Normalitas https://normalitas.blogfolha.uol.com.br Espanholices, maravilhas do ordinário, brotos de brócolis Sat, 04 Dec 2021 00:01:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Uvas, máscaras, vacina: qual delas poderá (realmente) conter o vírus? https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/11/19/uvas-mascaras-vacina-qual-delas-podera-realmente-conter-o-virus/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/11/19/uvas-mascaras-vacina-qual-delas-podera-realmente-conter-o-virus/#respond Fri, 19 Nov 2021 21:14:57 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/grapes-3696472_1920-1-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=1175 Estamos, eu e ela, observando-nos em silêncio. “Que merda”, consigo dizer.

A tia. De apenas 45 anos. Saudável, sem nenhum problema anterior de saúde. Faleceu. De Covid.

A conversa é especialmente triste porque estamos a um oceano de distância de entes queridos. Os seus, em Minas; os meus, em São Paulo. A saudade e a sensação de impotência são sintomas pandêmicos comuns entre nós, imigrantes que, por escolha ou destino, deixamos o nosso país e, com ele, parte de nossa família –pelo menos até a próxima viagem.

***

Well, well, enquanto isso, eis que o coronavírus está botando suas proteínas de fora na Europa mais uma vez.

E uma das perguntas que não quer calar é: será a vacina realmente suficiente para conter uma sexta-sétima-nonagésima onda de contágios?

Embora, por enquanto, os epicentros do novo surto sejam países como Áustria e Alemanha, a Espanha, que já desfilou pelo Top 5 covídico mundial, começou também a monitorar mais de perto o comportamento pandêmico em seu território.

Verdade que cabem 17 Espanhas no território brasileiro, e comparações seriam simplórias. Mas, em dimensões relativas, a Espanha não deixa de ser o quarto maior país da Europa, e o contraste no ritmo de contágios conforme a região é grande.

Ruas de Barcelona no verão, julho de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

País Basco e Navarra, por exemplo, apresentam as maiores incidências acumuladas do país nos últimos 14 dias, com 214 e 315 casos por 100 mil habitantes, respectivamente.

Em contraste, Madri, que, com Catalunha, liderou o ranking nacional de contágios durante o primeiro ano da pandemia, tem agora mesmo 93 casos por 100 mil habitantes (Catalunha, 155 por 100 mil, exatamente no limiar estabelecido como preocupante pelas autoridades sanitárias).

À parte as diferenças regionais, há uma tendência geral de aumento de casos. A média nacional atual é de 112 casos por 100 mil habitantes, e houve um aumento de 19% de hospitalizações por Covid só na última semana.

Fila da vacinação diante do Hospital Sant Pau, em Barcelona, julho de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

Uma certa alta de casos é esperada devido à temporada de inverno. Segundo um porta-voz da OMS, a Espanha estaria sendo “poupada” de cenários mais dramáticos por conta dos bons índices de vacinação (79% da população com a pauta completa, e agora alguns grupos de risco partindo pra uma terceira dose), o uso da máscara (apesar de não ser mais obrigatória nas ruas, muita gente ainda usa, e todos estamos obrigados a utilizá-la em ambientes fechados) e o clima ameno, propício para uma vida mais outdoors mesmo em temporadas frias.

Mas a situação europeia pede cautela. Ultimamente, como em outras partes, é comum ver imunologistas e técnicos do governo espanhol afirmando que a imunização pelo duplo shot de vacinas pode não ser suficiente para conter o avanço do vírus.

Dá o que pensar: a Catalunha acaba de divulgar que 64% dos hospitalizados atualmente por Covid são gente imunizada com a pauta completa (em contraste, o índice nacional de imunizados hospitalizados por Covid atualmente é de 40%). A região já vacinou completamente 77% da população.

Os bascos, com 81,7% da população vacinada e o maior índice acumulado de casos da Espanha, estão se preparando judicialmente para impor o passaporte Covid em atividades de ócio a partir da semana que vem, como já vêm fazendo comunidades como Galícia e Catalunha.

Isso significará a obrigatoriedade de apresentar o certificado de vacinação ou teste negativo para ter acesso a atividades culturais, concertos e bares ou restaurantes com mais de 50 pessoas.

Reabertura dos bares e restaurantes durante o verão 2021, Espanha (Susana Bragatto / Folhapress)

Enquanto o frio vem chegando e os dados vão subindo, tem gente preocupada se perguntando como serão o Natal e o Réveillon 21-22 –incluindo o comércio e o setor hoteleiro, combalidos após um ano e 9 meses de luta contra o vírus.

Por enquanto, só digo que a celebração máxima, epítome da cafonice indispensável de anus novus –a contagem das 12 badaladas na Puerta del Sol, a praça mais importante de Madri, transmitida em cadeia nacional –está garantida.

Quer dizer, não tem nada garantido nessa vida. Mas, seja lá como for, em alguma dimensão das 18047880897 estelares existentes, lá estaremos na nochevieja com a tevê ligada, vendo apresentadores embrulhados em lamê com suas taças de espumante ciciando amenidades enquanto esperamos com as 12 uvas verdes no pratiño –uma pra cada gongada. Pra dar sorte. Muita. Que desta vez vai.

 

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Com 80% de vacinados, Espanha espera uma discreta alta de casos no outono https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/09/17/com-80-de-vacinados-espanha-espera-uma-discreta-alta-de-casos-no-outono/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/09/17/com-80-de-vacinados-espanha-espera-uma-discreta-alta-de-casos-no-outono/#respond Fri, 17 Sep 2021 20:47:08 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/café-e-morangos-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=1051 No bar, de manhã. Portio café bar, diante do maravilindo parque do Clot, Barcelona, pra quem está na área. Comum, pros olhos comuns.

Sento lá pra desfrutar de um americano antes de ir ao trabalho. Desfrutar, essa palavra que se usa tanto aqui. Sol ardido, aquecimento global mediterrâneo. Gente local acha engraçado eu ser brasileira e dizer que o calor aqui ultimamente consegue ser pior que São Paulo metida no engarrafamento da Vinte e Três de Maio ao meio-dia de um verão.

