Normalitas https://normalitas.blogfolha.uol.com.br Espanholices, maravilhas do ordinário, brotos de brócolis Sat, 04 Dec 2021 00:01:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Com surto entre jovens, Espanha suspende obrigatoriedade da máscara nas ruas https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/06/25/com-surto-entre-jovens-espanha-suspende-obrigatoriedade-da-mascara-nas-ruas/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/06/25/com-surto-entre-jovens-espanha-suspende-obrigatoriedade-da-mascara-nas-ruas/#respond Fri, 25 Jun 2021 13:28:35 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/barcelona-festa-aftermath-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=821 A partir deste sábado 26, deixa de ser obrigatório o uso de máscara nas ruas na Espanha. A medida entrou em vigor em junho de 2020, há exatamente um ano. Ainda será preciso usá-la em ambientes fechados e aglomerações onde não seja possível manter a distância de 1,5 metros entre os circunstantes.

A medida chega num momento em que a vacinação nacional atinge recordes –dentro de alguns dias, o país receberá 6 milhões de doses, uma quantia inédita –e as mortes por Covid caem rotundamente (na Catalunha, nas últimas 24 horas, por exemplo, registrou-se um único falecimento).

Seria um sinal dos tempos, ou melhor, do fim da pandemia? Nononono, como diria a Amy CasadeVinho.

Talvez como artifício do destino pra nos lembrar que é preciso caminhar nessa vida pós-covídica com cuidado, um recente surto de coronavírus entre jovens espanhóis tem contrastado com as notícias ‘celebratórias’ vacinísticas.

Até agora, foram identificados cerca de 400 casos positivos e isoladas por volta de 2 mil pessoas. Tudo por causa de uma série de viagens de fim de curso (equivalente ao fim do Ensino Médio no Brasil) entre 12 e 20 de junho à ilha balear-turística de Mallorca, onde a molecada de umas 30 escolas espanholas botou para quebraire em festinhas.

Fila para teste PCR em clínica de Barcelona, junho de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

Ou, como define a diretora geral de Saúde Pública da Comunidade de Madri, Elena Andradas, em “um programa de atividades, com festivais, bastante intenso”.

***

Eu ainda estou esperando a minha vacina. Passei por Covid há exatamente um ano, em junho de 2020, e me convocaram pra tomar uma dose no último dia 22 –mas não deu certo.

Nesse dia, cheguei no centro cívico adaptado pra campanha de vacinação e me encaminharam para um amplo salão decorado com cordões de frufrus brilhantes e um globo de espelhos pendendo do teto.

Só não parecia que ia rolar um baile da terceira idade porque, em lugar de banda e pista de dança, havia cadeiras dispostas segundo as distâncias mínimas de segurança e mesas onde enfermeiros manipulavam caixas de injeções.

Do lado oposto de onde sentei, seres humanos com caras de poucos amigos seguravam o braço e olhavam o vazio –é preciso estar sob vigilância por 15 minutos antes de ser liberado, pro caso de haver alguma reação à vacina.

Chega a minha vez. A enfermeira, sem me olhar na cara, pergunta se tive Covid. Me surpreendo. “Sim, faz mais de um ano”, atenuo. Ela finalmente ergue seus olhos verde-vítreos-ausentes-cansados pra me dizer: “então não pode tomar esta vacina da Janssen. Tem que ser a da Pfizer”.

Ora, se o sistema de saúde controla tudo de nossas vidas covídicas, por que não cruzou dados pra me dar a vacina correta? Yes, gastemos tempo e dinheiro público com uma “tontería” dessas, penso. Metade da fila diante de mim não pôde tomar a vacina pelo mesmo motivo.

Campanha de vacinação em Barcelona, junho de 2021. E meu pé (Susana Bragatto / Folhapress)

Segue-se outra fila, ao final da qual um recepcionista de olhar mais cansado ainda me diz: não posso marcar nova vacina pra você. Volta na segunda.

“Ah: e nem tente ligar pro posto de saúde”, acrescentou. “As linhas estão congestionadíssimas”.

