respond Fri, 07 May 2021 21:09:37 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/Aniol-Yauci-freedom2-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=737 Hoje é um daqueles dias.

A cabeça longe, pensando em perdas e notícias ruins de queridos próximos e não tão próximos. Covid, não-Covid, além-de-explicações, como a vida mesma.

Meus olhos loopam 180479 vezes a leitura da mesma frase de um artigo, minhas janelas do browser vão se multiplicando em caóticas distrações asmr-culinárias-musicais.

Uma delas: a receita de uma clássica sobremesa espanhola, la leche frita (leite frito), típica da época de Quaresma. Comida de abuela (vó), dessas que levam tudo o que revistas tipo Sapien’s Health condenariam. Vejo que existem versões da receita em português também –claro, Brazel é terra de tod@s, conjuração imigratória pancosmogônica etc etc.

Quando eu conto aqui que minha mãe japa prepara bacalhau à gomes de sá com sushi e pernil pra ceia de Natal, o povo acha exótico.

Exóticos são os españoles que fritam cubos de leite e chamam presunto de comida saudável (pondero eu, enquanto escuto “Love Action”, do Human League, e tento me concentrar pra escrever essas tiritantes linhas num café ruidoso na esquina de casa).

***

Este próximo domingo (9) será especial para a Espanha. Não pelas mães, como aí (o dia das mães, aqui, é celebrado no primeiro domingo de maio).

A partir da meia-noite deste próximo sábado pro domingo, deixa de valer o estado de emergência que vem regendo nossa vida pandêmica há mais de um ano.

Com isso, a princípio, são levantadas as restrições de mobilidade (entre comarcas, áreas, estados) e o toque de recolher entre 22h e 6h, com ligeiras variações conforme a província.

A partir de agora, dependerá dos governos regionais e tribunais de justiça superiores a aprovação e regulamentação de medidas como as supracitadas, além de outras que estiveram vigentes por meses, como, por exemplo, a limitação de reuniões no âmbito privado (aka, por exemplo, festinhas particulares –estas, agora, só poderão ser limitadas por recomendações, já que, sem o estado de emergência, não se pode multar mais esse tipo de idiotice pandêmica).

Os casos de Covid na Espanha vêm apresentando uma tendência de queda nos últimos dois meses, mas o país ainda se encontra em uma situação de alto risco, com uma incidência acumulada de 198 casos por 100 mil habitantes (no final de janeiro, estávamos em quase 800 casos por 100 mil).

Madri, atualmente com 317 casos por 100 mil habitantes e 42,7% das UTIs ocupadas com pacientes de Covid (77,49% de ocupação total), é uma das comunidades mais críticas. A partir do domingo, suspenderá o toque de recolher e permitirá o funcionamento de bares e restaurantes até a meia-noite. Aye, meus sais.

Por outro lado, as ilhas Baleares, que incluem Ibiza e Mallorca, dois super destinos do turismo internacional no verão, conseguiram aprovar a manutenção do toque de recolher entre 23h e 6h.

Já a Catalunha (266 casos por 100 mil, 34,79% das UTIs ocupadas com pacientes de Covid e 77,04% de ocupação total) eliminará o toque de recolher a partir da noite de sábado, mantendo a recomendação de até 6 pessoas para reuniões privadas. Bares e restaurantes poderão funcionar até as 23h.

O governo local está preparando uma operação policial semelhante à de uma véspera de ano novo para a noite do sábado para dissipar aglomerações. Boa sorte, gente.

Com a suspensão do confinamento perimetral, também poderemos, finalmente, sair do território. Amigos já estão planejando viagens, e eu gostaria de sair fora também. Mas calma lá, povis: como protocolarmente avisou o diretor do Centro de Coordenação de Alertas e Emergências Sanitárias, Fernando Simón, “o fim do estado de emergência não significa o fim das medidas de controle”.

O País Basco, uma das comunidades espanholas com maior índice de contágios (463 por 100 mil), ainda não conseguiu aprovar a prorrogação das medidas restritivas, o que significa que, a partir de domingo, poderá ser um salve-se quem puder (em euskara, Bere man guztietaaaaan!).