Também, os espanhóis não sabem o que é engarrafamento –digo yo, não sem um orgulho imbecil.

Mas, voltando ao bar.

O dono, wapo (guapo, bonitón) senhor de olhos verdes cansados, sempre atende com simpatia. Parece uma dessas naturezas tipo deixa-rolar que não retêm o dia de ontem –embora o canto caído das pálpebras me sugira nostalgia.

Olhaí, esse é o Bar das Digressões.

Oito e meia da manhã e dois caras no terraço ao meu lado com encardidas camisetas da labuta mandando ver na cerveja. Passam de falar do Pepe que botou foto nova de um carrão no Facebook, como terá conseguido grana pra um negócio tão caro, no lo veo, para se recomendar mutuamente… comidas.

— Fresas (morangos) en la crema catalana, tío. En trocitos. Te lo digo: tienes que probar.

Que delicadeza, esses dois hômi de voz trovejante e máscara pendurada no queixo falando de morangos. “Crema catalana” é o crème brûlée regional (e alguém estará bufando de raiva com essa comparação).

Apuro o ouvido, sou uma comadre buscando humanezas. E dicas culinárias.

— … También los caracoles están buenísimos. (mania de caracóis o povo tem aqui, um dos poucos pratos típicos que não balançam meu corazón). Y las gambas (camarões), con alioli casero.

O restaurante, diz o nome do restaurante!

***

A Espanha registrou hoje (17) a menor taxa de novos contágios de Covid do último ano: 2.333 casos. Já é o terceiro país com mais vacinados do planeta, atrás apenas dos Emirados Árabes Unidos e Portugal, com quase 80% da população coberta (76% com a pauta completa).

Desde o final de junho, quando o governo nos libertou do uso da máscara nas ruas, ocorreu aqui um fenômeno interessante: a maioria optou por continuar usando a máscara. Eu incluída.

Às vésperas do outono no hemisfério norte, a alta taxa de vacinação na Espanha não significa pouco. Espera-se um minipico de casos com a chegada do frio, mas nem de longe parecida com as seis ondas anteriores. A campanha começará agora a aplicar uma terceira dose na população de risco, como pacientes de câncer, portadores de Síndrome de Down com mais de 40 anos, idosos em asilos e imunodeprimidos.

Comentava com a minha irmã, que vive em São Paulo, que a polícia aqui está usando uma tática extrema para dissolver multidões de jovens que, ultimamente, com a flexibilização das medidas sanitárias, têm se reunido para os “botellones” (festas na rua regadas a árco). Com a ajuda do corpo de bombeiros, tasca mangueira de água nos críos.

–Se fosse no Brasil, não ia funcionar –comentou ela. — Iam pensar que é Carnaval!

Parc del Clot, seu lindo (Susana Bragatto / Folhapress)

No bar do José Luís, que é como se chama o señor de olhos líquidos, a conversa entre nossos dois heróisdujour deriva para temas sindicais, sem que eu consiga descobrir de que restaurante estão falando. Quase me levanto, histérica, e grito “quero sabeeer!”, mas faz calor e eu tô atrasada. Volto ao meu café, ao meu dia comum, nesse bar tão corriqueiro, nessa hora nascente da manhã.

–José Luís! Un par de carajillos*! Y un par de chupitos**!

Oito e meia da manhã, um bar qualquer, e eu sonhando com um chupito myself.

Ou co’a cobertura crocante de caramelo da crema catalana, que a gente quebra com a colher e abocaña com o creme de ovos y leite, aromatizado com canela, baunilha e raspas de limão ou laranja (ou anis, na versão do über chef Michelin catalão Ferrán Adrià).

* café com árco (rum, Bailey’s, uísque…)
** dose de árco

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Um passeio pelo maior sebo da Espanha https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/09/03/um-passeio-pelo-maior-sebo-da-espanha/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/09/03/um-passeio-pelo-maior-sebo-da-espanha/#respond Fri, 03 Sep 2021 20:19:44 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/El-Siglo4-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=1017 O chão se enrola em si mesmo, formando quadrados vertiginosos que suportam poltronas de veludo. O palco está vazio, exceto por um piano de armário onde falta uma tecla, um ré central –tomo nota, mentalmente, enquanto dedilho.

No lugar de paredes, livros. Muitos. Los que quieras.

Enfileirados, empilhados, eretos, debruçados, pairam sobre as cabeças passeantes umas coleções extensíssimas, arte, psicologia, clássicos, edições raras.

Nada como um pianiño, umas revistinha e uma versão-for-kids de (In My) Solitude (Susana Bragatto / Folhapress)

Num outro aposento, sobre uma mesa com tampa de vidro e cadeiras estilo Luís XV, um gordo lustre ilumina um livro infantil ilustrado, talvez recentemente folheado por mãozinhas ou mãozonas: Las pesadillas de Winnie the Pooh (Os Pesadelos do Ursinho Puff).

Logo ao lado, uma cozinha industrial, moderna e minimalista, rodeada de –adivinhou –mais livros. Ali, rolam aulas de culinária e outros eventos gastronômicos.

Outras estantes carregam fotos de toureiros, bibelôs, dedicatórias esmaecidas, pôsteres de outra Espanha, histórias de outras vidas.

Relíquias e delicadezas da livraria El Siglo, o maior sebo da Espanha (Susana Bragatto / Folhapress)
Avec Carmen Miranda à la española (Susana Bragatto / Folhapress)

Este é o El Siglo (O Século), o maior sebo da Espanha, um mundo fabuloso e complexo entocado num galpão dentro do Mercantic, famoso mercado de antiguidades e artigos lokos de segunda mão no município de Sant Cugat, a meia hora de Barcelona.

A livraria ostenta esse título desde 2013, quando incorporou os 100 mil exemplares de outro templo sebístico de Barcelona, o La Canuda, que funcionava desde 1948 no centro perto da Plaza Catalunya e fechou as portas pra dar lugar a alguma super loja de fast fashion das que hoje abundam por ali.

Hoje, o El Siglo possui em torno de 150 mil livros, revistas e documentos distribuídos em 800 metros quadrados. É lugar pra chegar, se perder por horas e emergir com algum livrinho barato (ou não) na mão.