Era véspera de feriado, San Juan, ponte. Barcelona começava a esvaziar-se, população viajando. Eu devolvo o olhar cansado pro recepcionista. Queria mandar sifudê, mas what’s the use.

Depois de um périplo adicional, consegui marcar minha dose da Pfizer para o próximo dia 2 de julho.

***

Deixar de usar a máscara na rua será esquisito. Não tô preparada pra esse momento e seguirei usando a dita porque soy muy loca, ou não.

E nem todos por aqui estão celebrando a medida. O presidente da região de Andaluzia, Juanma Moreno, deu voz à preocupação de alguns setores da sociedade espanhola, inclusive epidemiologistas, definindo a suspensão da obrigatoriedade da máscara nas vias públicas como “precipitada”, gerando “falsa sensação de segurança”.

“Nos preocupam os contágios e surtos recentes, porque há casos da variante Delta em Gibraltar, perto de Andaluzia”, disse. “Vimos como Portugal ou Israel (…) voltaram a impor o uso [da máscara]. Sigo recomendando que os cidadãos a utilizem”.

To be continued // Continuará (como se diz em terras españolas) // Continua………….

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Espanha se prepara para o fim do estado de emergência https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/04/09/espanha-se-prepara-para-o-fim-do-estado-de-emergencia/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/04/09/espanha-se-prepara-para-o-fim-do-estado-de-emergencia/#respond Fri, 09 Apr 2021 21:43:02 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/vacuna-aniol-yauci-low-res-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=650 Hoje foi dia de injeção, bebê.

Não a vacina (Pfizer, Moderna, AstraZeneca ou, em breve, a Janssen, segundo o voo dos passarinhos do dia), mas minha injeção mensal anticâncer tamanho bondedotigrão na barriga (pitorescagens de uma paciente em remissão).

Chego no posto de saúde 20 minutos antes da minha hora, fila única dobra o quarteirão. Estamos em plena campanha de vacinação anti-Covid na Espanha. Mais da metade dos enfileirados, idosos.

Uma senhora de cabelo acaju penteado pra trás, brinco bolota dourado e gola rulê se emparelha comigo, ombro com ombro. Podia ser uma cameo em Perdidos no Espaço, aquela série dos 1960s. De máscara etc.

Ela tá que tá. Grita na minha orelha e pro senhor de trás: NÃO SEI PRA QUE É ESSA FILA! NÃO QUERO IR PRO FINAL! VOU FICAR EXATAMENTE AQUI! “SENHORA, as distâncias mínimas, SISPLAU!!! [aka por favor, piedade e comiseração, no meu catalão brasicantado]”, imploro. Hoje tô da pá virada. Senhora, adorei tua gola rulê, mas… que te mato.

No quarto andar, de consultas gerais, mais fila. A recepcionista retruca a um casal de idosos embrulhados em seus casacos felpudos verde-e-vermelho: NÃO, SENHOR, SE NÃO TOMAR A VACINA AGORA, SABE DIOS QUANDO VAI TER OUTRA OPORTUNIDADE! TÁ CERTO? –em voz megafônica, que é pra TODOS NÓS ENTENDERMOS, TÁ.

Desconfio que o velhiño não queria tomar a vacina da AstraZeneca.

Minha enfermeira ídola, Lola, não está. Foi recrutada para a campanha. Um enfermeiro inédito me atendeu. Pegou a caixa com a monstroagulha, revirou com cara de que-p-é-essa (já vi essa cara antes, hoje em dia relevo entrego aceito confio). Saí de lá com dor pra caminhar e estou presentemente escrevendo com minha pança latejando. Poha.

Na saída, ouço en passant a conversa de um casal bastante idoso, ele alisando a cabeça grisalha dela na cadeira de rodas, o gesto mais bunito dessa manhã primaveril: “Albert, não me sinto bem”. “Não pode ser, querida; acabaram de te vacinar. Calma, tranquila…”.