Eis um problema da descentralização das políticas sanitárias frente à pandemia: começa-se a desenhar um super patchwork de incongruências no país, à mercê da mentalidade lollycrazy de cada juiz-papelômano-man.

Em parte, há uma confiança na vacinação, que se acelerou no último mês. Até agora, 12,6% da população recebeu as duas doses (contando os que só receberam uma dose, temos até agora 28% vacinados), e mais de 500 mil pessoas foram vacinadas nas últimas 24 horas. O objetivo do governo é chegar a 70% até o fim do verão.

Desde o início da pandemia, a Espanha registrou 3,56 milhões de casos de coronavírus e quase 79 mil mortes.

***

Eu sei lá. Meu pensamento vagueia nuevamente. Penso nos idos-de-aqui, onde estarão? Façamos uma leche frita em homenagem a eles. E à vida. Deixo aqui uma receita com a dulce Dona Dirce, cuja lasanha de berinjela de panela eu já provei fazer também e é uma delícia. Abraços a todos aí, enviados no lombo-cangote dos golfiños transoceânicos de Barcelona, e cuidem-se mucho.

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Não há dia como hoje https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/04/30/nao-ha-dia-como-hoje/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/04/30/nao-ha-dia-como-hoje/#respond Fri, 30 Apr 2021 17:38:09 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/lua-é-pra-lá-que-eu-vou-arte-de-aniol-yauci-1-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=729 “Menina, aqui tem paciente dando positivo em PCR há mais de dois meses!”

Lá vou eu de novo com minhas modestas pílulas do front hospitalar. Microprivilégios (hhhmmmm errrr hããã) de quem é paciente crônica e tem que fazer revisões periódicas. Hoje tem exame de sangue no cardápio.

A enfermeira, jovem y corada, talvez de tanta atividade seringuística, já que são 2 da tarde, extrai o fluido borgonha de minhas veias raladas de tanta furação enquanto me conta.

“A gente tem visto com alguma frequência, isso de dar positivo repetidas vezes”, diz. “Coitados dos idosos que estão na fila de cirurgias, tendo que voltar aqui a cada dois por três, sem poder ser operados!”

“A cada dos por tres”: expressão espanhola equivalente ao nosso “”vira e mexe”; frequentemente.

De fato, o saguão está dominado por velhiños esperando sua vez para tomar aquela enfiada gostosa de cotonete nas narinas.

A relativa placidez do primeiro andar dá lugar no térreo do hospital a uma balbúrdia amarelo-e-vermelha com bandeiras mezzo catalãsq, mezzo sindicais. Pequena aglomeração diante da entrada de emergências.

Um médico que observa à distância, como eu, aproxima-se e comenta: são o pessoal da limpeza. Estão protestando há mais de ano por haver sido excluídos da gratificação extra que só os da saúde receberam durante a pandemia.

“Se eles se arriscam tanto quanto nós!” –abre os braços, indignado. “Trabalharam dobrado, como nós. Cada vez que a gente termina com um paciente, entram eles em ação. Com proteção e tudo, mas, mesmo assim…” –deixa a frase no ar. Não precisa completar, yo entiendo. “A ajuda seria de uns 300 euros, o que não é muito, mas, pra eles, sim”, acrescenta.

Faço um cálculo mental: amigo, onde é que 300 euros é pouco? Quase 2 mil reais. Yo soy brasileña, amigow.

Manifestação diante do hospital Sant Pau, um dos mais importantes de Barcelona, abril de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

O cartaz principal da petite manifestação denuncia a “invisibilidade” do coletivo dedicado a deixar os hospitais, corredores e salas de cirurgia limpos, esterilizados, prontos para novas curas.

Vamos a veire, é óbvio: se se tratasse de um protesto de médicxs e enfermeirxs, apareceria imprensa sapeando, replicando, botando manchete. Mas não. Nessa sexta nublada em Barcelona, só eu, de sobretudo vermelho e mirada cansada, escrevendo uma discreta coluna pra um jornal d’além mar.