Adentro o hall principal, onde há um bar e o burburinho de uma discreta massa, num domingo de sol de final de agosto. Tô emocionada.

Não só pela impressionante abundância de volumes e lustres de cristal, que dão ao local um arzim épico-charmoso de templo-dos-traça-lovers. Mas, principalmente, porque é dia de música ao vivo.

Um dos palcos dentro da livraria El Siglo, o maior sebo da Espanha (Susana Bragatto / Folhapress)
Ursinho Puff também é cultura (Susana Bragatto / Folhapress)

Minha primeira vez em muito, muito tempo.

Os indícios de uma pandemia ainda rondam aqui e ali: vemos gente mascarada, álcool em gel e mesinhas distantes umas das outras. Mas, de resto, a experiência é mansa y dulce.

A música ao vivo tem voltado aos poucos em alguns lugares. Ainda não muito.

Encontramos um cantinho pra sentar, equilibrando no colo vermutes e vinhos verdejo. Nesse salão principal, num palco maior que o mencionado acima, um duo de baixo acústico e piano começa a produzir as primeiras notas de um standard de jazz desses que a gente cantarola e não lembra de onde conhece.

Depois, entra a cantora: uma catalã entoando chansons francesas. Ne me quitte paaaaaaas, e a gente vai balançando ao ritmo dessa súplica poética, tentando esquecer por um momento que, apesar de 70,9% da população imunizada após 8 meses de campanha de vacinação, ainda temos alguns milhares de casos novos de Covid no país diariamente; e empurrando pro fundo do intestinus delgadus os alertas dos tais Especialistas Epidemiologistas, que vêm nos dizendo: cuidado que pode vir mais, cuidado que tem o frio chegando, cuidado que a vacina não funciona assim tão bem com as novas variantes.

Concerto na livraria El Siglo, o maior sebo da Espanha, agosto de 2021. Saca esse público comportadim, que fofo 😉 (Susana Bragatto / Folhapress)
The Spanish way em El Siglo (Susana Bragatto / Folhapress)
Livraria El Siglo, o maior sebo da Espanha, agosto de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)
Vai um livriño aí? (Susana Bragatto / Folhapress)
Palco principal da livraria El Siglo, o maior sebo da Espanha, agosto de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

Hoje não, por favor. Termino meu verdejo, o último de muitos. Tout peut s’oubliee–eeeeer lalalala.

Debaixo do braço, trupicando, mas ainda em pé, levamos uma edição marota setentista de Leaves of Grass, de Walt Whitman. Pra não sair de mãos abanando, pra arrematar a visita com uma mesura a esse belo lugar, pra declamar em voz alta, detrás de uma máscara cirúrgica 2021, num canto alumiado de algum aposento da alma cansada, I celebrate myself, and sing myself….

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O diabo, a nuvem e alguma lágrima https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/08/20/o-diabo-a-nuvem-e-alguma-lagrima/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/08/20/o-diabo-a-nuvem-e-alguma-lagrima/#respond Fri, 20 Aug 2021 22:04:05 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/20210815_211259-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=962 O que nuvens de celofane, diabos soltando fogo e sistemas planetários têm em comum?

Se cê chutou Carnaval, quase.

(eu chutaria Terry Gilliam, mas é que eu sou romântica)

Aqui na Espanha, o Carnaval não é assim Aqueeeela Data Do Corazón como pra gente aí no Brazel. As exceções honrosas talvez sejam os carnavais de Tenerife ou Cádiz, internacionalmente conhecidos.

Apesar disso, a verdade verdadeira é que, na percepção parcial, mas consistente dessa imigrante que vos fala, os espanhóis são uns party animals. Nunca vi tanta festa de rua como aqui.

O calendário anual de festas populares inclui centenas delas, entre grandes, pequenas e minúsculas. Em parte, motivadas pelo profundo histórico religioso-cristão do país, com homenagem a santo, data bíblica e tal.

Mas tem pra tudo: festa pra abrir primavera, pra fechar o verão, pra homenagear o patrono da cidade, pra festejar a colheita de cogumelos (os de comer no strogonoff, gente), pra fazer guerra de tomate (a famosa Tomatina, em Valência) e por aí vai.

Festa da Tomatina, Buñol, Espanha (Reuters / Juan Medina)

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A pandemia, claro, afetou o ritmo de fiesta español costumeiro. Em 2020, tudo cancelado.

Este ano, em agosto, finalmente começam a ressurgir algumas celebrações aqui e ali, embora dependa muito da localidade –Madri, por exemplo, suspendeu por ora as principais festas populares do mês, por cautela covidiana.

Carnaval da ilha de Tenerife, Espanha. Parece um bokado com o nosso (AFP PHOTO / Desiree Martin)

Em Barcelona, a grande festa popular de agosto acontece esta semana até o próximo sábado (21), depois de uma última edição pandêmica completamente virtual (aka: não aconteceu) em 2020.

É a “Festa Major” (festa maior) do catalaníssimo bairro de Gràcia.

Onde, por cierto, eu vi o diabo, a nuvem, o arco-íris e muito mais.

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As festas maiores são um clássico espanhol. Acontecem em diversas partes do país ao longo do ano. Cada bairro, distrito ou município pode ter a sua, com dinâmica e peculiaridades próprias. Algumas tradições remontam pelo menos à Idade Média.

Festa maior de Gràcia, 1915 (Reprodução)

E o marr legal: quase sempre, os próprios moradores e negócios locais participam da organização, decorando ruas e organizando pequenos concertos (concertos, que era isso mesmo?) e “barras” (balcões de bar) para servir drinques e “tapas”.

Em Barcelona, com seus 10 distritos e 73 bairros, há cerca de 20 festas maiores ao longo do ano. A mais famosa é, sem dúvida, a de Gràcia, celebrada há mais de 200 anos.
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Passear pela festa de Gràcia 2021 é assim meio mágico. Digo yo.

Ainda mais este ano, em que ressurge com gostinho de fênix.