***

Esta semana, o premiê espanhol Pedro Sánchez (por sinal, em franco ritmo de campanha eleitoral) não só garantiu a vacinação de 70% da população até o final de agosto (até o momento, apenas 3 milhões de espanhóis, ou 6,38% da população, recebeu as duas doses), como confirmou que o estado de emergência que vivemos no último ano será finalmente suspenso dentro de um mês, em 9 de maio.

Isso significa que poderemos nos mover intraterritorialmente e não haverá mais o toque de recolher dos últimos seis meses. Cairá por tierra também a possibilidade de limitar os números de pessoas em grupos, mesas de bar, festas. Aix.

***

O prazo indicado pelo governo espanhol para termos a maioria da população (33 milhões de pessoas) vacinadas coincide com o final do verão europeu.

Até lá, imagino infelizmente que teremos umas tantas oportunidades de zoar o esquema, talvez provocando picos cíclicos de contágios como tivemos nos últimos meses, embora não tão vertiginosos.

Lembrando: o primeiro, pós-verão do ano passado, quando pensávamos que a pandemia já era página virada; o segundo, pós-reabertura, em novembro; o terceiro, depois das festas de fim de ano. E, agora, estamos vendo um ligeiro aumento de casos pós-Semana Santa, quando o país flexibilizou temporariamente o confinamento de fronteiras.

Esta semana, na província de Madri, um índice médio acumulado de 324 casos por 100 mil habitantes foi suficiente para classificar a área como de risco extremo. Medidas restritivas serão prorrogadas em pelo menos 15 zonas sanitárias e 7 municípios, de onde os habitantes só poderão sair por justa causa nos próximos 15 dias.

Mas, brazilêros combalidos de mi cuore, notem bem a diferença em relação a um certo gigante adormecido: toda essa cautela e caldo de pollo se arma diante de uma taxa de 16 falecidos em Madri nas últimas 24 horas (149 no país inteiro) e uma ocupação de 20,48% dos leitos de UTI espanhóis.

As medidas restritivas supracitadas afetam na prática 6,4% da população madrilenha, ou pouco mais de 400 mil pessoas. Madri, junto com Ceuta e Melilla, são as únicas localidades espanholas onde os casos permanecem acima de 200 por 100 mil habitantes.

***

Mas há quem esteja meio indignado. Afinal, começam a chegar na Espanha os primeiros turistas internacionais — alemães, ingleses e franceses, principalmente — e, enquanto eles podem mais ou menos flanar livreslevessueltos pelo território, estamos todos aqui jogando o jogo da casinha e chupándonos los dedos.

Em Barcelona, ainda vivendo a vida restrita com toque de recolher e outras limitações, sinto um clima tímido de abertura. Recebo uma agenda cultural da cidade no meu inbox. Pela primeira vez, percebo que predominam atrações presenciais. “Avança a vida e, com ela, avança a arte”, canta o editorial. Aye, que poético.

 

***

Nem lembro mais como é estar fora de casa depois das 22h, sem correr pra chegar em casa, sem um certo receio de caminhar pelas ruas escuras e desertas. Que emoção. E, porque são tempos conflitivos, que aflição.

“Saímos prematuramente aos balcões, lotamos os braços de novos livros, recitamos de memória versos e nos despertamos sonhando com canções que ainda não conhecemos”, encerra o editorial da mais recente agenda cultural de Le Cool Barcelona. “Abril: será bom para todos?”. Veremos…

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Toque de recolher na Espanha completa seis meses https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/03/12/toque-de-recolher-na-espanha-completa-seis-meses/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/03/12/toque-de-recolher-na-espanha-completa-seis-meses/#respond Fri, 12 Mar 2021 22:31:24 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/barcelona-vazia2-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=606 Há exatamente um ano, no dia 15 de março de 2020, começava um longo período de confinamento na Espanha.

Já o toque de recolher na España coronada completa meio ano de vida este mês. E segue firme y fuerte –até a próxima deliberação quinzenal do governo, em função do número de contágios e da ocupação de hospitais.