Irritada, uma jovem manifestante me explica: não só não receberam a tal gratificação como não têm o amparo da Seguridade Social em caso de positivo pra coronavírus –ao contrário dos profissionais de saúde, para os quais uma licença por Covid é considerada acidente de trabalho.

***

A Espanha se prepara para o 9 de maio, quando se prevê o fim do estado de emergência, em vigor desde março passado, quando eclodiu a pandemia. Restaurantes, por exemplo, poderão ficar abertos até as 23h. Em teoria, deixaria de existir também o toque de recolher (no caso da Catalunha, entre 22h e 6h) em vigor há meio ano.

Mas o governo da Catalunha já pensa em deixar na manga um decreto-lei que manteria o tal com alguma flexibilização, deixando-nos perambular livres até as 23h ou 24h.

Embora os gráficos covidianos estejam dando sinais de melhora (pouco mais de 9.000 casos e 136 mortes em todo o país nas últimas 24 horas) e a vacinação tenha se acelerado no último mês (até agora, com 10% da população vacinada com as duas doses), a Espanha já levou chulepada do destino vezes demais pra sair liberando tudo sin más.

É verdade, porém, que se avizinha junho, O Clássico Mês Em Que Começam A Chegar Os Turistas Pra Curtir O VerãoZão Español. Veículos de imprensa britânicos já festejam a reabertura de fronteiras anunciada pelo governo espanhol (com 8415879 PCRs e ressalvas), e as reservas de hotéis já tão uma doideira.

Lembro dos tempos não-saudosos em que “guiris” (estrangeiros) embriagados não nos deixavam dormir com suas festas em apartamentos alugados, ou lotavam tanto as atrações culturais e históricas de Barcelona que nós, moradores, desistíamos de tentar nossa vez, acabrunhados com tanta avidez. Será um longo e curioso verano…

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Espanha se prepara para o fim do estado de emergência https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/04/09/espanha-se-prepara-para-o-fim-do-estado-de-emergencia/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/04/09/espanha-se-prepara-para-o-fim-do-estado-de-emergencia/#respond Fri, 09 Apr 2021 21:43:02 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/vacuna-aniol-yauci-low-res-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=650 Hoje foi dia de injeção, bebê.

Não a vacina (Pfizer, Moderna, AstraZeneca ou, em breve, a Janssen, segundo o voo dos passarinhos do dia), mas minha injeção mensal anticâncer tamanho bondedotigrão na barriga (pitorescagens de uma paciente em remissão).

Chego no posto de saúde 20 minutos antes da minha hora, fila única dobra o quarteirão. Estamos em plena campanha de vacinação anti-Covid na Espanha. Mais da metade dos enfileirados, idosos.

Uma senhora de cabelo acaju penteado pra trás, brinco bolota dourado e gola rulê se emparelha comigo, ombro com ombro. Podia ser uma cameo em Perdidos no Espaço, aquela série dos 1960s. De máscara etc.

Ela tá que tá. Grita na minha orelha e pro senhor de trás: NÃO SEI PRA QUE É ESSA FILA! NÃO QUERO IR PRO FINAL! VOU FICAR EXATAMENTE AQUI! “SENHORA, as distâncias mínimas, SISPLAU!!! [aka por favor, piedade e comiseração, no meu catalão brasicantado]”, imploro. Hoje tô da pá virada. Senhora, adorei tua gola rulê, mas… que te mato.

No quarto andar, de consultas gerais, mais fila. A recepcionista retruca a um casal de idosos embrulhados em seus casacos felpudos verde-e-vermelho: NÃO, SENHOR, SE NÃO TOMAR A VACINA AGORA, SABE DIOS QUANDO VAI TER OUTRA OPORTUNIDADE! TÁ CERTO? –em voz megafônica, que é pra TODOS NÓS ENTENDERMOS, TÁ.

Desconfio que o velhiño não queria tomar a vacina da AstraZeneca.

Minha enfermeira ídola, Lola, não está. Foi recrutada para a campanha. Um enfermeiro inédito me atendeu. Pegou a caixa com a monstroagulha, revirou com cara de que-p-é-essa (já vi essa cara antes, hoje em dia relevo entrego aceito confio). Saí de lá com dor pra caminhar e estou presentemente escrevendo com minha pança latejando. Poha.