Festa Maior de Gràcia, Barcelona, 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

Festa Maior de Gràcia, Barcelona, 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

Há algo singelo e comovente nas decorações temáticas com celofane e papel machê penduradas entre os balcões, sobre os postes de luz, enlaçadas em persianas e fios de eletricidade.

Algumas me lembram trabalho de aula de arte da escola.

Outras parecem aventuras protospielberguianas.

Mas a maioria fica no meio do caminho entre o esmero de mãos não necessariamente expertas, mas amorosas. O resultado é um conjunto vistoso, que nos brinda aos críticos-malas-que-não-metem-a-mão-na-massa como eu com um espetáculo imersivo mezzo alucinatório, mezzo poético.

Em meio ao caos das ruas festivas, os locais montam mesas na rua e celebram o esforço (às vezes, de meses) com um banquete pra eles mesmos e amigos. Quero chegar a ser uma insider assim um dia. Hay que vivir en Gràcia.

Festa Maior de Gràcia, Barcelona, 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

Festa Maior de Gràcia, Barcelona, 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

Cada rua tem uma onda diferente. Uma lata de tinta que vomita mil cores sobre nossas cabeças; planetas e meteoros banhados por luzes sci-fi; intermináveis guirlandas de flores, polvos, dragões.
Depois que termina a festa, qualquer um pode bater na porta da associação da rua e pedir um pedacinho da decoração de lembrança.

Minha amiga catalã já tinha escolhido o que queria pedir: uma longa trança de flores e folhas de papel.

***

Lembro da minha primeira festa maior de Gràcia, nos idos de 2000 e algo. Não dava pra andar na rua de tanta gente. E mal se via a decoração, de tantos turistas bêbados alçando canecas de cerveja. Terminei a noite banhada em cerveja, e olha que eu nem curto cerveja, chaval.

Também mal ouvia a música com tanto alarido de gentecontente.

A única experiência da minha vida que se compara a essa badalada festa de bairro pré-pandemia é o carnaval de Olinda, quando, uma vez, eu fui carregada pelo movimento autônomo da multidão enquanto por sinal chupava um sorvete de cajá (proezas pessoais, falemos delas).

Ah, Brazel.

É legal, mas, neste momento pós-pandemia, tá diferente.

Este ano, em Gràcia, teve fila indiana pra entrar em cada uma das ruas decoradas. Está mais organizado, mais contido. Mas, ainda assim, bunito.

Porque festa popular, gente, é pra mim mais do que um banho de cerveja e uns boffs ou um passeio em família. Mais do que nunca, nesses tempos demasiado surreais, talvez ofereçam também uma oportunidade de conjurar aquela lágrima há tanto guardada no canto do olho, inspirada pela sensação indescritível, mas quentinha e confraternizadora, de pertencer ao jogo do mundo, ao tempo dos ventos, ao balouçar dos crepons.

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Minha parede, minhas regras https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/07/23/minha-parede-minhas-regras/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/07/23/minha-parede-minhas-regras/#respond Fri, 23 Jul 2021 15:00:38 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/1626804288022-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=899 Na minha fantasia, os moineau, sabiás típicos daquela região da França, bateram em revoada com o entardecer e os gritos que saíam do trem.

“Senhora, o uso da máscara é obrigatório… coloque-a, sivuplê”, comecei, em inglês.

A senhora em questão, magra e francamente emaciada, os óculos de lentes grossas pendurados na ponta do nariz, levava uma máscara cirúrgica naquela já clássica posição kama sútrica transgressora debaixo do queixo. Não só: tossia, tossia muito, tossia como a maníaca assassina do catarro, e finalmente tossiu na minha cara, sentada a seu lado.

“Je tuss, je tuss”, protestou ela, sem levantar a máscara (perdoem meu francês, literalmente), tossindo ainda mais. E se recusou a botar a máscara. Até onde entendi, exatamente porque ela tava tossindo. Eeer.. wot.

Poupo vocês de mais detalhes. Digamos que a coisa escalou rápido, de je tusse, je tusse para tossir e protestar ainda mais, “cê num manda em mim”, e eu levantar minha voz, evocando ideias antiquadas e bregas como respeito, solidariedade e pandemia. Santa ignorância dessa desgraçada alma, sentada debaixo de um adesivo gigante que sublinhava a obrigatoriedade da máscara no trem. Je tusse, je tusse. Mandei ela à merda e mudei de vagão.

… Só pra ver a fiscal do trem atender o telefone e, ora, brulée brulée, tirar a máscara pra conversar alegremente.

Esta era minha primeira viagem em transporte público terrestre desde que começou a pandemia, quase um ano e meio atrás. Objetivo: visitar meu irmão, que vive perto de Toulouse, França. Na mão, meu certificado Covid, documento europeu internacional que atesta que completei o protocolo de vacinação e estou portanto apta a cruzar fronteiras dentro da União Europeia.

No ônibus, horas antes de pegar o trem entre Toulouse o pequeno povoado de Cazères, já havia tido outras oportunidades de me indignar.

A francesa do banco de trás do meu civilizadamente botou a máscara quando eu educadamente lhe pedi. Me comovi, quase tive vontade de abraçá-la.

O cara mais atrás com a napa de fora, provavelmente porque se sente a última paella da Barceloneta e dane-se essa mina krakatoa pensando que pode mandar num macho, fez que não ouviu e botou cara blasé de desprezo.

Verdade: é chato, irritante e embaraçoso demais alguém mandar a gente colocar a máscara; tão pensando que somos crianças malcriadas colando ranho debaixo da carteira na escola?

(Siiiiiiim)

Finalmente, numa parada da longa viagem de 6 horas, eu me deparei com fulanes comendo tranquilamente dentro do ônibus. Migalhas pra todo lado. Aqui, como aí e alhures, está proibido comer, falar e qualquer outro gesto que implique tirar a máscara dentro de um transporte público.