Valendo das 22h às 6h da manhã (ou das 23h às 6, dependendo da província), o “toque de queda”, como se chama aqui, nos ensinou a fazer nossas vidas mais cedo, talvez mais frugais, regradas.

No começo foi difícil. Depois, como tudo na vida, nos ajustamos.

E tem punição pros incautos. Na Catalunha, quem é pego dando sopa nos horários proibidos pode ganhar uma multiña módica de 300 a 6.000 euros (aka R$ 2.000 a R$ 40 mil), dependendo da gravidade e dos implicados.

Excelente argumento pra gente obedecer bunitinho, claro.

Nos últimos seis meses, nos habituamos a adiantar o fim do dia. O comércio fecha cedo, os passeios terminam cedo, os encontros são limitados. Agora mesmo, e pelo menos pelas próximas duas semanas, bares e restaurantes fecham às 17h e a partir daí só estão habilitados a trabalhar com delivery.

Já me habituei ao silêncio da madrugada de Barcelona Recolhida. Que maravilha, penso –não nego. O ruído se singularizou: na calada da noche, só o barulho dos caminhões de lixo, a ocasional sirene e o hiss hiss das bicicletas (é, agora dá pra escutar) de Glovo e que-tais, permitidas até às 23h.

Também me acostumei às implacáveis y necessárias negociações para encontros. Combinar um ocasional vermú (nome nacional para o aperitivo do meio-dia, recentemente readmitido no nosso cotidiano) se transformou em um ato de cortar cabeças.

“Como assim, cê num chamou fulano?” “Não dava, já éramos seis”.

Seis é o número máximo de encontrantes permitidos num grupo, numa mesa, num almoço de família. Pense só nos litros de desafogo de mágoas, questionamentos sobre graus de amizade blalbabl.

((Num posso evitar: sempre que ouço essa ululante frase do éramos-seis, lembro da Maria José Dupré e sua obra fudigoonda homônima que me presenteou com uma de minhas primeiras deprês existenciais mirins. Pelo menos tinha a coleção cachorrinho samba pra me salvar))

***

Em janeiro, 15,5 mil pessoas foram multadas só na Catalunha por furar o toque de recolher. Mencionei obediência e silêncio? Mais ou menos. Toda História acumula seus pedregúio.

Recentemente, por exemplo, a polícia enquadrou sete festas ilegais em hotéis de Barcelona. Estratégia simples: as pessoas alugam quartos e fazem um uniforrobodó indoors. Os hotéis, corresponsáveis por manter a ordem, levam multa junto com os ladinos hóspedes. Agora, o governo está fazendo campanha de conscientização junto ao setor hoteleiro.

A sanha de festa às vezes extravasa pra rua: em fevereiro, foi denunciado um “botellón” com uma centena de xovens em El Prat, na Grande Barcelona. A clássica “prática” — comprar árco no mercado e ir pra rua encher a cara cos colega –teve seu auge de popularidade covídica em meados do ano passado, quando todos os bares e restaurantes estavam absolutamente fechados.

Quanto a festas ilegais privadas, o score da pandemia registra umas muitas. Lá no princípio da pandemia, há um ano, teve até orgia num apartamento do bairro chiquê iluminê do Eixample.

E tem os criativos. Outro dia, um sujeito foi pego fora do horário de circulação permitido e saiu no noticiário. Motivo: pegou emprestada a mochila de um desses serviços de entrega a domicílio pra se disfarçar de entregador-de-quentinhas. Assim, podia passear livremente pela cidade nua, quando todos já estávamos encerrados em casa.

Mais de um haverá pensado: ora, como é que eu não tive essa ideia.

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A gente se acostuma. A fazer exercício com vídeo de iutubi e dançar na sala –saudade de uma baladiña. Mimosas com zoom, pra matar as saudades dos conterrâneos amados. Saudade se sente até de ofertas de trabalho nesta cidade de economia rotundamente baseada no turismo (cousa que é hora de mudar, questionou, justamente, a prefeita Ada Colau em algum momentum recente).