Na saída, ouço en passant a conversa de um casal bastante idoso, ele alisando a cabeça grisalha dela na cadeira de rodas, o gesto mais bunito dessa manhã primaveril: “Albert, não me sinto bem”. “Não pode ser, querida; acabaram de te vacinar. Calma, tranquila…”.

***

Esta semana, o premiê espanhol Pedro Sánchez (por sinal, em franco ritmo de campanha eleitoral) não só garantiu a vacinação de 70% da população até o final de agosto (até o momento, apenas 3 milhões de espanhóis, ou 6,38% da população, recebeu as duas doses), como confirmou que o estado de emergência que vivemos no último ano será finalmente suspenso dentro de um mês, em 9 de maio.

Isso significa que poderemos nos mover intraterritorialmente e não haverá mais o toque de recolher dos últimos seis meses. Cairá por tierra também a possibilidade de limitar os números de pessoas em grupos, mesas de bar, festas. Aix.

***

O prazo indicado pelo governo espanhol para termos a maioria da população (33 milhões de pessoas) vacinadas coincide com o final do verão europeu.

Até lá, imagino infelizmente que teremos umas tantas oportunidades de zoar o esquema, talvez provocando picos cíclicos de contágios como tivemos nos últimos meses, embora não tão vertiginosos.

Lembrando: o primeiro, pós-verão do ano passado, quando pensávamos que a pandemia já era página virada; o segundo, pós-reabertura, em novembro; o terceiro, depois das festas de fim de ano. E, agora, estamos vendo um ligeiro aumento de casos pós-Semana Santa, quando o país flexibilizou temporariamente o confinamento de fronteiras.

Esta semana, na província de Madri, um índice médio acumulado de 324 casos por 100 mil habitantes foi suficiente para classificar a área como de risco extremo. Medidas restritivas serão prorrogadas em pelo menos 15 zonas sanitárias e 7 municípios, de onde os habitantes só poderão sair por justa causa nos próximos 15 dias.

Mas, brazilêros combalidos de mi cuore, notem bem a diferença em relação a um certo gigante adormecido: toda essa cautela e caldo de pollo se arma diante de uma taxa de 16 falecidos em Madri nas últimas 24 horas (149 no país inteiro) e uma ocupação de 20,48% dos leitos de UTI espanhóis.

As medidas restritivas supracitadas afetam na prática 6,4% da população madrilenha, ou pouco mais de 400 mil pessoas. Madri, junto com Ceuta e Melilla, são as únicas localidades espanholas onde os casos permanecem acima de 200 por 100 mil habitantes.

***

Mas há quem esteja meio indignado. Afinal, começam a chegar na Espanha os primeiros turistas internacionais — alemães, ingleses e franceses, principalmente — e, enquanto eles podem mais ou menos flanar livreslevessueltos pelo território, estamos todos aqui jogando o jogo da casinha e chupándonos los dedos.

Em Barcelona, ainda vivendo a vida restrita com toque de recolher e outras limitações, sinto um clima tímido de abertura. Recebo uma agenda cultural da cidade no meu inbox. Pela primeira vez, percebo que predominam atrações presenciais. “Avança a vida e, com ela, avança a arte”, canta o editorial. Aye, que poético.

 

***

Nem lembro mais como é estar fora de casa depois das 22h, sem correr pra chegar em casa, sem um certo receio de caminhar pelas ruas escuras e desertas. Que emoção. E, porque são tempos conflitivos, que aflição.

“Saímos prematuramente aos balcões, lotamos os braços de novos livros, recitamos de memória versos e nos despertamos sonhando com canções que ainda não conhecemos”, encerra o editorial da mais recente agenda cultural de Le Cool Barcelona. “Abril: será bom para todos?”. Veremos…

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A fila da vacina espanhola https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/02/05/a-fila-da-vacina-espanhola/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/02/05/a-fila-da-vacina-espanhola/#respond Fri, 05 Feb 2021 19:33:51 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/golondrina-34185709-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=522 Quando, afinal, estaremos todos vacinados contra o vírus?