Meu olhar se encontrou com o de um menina que, por sua vez, parou com o croissant na boca, talvez esperando algum confronto. A essa altura, todo mundo no ônibus já me conhecia, porque no início da viagem eu tinha me levantado pra ajudar o simpático y desiludido motorista búlgaro a explicar aos passageiros que a máscara é obrigatória, CARAYO. Cansada, desta vez não disse nada. Que eu seja a mala da história, a estraga-prazeres, a “pesada”. Sô mesmo. Mas —

Conto essa história pra ilustrar a falta de cooperação que, sim, a gente pode encontrar em qualquer lugar. Porque brasileiro tem mania de pensar que europeu é superior, educado, exemplar. Hay de todo.

Ultimamente, ando especialmente pasmada por meus papos com franceses sortidos. É algo comum entre estes a ideia de que a pandemia é uma conspiração do governo pra controlar corpos e mentes. E já escutei de mais de um, explicando por que se recusa a tomar a vacina: “meu corpo, minhas regras”.

Próxima vez eu vou de blablacar. Ou fico sem ver meu irmão mais uns 2 anos, olhando a parede de casa e pensando: minha parede, minhas regras.

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O que de verdade importa https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/07/02/o-que-de-verdade-importa/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/07/02/o-que-de-verdade-importa/#respond Fri, 02 Jul 2021 12:16:41 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/vacinacao-julho21-barcelona-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=847 Hoje foi dia de vacina, bebê.

Com essa dose única da Pfizer, eu já posso pegar o meu “passaporte Covid”, aka certificado digital europeu, que me permite circular livremente dentro da União Europeia.

Na Espanha, os que passamos por Covid tomamos somente uma dose da vacina de mRNA (no meu caso, a Pfizer), e não duas, já que estudos internacionais indicam que a vantagem de um segundo shot para o desenvolvimento de anticorpos é desprezível.

Seria interessante que aí no Brazel liberassem também umas vacinas com este protocolo, não?

E, falando em Brazelzelzel: nesta última quinta (1), mesmo dia em que entrou em vigor o certificado digital na Europa, a Espanha anunciou que brasileiros seguirão sem poder entrar no país por mais um tempo.

Até pelo menos o próximo dia 20 de julho, brasileiros sem residência ou passaporte espanhol não poderão pisar no país, a não ser no eventual caso de escalas, e sem deixar o aeroporto.

“E quem tem família na Espanha, pode?”, me perguntou uma amiga brazilêra querida ontem.

Nananinaaam. Até segunda ordem, só entram na Espanha os brasileiros que possuam residência ou passaporte espanhol.

E mesmo estes deverão apresentar um dos seguintes documentos: certificado de vacinação completo, teste negativo de Covid realizado até 48 horas antes da chegada na Espanha ou prova de que passou por Covid e se recuperou.

Bom, até aqui vai o Momento Serviço dessa coluna. Agora vou soltar o meu deixadeixadeeeeixaeudizeroquepensodessavidaprecisodemaisdesabafar (copyright de Claudia, Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza) do meu bunker d’além mar.

***

Levamos uma semana sem a obrigatoriedade da máscara nas ruas na Espanha. Depois de um (longo as hell) ano com caras escondidas, liberdade. Emoción.

No último sábado (26), primeiro dia da liberdade mascarística, saí de casa comovida, hesitante, vulnerável. Cêis me entendem.

Como há muito não fazia, examinei meu rosto nu no espelho do elevador (por falar nisso: tristes, essas luzes implacáveis de cirurgia de elevador, a gente sai de casa querendo se sentir bafo e topa consigo em versão rã dissecada –mudaí, Schindler, pelo bem da nossa autoestima).

E pensei dois pensamentos:

Envelheci muito este último ano, e só não havia notado tanto porque frequentemente uma máscara tapava o inexorável.

E essa máscara fppp2p32 X 1 ano me deixou de legado umas p*** marcas nas minhas bochechas, que já não são pequenas.

Saindo pra rua depois desse breve solilóquio de elevador (e me sentindo agora não só vulnerável, mas meio deprê, pensando em botox e outros paranauês), caminhei com medinho. Sem exagero. Sorvendo o ar fresco da manhã de sol numa vibe meio esquisita, vagamente criminosa.

Até que, movida por uma ansiedade incontrolável, não aguentei, gente: com o corazón aos pulos, me sentindo bem loka, arranquei a máscara azul do bolso e levei-a ao rosto, como se fosse o oxigênio do Dennis Hopper em Veludo Azul. Respirei aliviada o bafo quentinho protetor daquele material cirúrgico sobre a minha boca. Quem diria.

Mais calma, me dei conta de um curioso, hmm, comportamento de rebanho ao meu redor: ao contrário do que eu imaginava, e pelo menos aqui em Barcelona, muita gente optou por seguir usando a máscara na rua nesses primeiros dias, sobretudo idosos –justamente a população que está praticamente l00% imunizada.

Suponho que muitos optam (optamos, porque eu venho fazendo o mesmo) por andar na rua com a máscara a postos naquela já clássica posição slack preferida — debaixo do queixo. Caminhamos algo mais livres, mas preparados para o momento de nos meter em bares, supermercados ou transporte público, onde ainda é obrigatório usar a dita.

Ou será que o puro fenômeno Apego à Máscara (ou Fobia do Ar Livre, ainda não encontrei uma expressão adequada –alguém aí tem uma ideia?) não é só comigo?

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Com o vai-não-vai na redução de casos na Europa, o verão chegou no último dia 21 de junho –mas sem a usual massa de turistas estrangeiros loucos pra currrrrtir Barcelowna.

Isso, combinado com o fato de que o barcelonês costuma se mandar da cidade em julho e agosto por causa das férias, gerou uma cidade turística fantasma, pela qual venho passeando esses dias entre assombrada, refestelada e — again –algo deprê.

É, deprê. Acabou A Grande Ameaça, so they say, mas restam agora vários pequenos pipocos no aire. A crise. As portas fechadas para-siempre de muitos negócios.

E uma sensação (completamente pessoal) que não me deixa nos últimos dias: de que Barcelona, a cidade Condal, estrela-mor do segundo país mais visitado do mundo, perdeu no último ano um pouco de seu glamour, seu verniz de destino fantasia, onde as gentes vêm pra comer paella, tirar uns selfies emoldurados pelo entardecer flamingo do Mediterrâneo ou conseguir boffs em apepês.