Por outro lado — e o conflito, o conflito –, zero saudades dos turistas internacionais que, timidamente, como se fossem bandidos com fotinho de procura-se em cada poste, começam a reocupar as ruas de Barcelona. O comércio agradece. Quer dizer, os que não fecharam as portas pra sempre.

São tempos complicados, e serão por mais um tempo. Nós por aqui, embora longe da situação cataclísmica do Brasil, ainda caminhamos com muita cautela. Cansados, como vocês. Meus pais, a um oceano de distância, me perguntam: e você, vacina pra quando? Eu não sei. As previsões ainda são vagas. Em breve.

“O que foi a vida em todos esses anos? Sacrifício e devotamento. É como ver uma tarde assim de chuva, pesada de tristezas. Mas não sei lamentar; se fosse preciso recomeçar novamente, novamente faria minha vida a mesma que foi, de sacrifício e devotamento” [Éramos Seis, de Maria José Dupré, 1943]. Ayay, dona Lola…

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O círculo vicioso da ansiedade covídica https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/03/05/o-circulo-vicioso-da-ansiedade-covidica/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/03/05/o-circulo-vicioso-da-ansiedade-covidica/#respond Fri, 05 Mar 2021 22:29:09 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/estresse-aniol-yauci-low-res-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=588 Nos encontramos oversaturados por um loop vicioso de ansiedade, qual patinhos perdidos em uma caça noturna

No centro de saúde perto de casa, em Barcelona, esperam pela vacina. Esta semana não chegou. A campanha de vacinação parou.

Quem me conta é Lola, enfermeira, enquanto me aplica uma injeção —não anti-Covid –acalmando minha respiração algo ansiosa com palabritas dulces. Gente, cês num viram o tamanho da agulha. Zoladex no gordinho da barriga é uma pancada.

“Solta o ar, Susana… tudo pra fora. Libera tudo”. O andar está vazio, são 11 horas de uma sexta-feira nublada. Sim, Lola, sim. Bom conselho. Em geral, tô nem aí pra agulha monstro. Mas hoje estou estressada. Não estamos todos?

***

Caminhando de volta pra casa, passo por uma pracinha do bairro. Contabilizo duas mães com bebês de colo e outros dois núcleos familiares curtindo o balancín.

Sento no banco, busco o horizonte entre o mar de edifícios e linhas de eletricidade riscando o céu.

Lembro de uma entrevista recente com um neurocientista da universidade de Stanford, Andrew Huberman, especializado em visão e seus diversos efeitos sistêmicos.

Segundo ele, os seres humanos temos dois tipos de visão: o modo retrato/focal, em que estamos atentos ao detalhe, geralmente em primeiro plano, e o modo “panorâmico” –contemplar o horizonte. Ver o nascer do sol. Olhar o mar.

Cê adivinhou: o problema é que estamos enfiados demais no primeiro modo. Mais ainda com a pandemia.

Os olhos, conectadíssimos ao sistema nervoso, passam mensagens distintas ao cérebro conforme o modo de visão. Você acertou de novo: o modo portrait-olhando-feed-de-Instagram-por-3-horas comunica ao cérebro e ao corpo um crescente estado de agitação, ao contrário do modo panorâmico ou “optic flow”, que relaxa e amplia a visão periférica.

Cartaz em metrô de Barcelona divulga iniciativa do governo catalão em apoio à “saúde mental” do cidadão, sob o mote: “Eu tampouco estou bem; e você, como está?” (Susana Bragatto / Folhapress)

Ao se topar com um “input” perturbador, como, ora ora, as notícias preocupantes e acaso absurdas dos nossos dias, a respiração se agita, o ritmo cardíaco se altera e os olhos entram em modo-lince: foco total. Segue-se um banho de neurotransmissores que te preparam para a-tu-ar.

O estresse, portanto, seria originalmente um mecanismo evolutivo para despertar o Homo Sabidus para a ação. A luta contra o tigre. Etc. A pandemia, ao restringir nossos movimentos, estaria promovendo o estresse coletivo a uma reiteração borderline olímpica quasi-patológica. Estamos oversaturados por um loop vicioso de ansiedade, qual patinhos perdidos em uma caça noturna.