Enquanto eu penso nas milhares de andorinhas que morreram de frio no início do ano na Espanha por conta da passagem da borrasca Filomena, deixo a roleta rolar.

E ela vaticina: a se julgar pelas 3487098 variáveis atuais do andar-da-carruagem-covidiana, eu euzinha euzoca só vou receber a primeira dose da vacina entre o verão deste ano e março de 2022.

A predição é da omni calculator, uma startup polonesa com um time de brilhantes jovens cientistas de diversos países dedicados a criar calculadoras de todo tipo em áreas tão diversas como saúde, construção e esportes.

A “Calculadora da Fila da Vacinação na Espanha” é uma dessas beleziñas (infelizmente, ainda não há uma dessas pro Brazil zil).

Desenvolvida por Dominike Miszewska e Álvaro Díez Gepe, dois jovens estudantes de Medicina e Física de Partículas (!), respectivamente, a interface combina parâmetros mais gerais (faixa etária, condições de risco, local de residência) com três diferentes projeções da taxa de vacinação (governo, atual e personalizada).

De acordo com a calculadora, por exemplo, um profissional da área de saúde teria, neste exato instante, pouco menos de 500 mil pessoas à sua frente na fila da vacinação.

Levando em conta a taxa de aceitação popular da vacina (79%) e a atual previsão do governo de distribuir em torno de 1.513.890 doses por semana, essa pessoa receberia, portanto, sua primeira picada antes do final de fevereiro.

Além disso, toda a população estaria vacinada em 10 meses, isto é, até novembro deste ano. Note-se: estamos falando da previsão otimista unicórnica do governo espanhol.

Aplicando-se a taxa real de vacinação do momento, que é muito mais baixa (aproximadamente 312.356 doses por semana), essa mesma pessoa seria vacinada mais ou menos na mesma época, por conta da estratégia do governo de acelerar a vacinação para este perfil e postergar a vez daqueles que foram infectados nos últimos 6 meses.

Por outro lado, a população espanhola como um todo só estaria imunizada no prazo de quatro QUATRO anos.

Pausa para um silêncio mortal e o arrulho, sei lá, de andorinhas, cá em terras españolas chamadas de golondrinas.

((Outra pausa para um pensamento flash: ce sabia que o número quatro (SHI) é considerado de mau agouro no Japão? Porque a pronúncia lembra muito a palavra morte. Ora, ora, com isso não quero insinuar nada, a não ser que, nesta sexta-feira nublada, depois de me empanturrar de sekihan, minha cabeza está meio overderivadadativa))

A mesma projeção acima valeria para uma pessoa idosa vivendo em um asilo, ou para qualquer pessoa de um grupo de risco: a ideia é ter todo esse pessoal vacinado até março.

Desde que começou a campanha, no final de dezembro, a Espanha já administrou a vacina para 23% da população prioritária, que em seu total corresponde a 2,5 milhões de pessoas ou 5,3% da população nacional.

O ritmo de vacinação tem sido emocionantemente irregular, mas na última semana o país fez um corre e os imunizados saltaram de 173 mil a quase 600 mil.

Na Catalunha, 90% dos residentes de casas geriátricas já receberam pelo menos a primeira dose da vacina.

Enquanto isso, a gente segue o baile com o confinamento por regiões e toque de recolher às 22h, além de bares e restaurantes funcionando em horários restritos e policiais tentando inutilmente vigilar jovens/famílias/pterodáctilos fazendo piquenique com uma cervejinha ou vinhozinho no parque da Ciutadella, cartão-postal de Barcelona.

***

A história das andorinhas me fez pensar em um de meus livros preferidos ever, de Jorge Amado: “O gato malhado e a andorinha Sinhá”, de 1948, ilustrado pelo glorioso Carybé, o mais baiano dos argentinos. Aqui na Espanha, traduzido como “El gato manchado y la golondrina Sinhá”. Um amor impossível, fátuo como um verão a mais, eterno como nossos dias…

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