Algo semelhante a quando acendem a luz depois da balada e você se depara com a sujeira da pista de dança, os bêbados e tua cara no espelho do bar, maquiagem toda borrada, as rugas gritando sob o chiaroscuro cruel das lâmpadas LED. É, filha. O tempo passa, as rugas se somam, a vida segue. Vida real, parte da vida, o que de verdade importe.

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O primeiro verão europeu do resto de nossas vidas (ou não) https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/06/18/o-primeiro-verao-europeu-do-resto-de-nossas-vidas-ou-nao/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/06/18/o-primeiro-verao-europeu-do-resto-de-nossas-vidas-ou-nao/#respond Fri, 18 Jun 2021 16:18:39 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/ibiza-seaside-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=802 Barcelona, sexta-feira de calor de 2021.

Neste exato momento, o vizinho desgraçado escuta “reguetón” no talo, enquanto cantarola (muy mal) como se estivesse rebolando com mil bundas dentro do meu crânio. Resignada, aproximo o ventilador da minha fuça, escutando música pra concentração e fantasiando que jogo five finger fillet* com a faquinha de cortar verdura enquanto rilho os dentes, rancorosa.

Já venho de uma véspera maldormida. Ontem à noite, xovens se reuniram na praça diante de casa até altas horas pra fazer “botellón” (como se chamam aqui as festinhas de rua improvisadas regadas a álcool e sei lá mais quê), e tome mais putz putz modernim estriquinado.

Nessas horas, sempre viro pro meu companheiro de apartamento e digo: “pega a escopeta do vô”.

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Parecem cenas prosaicas, mas nada é exatamente prosaico na Barcelona pós-pandemia, aka Cidade Condal Em Polvorosa Porque É Quase Verão, Bebê.

Pra começar, o clima festivo de pós-pandemia.

O verão europeu começa oficialmente na semana que vem, em 21 de junho, mas os españoles e respectivas províncias já levam pelo menos duas semanas esquentando os motores –demasiado, na modesta opinião dessa brasileña suando em bicas num apê veraniego em Barcelona. É possível sentir isso na esquina, nas notícias e nos vizinhos.

Mesmo com as restrições à vinda de ingleses y outros ou os reveses devido à tal variante Delta Beta Gama, atualmente em expansão na Espanha, a vacinação massiva, apoiada pela propaganda positiva do governo, vem untando o clima de alegria-alegria-já-ganhou.

Até agora, mais de metade da população acima de 16 anos recebeu pelo menos uma dose (e 32%, a pauta completa). A expectativa é ter 70% dos espanhóis completamente imunizados até o fim do verão. A campanha avança por contagem regressiva de faixas de idade –neste momento, o alvo é o coletivo de 40 a 59 anos.

Praça no centro histórico de Tarragona, cidade turística da costa mediterrânea, junho de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

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Desde o fim do estado de emergência no último dia 9 de maio, e de olho não só nas férias de verão, mas também na reabertura turística internacional, as províncias espanholas vêm, pouco a pouco, flexibilizando as regras para a diversão coletiva.

Andaluzia, no sul da Espanha, foi das primeiras a reabrir as discotecas, depois de um ano de portas fechadas. Em todas, lotação controlada e pistas de dança abertas somente em espaços exteriores, com uso obrigatório de máscara.

Já na icônica e já-abarrotada-de-turistas Ibiza e demais ilhas Baleares, a redenção do ócio noturno dá um passo importante neste sábado (18), com a abertura de cafés, bares e restaurantes até as 2h da manhã. Único porém: ainda não se pode dançar (!) –o que, considerando que estamos falando de uma meca da vida clubbística, indica que a normalidade ainda não tá assim tão normal.

Letreiros em uma loja em Ibiza, Espanha (Reprodução)

Sigo no instagram a conta de uma popular loja de roupa ibicenca. Situada na capital Eivissa, numa das ruas mais movimentadas de Dalt Vila (a parte histórica, circunscrita por muralhas que datam do século 16), está rodeada de um mar de restaurantes e bares. Ultimamente, cada “story” diante da loja me lembra o Carnaval de Olinda onde, uma vez, fui alçada do solo e levada passivamente pela multidão ondulante, de tanta apinhação de gentes.

Ao entardecer, os transeuntes ademais se juntam numa ceninha tipo êxtase: levantam-se das mesas com suas roupas brancas, à moda ibicenca, e começam a bailar, gritar, bater copo e fazer tim tim. Tal é a alegria incontrolável do europeu bronzeado neste verão 2021.

O previsível efeito manada, efeito catarse, efeito f***-se, parece, está em toda parte. Nas praias de Barcelona, pouco a pouco volta a ser difícil encontrar lugar na areia –por um egoísta e irreal momento, tive esperanças de que poderíamos ter deixado isso em 2019.

Mais preocupante de tudo: as línguas escutadas ainda são predominantemente locais. Isso significa, ladders and changemen, que muitos turistas “guiris” (estrangeiros) ainda estão pra chegar e se somar à procissão que busca um lugar ao sol, eu incluída.

O vizinho silenciou. Espero que tenha morrido. Não: espero que tenha se conscientizado de que somos todos um e que, mesmo com verão e vacina, respeito mútuo, solidariedade e cautela diante da incerteza-sobre-o-que-virá ainda são um item. Ai, que saudade de algum inverno longínquo…

 

* nada de apologia a faquinhas ou facões aqui, e muito menos à automutilação. Dedos e vizinhos não foram feridos na confecção deste artigo

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Com o fim do estado de emergência espanhol, aumenta contágio entre jovens https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/05/28/com-o-fim-do-estado-de-emergencia-espanhol-aumenta-contagio-entre-jovens/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/05/28/com-o-fim-do-estado-de-emergencia-espanhol-aumenta-contagio-entre-jovens/#respond Fri, 28 May 2021 18:58:58 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/javalis-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=770 O aumento de interações sociais após o fim do estado de emergência espanhol, suspendido no último dia 9 de maio, pode estar freando a melhora dos índices relacionados à pandemia no país.

Em Barcelona, por exemplo, nas últimas duas semanas vem se observando um leve aumento de contágios sobretudo entre a população na faixa dos 15 a 29 anos.