Do meu banquinho no espaço-tempo daquela praça urbana, faço um esforço e encontro um pedaço impoluto de céu. Dura dois segundos e já tô respondendo mensagem de zapzap. Não me julguem.

***
A pandemia segue complicada em vários países da Europa. O que hoje é, amanhã não mais. Pra ser sincera, às vezes me perco nas contas: não sei mais em que onda estamos.

Na Espanha, algumas regiões se recuperam de situações críticas. Outras, como a Catalunha, avançam seu projeto de reabertura com cautela, vigiando a (lenta) estabilização dos números pós-farra-natalina.

Em Barcelona, a situação das UTIs ainda requer atenção. O problema, como disse outro dia o gerente do hospital Vall d’Hebron, um dos principais da cidade, é que, se vier uma quarta onda, o sistema de saúde, ao contrário das outras três grandes ondas anteriores, não vai aguentar o tranco.

Com isso, sofrem não só os afetados pelo vírus, mas também os que padecem(os) outras enfermidades. Eu acompanho um câncer em remissão. Dou um jeito de me virar entre consultas no sistema público e privado, porque tenho essa sorte.

Mas os dados são preocupantes. Já é sabido que a pandemia vem gerando contextos de subdiagnósticos, seja pela falta de infraestrutura hospitalar e clínica ou pelo receio da população.

Quando se trata de saúde pública, o problema, portanto, não é só o coronavírus. É, ora, a saúde pública. Começo a estressar-me again.

***

–Lola, e afinal: quem já pegou o vírus pode pegar de novo ou já tá imunizado?, pergunto, serelepe, levantando-me da maca. Faço essa perguntinha capciosa a “todo dios”.

A senhora catalana de cabelos anelados me observa detrás da escrivaninha entre potes de álcool em gel. A janela detrás de si borrifa em sua silhueta auras de luz. Santíssima Lola, com seus óculos novelescos de aro vermelho. Sinto invadir-me por uma onda de gratidão. Sofro de Síndrome da Idolatria ao Profissional de Saúde –outro (este, bendito) efeito covidiano.

–Hoje mesmo… mais ou menos –ri, finalmente. –Muda o tempo todo. Até outro dia, a orientação era dar vacina aos que haviam passado a Covid há mais de 6 meses. Agora, aos que passaram há 3 meses. Só uma dose. Amanhã…

Lembrei de uma conversa recente com um amigo médico, que me contou ter sofrido uns efeitos meio intensos da primeira dose de sua vacina –ele teve Covid há meses. Lola e eu intercambiamos votos de que a benedeta vacinação nos libere em breve pra tomar Aquele Cafezinho. E nos despedimos com uma cotovelada amistosa.

Até a próxima injeção.

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A terceira onda e a frutinha embriagante https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/01/15/a-terceira-onda-e-a-frutinha-embriagante/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/01/15/a-terceira-onda-e-a-frutinha-embriagante/#respond Fri, 15 Jan 2021 21:34:59 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/el-oso-y-el-madroño-maria-castellano-menor-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=459 Nããããooooo!
Eu quis des-ler, mas não deu.

Esses dias, em meio a notícias sobre a voluptuosa frente fria que cobriu a Espanha de branco e imagens de españoles fazendo guerrinha de neve em Madri…

Eu vi cozóio que a terra há de transformar em tomatiños cherry.

Em caixa alta, em manchetes de todas as cores, a expressão fatídica, até pouco tempo atrás mera quimera: LA TERCERA OLA (a terceira onda).

Só eu que penso sempre no Pedro e o Lobo (versão truncada on acid)?

Pausa pra um pouco de neve e um cão feliz na Puerta de Toledo, em Madri, janeiro de 2021 (Reprodução / David Canales)

Taí. De um dia pro outro, alguém decidiu que a Espanha vem vivendo a Terceira Onda da pandemia desde o Natal, quando o afrouxamento do protocolo anticovidiano teria favorecido a expansão do vírus.