Os jovens atualmente lideram o ranking local de incidência acumulada, com 153,7 casos por 100 mil habitantes.

Em seguida vêm os de 30 a 49 anos, com 134 casos por 100 mil.

A última média nacional divulgada nesta quinta (27) é de 125 casos por 100 mil habitantes.

Os únicos que se salvam (literalmente) nessa história são os maiores de 80, já completamente vacinados: 30 casos por 100 mil habitantes.

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Não me admira essa tendência de aumento de casos entre os jovens, considerando os numerosos “botellones” ou festas de rua dos últimos dias em Barcelona.

Pra completar o bololô molotoviano, vivo em uma cidade-alvo de turistas e intercâmbios como o programa Erasmus, que a cada ano traz uma média de 50 mil estudantes europeus para estudar ou realizar estágios supervisionados na Espanha. Essa quantidade é superior à que recebe qualquer outro país da comunidade europeia.

Por aqui, circulam cada vez mais imagens mostrando xovens sem máscara e muy borrachos (bêbados) forrando praias, parques e ruas como se celebrassem a libertação do apocalipse. Perturbador, se a gente contrastar com a vida pandêmica relativamente espartana de até pouquíssimas semanas atrás.

Mais contágio entre jovens em geral não se traduz em aumento no número de hospitalizações. O problema, dizem os epidemiologistas, é que a rápida taxa de alastramento do vírus entre essa população pode favorecer o fortalecimento de novas variantes, por exemplo. Além disso, o sistema de saúde sofre tendo que atender os pamonha inconsequentes (perdonad mi French).

Em um vídeo gravado por um canal de TV espanhol nas ruas do bairro do Born, no centro histórico de Barcelona, policiais passeando por uma multidão alegre avisam aqui e ali que “é proibido consumir álcool na via pública” e que é necessário botar a máscara. A vibe é de nem-tchum. Mais de 3.500 pessoas foram enxotadas do centro naquela noite. Uma entrevistada argumenta: se as pessoas se reúnem no metrô, então na rua também pode, né?

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Espanha encerra estado de emergência e entra em fase de ‘reabertura’ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/05/07/espanha-encerra-estado-de-emergencia-e-entra-em-fase-de-reabertura/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/05/07/espanha-encerra-estado-de-emergencia-e-entra-em-fase-de-reabertura/#respond Fri, 07 May 2021 21:09:37 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/Aniol-Yauci-freedom2-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=737 Hoje é um daqueles dias.

A cabeça longe, pensando em perdas e notícias ruins de queridos próximos e não tão próximos. Covid, não-Covid, além-de-explicações, como a vida mesma.

Meus olhos loopam 180479 vezes a leitura da mesma frase de um artigo, minhas janelas do browser vão se multiplicando em caóticas distrações asmr-culinárias-musicais.

Uma delas: a receita de uma clássica sobremesa espanhola, la leche frita (leite frito), típica da época de Quaresma. Comida de abuela (vó), dessas que levam tudo o que revistas tipo Sapien’s Health condenariam. Vejo que existem versões da receita em português também –claro, Brazel é terra de tod@s, conjuração imigratória pancosmogônica etc etc.

Quando eu conto aqui que minha mãe japa prepara bacalhau à gomes de sá com sushi e pernil pra ceia de Natal, o povo acha exótico.

Exóticos são os españoles que fritam cubos de leite e chamam presunto de comida saudável (pondero eu, enquanto escuto “Love Action”, do Human League, e tento me concentrar pra escrever essas tiritantes linhas num café ruidoso na esquina de casa).

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Este próximo domingo (9) será especial para a Espanha. Não pelas mães, como aí (o dia das mães, aqui, é celebrado no primeiro domingo de maio).

A partir da meia-noite deste próximo sábado pro domingo, deixa de valer o estado de emergência que vem regendo nossa vida pandêmica há mais de um ano.

Com isso, a princípio, são levantadas as restrições de mobilidade (entre comarcas, áreas, estados) e o toque de recolher entre 22h e 6h, com ligeiras variações conforme a província.

A partir de agora, dependerá dos governos regionais e tribunais de justiça superiores a aprovação e regulamentação de medidas como as supracitadas, além de outras que estiveram vigentes por meses, como, por exemplo, a limitação de reuniões no âmbito privado (aka, por exemplo, festinhas particulares –estas, agora, só poderão ser limitadas por recomendações, já que, sem o estado de emergência, não se pode multar mais esse tipo de idiotice pandêmica).

Os casos de Covid na Espanha vêm apresentando uma tendência de queda nos últimos dois meses, mas o país ainda se encontra em uma situação de alto risco, com uma incidência acumulada de 198 casos por 100 mil habitantes (no final de janeiro, estávamos em quase 800 casos por 100 mil).

Madri, atualmente com 317 casos por 100 mil habitantes e 42,7% das UTIs ocupadas com pacientes de Covid (77,49% de ocupação total), é uma das comunidades mais críticas. A partir do domingo, suspenderá o toque de recolher e permitirá o funcionamento de bares e restaurantes até a meia-noite. Aye, meus sais.

Por outro lado, as ilhas Baleares, que incluem Ibiza e Mallorca, dois super destinos do turismo internacional no verão, conseguiram aprovar a manutenção do toque de recolher entre 23h e 6h.

Já a Catalunha (266 casos por 100 mil, 34,79% das UTIs ocupadas com pacientes de Covid e 77,04% de ocupação total) eliminará o toque de recolher a partir da noite de sábado, mantendo a recomendação de até 6 pessoas para reuniões privadas. Bares e restaurantes poderão funcionar até as 23h.

O governo local está preparando uma operação policial semelhante à de uma véspera de ano novo para a noite do sábado para dissipar aglomerações. Boa sorte, gente.

Com a suspensão do confinamento perimetral, também poderemos, finalmente, sair do território. Amigos já estão planejando viagens, e eu gostaria de sair fora também. Mas calma lá, povis: como protocolarmente avisou o diretor do Centro de Coordenação de Alertas e Emergências Sanitárias, Fernando Simón, “o fim do estado de emergência não significa o fim das medidas de controle”.

O País Basco, uma das comunidades espanholas com maior índice de contágios (463 por 100 mil), ainda não conseguiu aprovar a prorrogação das medidas restritivas, o que significa que, a partir de domingo, poderá ser um salve-se quem puder (em euskara, Bere man guztietaaaaan!).

Eis um problema da descentralização das políticas sanitárias frente à pandemia: começa-se a desenhar um super patchwork de incongruências no país, à mercê da mentalidade lollycrazy de cada juiz-papelômano-man.

Em parte, há uma confiança na vacinação, que se acelerou no último mês. Até agora, 12,6% da população recebeu as duas doses (contando os que só receberam uma dose, temos até agora 28% vacinados), e mais de 500 mil pessoas foram vacinadas nas últimas 24 horas. O objetivo do governo é chegar a 70% até o fim do verão.

Desde o início da pandemia, a Espanha registrou 3,56 milhões de casos de coronavírus e quase 79 mil mortes.

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Eu sei lá. Meu pensamento vagueia nuevamente. Penso nos idos-de-aqui, onde estarão? Façamos uma leche frita em homenagem a eles. E à vida. Deixo aqui uma receita com a dulce Dona Dirce, cuja lasanha de berinjela de panela eu já provei fazer também e é uma delícia. Abraços a todos aí, enviados no lombo-cangote dos golfiños transoceânicos de Barcelona, e cuidem-se mucho.

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Não há dia como hoje https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/04/30/nao-ha-dia-como-hoje/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/04/30/nao-ha-dia-como-hoje/#respond Fri, 30 Apr 2021 17:38:09 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/lua-é-pra-lá-que-eu-vou-arte-de-aniol-yauci-1-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=729 “Menina, aqui tem paciente dando positivo em PCR há mais de dois meses!”

Lá vou eu de novo com minhas modestas pílulas do front hospitalar. Microprivilégios (hhhmmmm errrr hããã) de quem é paciente crônica e tem que fazer revisões periódicas. Hoje tem exame de sangue no cardápio.

A enfermeira, jovem y corada, talvez de tanta atividade seringuística, já que são 2 da tarde, extrai o fluido borgonha de minhas veias raladas de tanta furação enquanto me conta.

“A gente tem visto com alguma frequência, isso de dar positivo repetidas vezes”, diz. “Coitados dos idosos que estão na fila de cirurgias, tendo que voltar aqui a cada dois por três, sem poder ser operados!”

“A cada dos por tres”: expressão espanhola equivalente ao nosso “”vira e mexe”; frequentemente.

De fato, o saguão está dominado por velhiños esperando sua vez para tomar aquela enfiada gostosa de cotonete nas narinas.

A relativa placidez do primeiro andar dá lugar no térreo do hospital a uma balbúrdia amarelo-e-vermelha com bandeiras mezzo catalãsq, mezzo sindicais. Pequena aglomeração diante da entrada de emergências.

Um médico que observa à distância, como eu, aproxima-se e comenta: são o pessoal da limpeza. Estão protestando há mais de ano por haver sido excluídos da gratificação extra que só os da saúde receberam durante a pandemia.

“Se eles se arriscam tanto quanto nós!” –abre os braços, indignado. “Trabalharam dobrado, como nós. Cada vez que a gente termina com um paciente, entram eles em ação. Com proteção e tudo, mas, mesmo assim…” –deixa a frase no ar. Não precisa completar, yo entiendo. “A ajuda seria de uns 300 euros, o que não é muito, mas, pra eles, sim”, acrescenta.

Faço um cálculo mental: amigo, onde é que 300 euros é pouco? Quase 2 mil reais. Yo soy brasileña, amigow.

Manifestação diante do hospital Sant Pau, um dos mais importantes de Barcelona, abril de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

O cartaz principal da petite manifestação denuncia a “invisibilidade” do coletivo dedicado a deixar os hospitais, corredores e salas de cirurgia limpos, esterilizados, prontos para novas curas.

Vamos a veire, é óbvio: se se tratasse de um protesto de médicxs e enfermeirxs, apareceria imprensa sapeando, replicando, botando manchete. Mas não. Nessa sexta nublada em Barcelona, só eu, de sobretudo vermelho e mirada cansada, escrevendo uma discreta coluna pra um jornal d’além mar.

Irritada, uma jovem manifestante me explica: não só não receberam a tal gratificação como não têm o amparo da Seguridade Social em caso de positivo pra coronavírus –ao contrário dos profissionais de saúde, para os quais uma licença por Covid é considerada acidente de trabalho.

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A Espanha se prepara para o 9 de maio, quando se prevê o fim do estado de emergência, em vigor desde março passado, quando eclodiu a pandemia. Restaurantes, por exemplo, poderão ficar abertos até as 23h. Em teoria, deixaria de existir também o toque de recolher (no caso da Catalunha, entre 22h e 6h) em vigor há meio ano.

Mas o governo da Catalunha já pensa em deixar na manga um decreto-lei que manteria o tal com alguma flexibilização, deixando-nos perambular livres até as 23h ou 24h.

Embora os gráficos covidianos estejam dando sinais de melhora (pouco mais de 9.000 casos e 136 mortes em todo o país nas últimas 24 horas) e a vacinação tenha se acelerado no último mês (até agora, com 10% da população vacinada com as duas doses), a Espanha já levou chulepada do destino vezes demais pra sair liberando tudo sin más.

É verdade, porém, que se avizinha junho, O Clássico Mês Em Que Começam A Chegar Os Turistas Pra Curtir O VerãoZão Español. Veículos de imprensa britânicos já festejam a reabertura de fronteiras anunciada pelo governo espanhol (com 8415879 PCRs e ressalvas), e as reservas de hotéis já tão uma doideira.

Lembro dos tempos não-saudosos em que “guiris” (estrangeiros) embriagados não nos deixavam dormir com suas festas em apartamentos alugados, ou lotavam tanto as atrações culturais e históricas de Barcelona que nós, moradores, desistíamos de tentar nossa vez, acabrunhados com tanta avidez. Será um longo e curioso verano…

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