Nem a vacinação, que começou no último dia 27 de dezembro, pode (por ora) conter o que já virou cíclico: expansão de contágios > colapso de hospitais > samba do crioulo doido de restrições novas a cada semana/10 dias/2 semanas, quase sempre anunciadas de última hora > incerteza, teorias, protestos, mais manchetes > rinse, cry, repeat.

Quanto à nova mutação “britânica” do vírus, não só chegou ao território español em sua forma “importada” como já foram detectados casos autóctones, sem vínculo epidemiológico com o Reino Unido. A Mais Nova Teoria Provisória sugere que essa nova cepa circula entre nós há pelo menos um mês.

Zaragoza coberta de neve (Reprodução / Nerea Peña)

No entanto, são muito poucos os britCovid detectados até agora, mormente graças a uma feliz descoberta: um kit de PCR da marca Thermo Fischer que indica resultados (positivos) diferentes segundo a mutação do vírus. Portanto: a culpa da Terceira Onda Espanhola é de-nóis-mermo, não da cepa 70% mais contagiosa dos brexitados.

Assim, pelo menos até final de janeiro, seguimos sem bares e restaurantes a partir das 15h30, muitos comércios fechados, toque de recolher e confinamentos perimetrais. É o lobo, é o lobo.

***

Mudando de bicho: lembrei da história sobre a frutinha alcoólica do Mediterrâneo por causa de uma foto que vi hoje.

Mostra a famosa escultura conhecida como “El Oso y el madroño” (o urso e o medronho), símbolo heráldico de Madri, afincada na praça da Puerta del Sol, a mais importantchi da cidade. No caso, rodeada da neve assaz inusual dos últimos dias.

“El oso y el madroño”, escultura de Antonio Navarro Santafé. Puerta del Sol, Madri, janeiro de 2021 (Reprodução / David Canales)

Há quem afirme que o urso na realidade é uma ursa, símbolo de fortaleza e fertilidade. Poderia inclusive ser uma referência à constelação da Ursa Menor, por conta das 7 estrelas na bandeira de Madri. Até manifestação feminista já houve pra redefinir o sexo do urso, que, por sinal, permanece escondido debaixo do basto pelo metálico.

Quanto à frutinha comida pel@ urs@, é parente das “berries” e colore os bosques mediterrâneos ibéricos durante as estações frias.

Conhecida pelo menos desde a Antiguidade (com um possível “cameo”, por exemplo, na história dos doze trabalhos de Hércules, quando ele mata o gigante Gerião e o sangue deste se transforma num arbusto de frutiñas madroñeras), até hoje é popularmente utilizada para preparar licores, sidras, vinhos, vinagres, “salsas” e marmeladas.

Madroño in natura (Reprodução)

Durante a Idade Média, o madroño (que em português de PrutugaL se chama MEDRONHO ಠ‿ಠ ) se popularizou por suas propriedades medicinais. Naquela época, diziam que podia curar até a peste. Hoje em dia, estudos incipientes indicam que pode ser legal pra prevenir doenças cardiovasculares, por exemplo.

No século 20, deixou de ser vendida em mercados. Agora o lance pra encontrar o madroño (vaya nombre danado) é basicamente se aventurar no mato entre setembro e dezembro.

Vi meu primeiro arbusto de madroño durante um passeio pelos bosques de Sant Mateu, perto de Barcelona, no “Parc de la Serralada Litoral”. Eu, o namorildis e um amigo paramos maravilhados (ok, eu) diante de um arbusto pintadim de vermelho naquela tarde dourada outonal (ah: o madroño é um dos poucos bichos plantíficos que pode dar flor e fruto ao mesmo tempo, um esplendorrr).

Meu amigo, um italiano do norte muy blasé e Sabido em Cultura Popular, comentou: dizem que comer demais essa frutiña dá enxaqueca e embriaga. Passou por nós uma mulher com cara de This Bosque Is Mine, que nos disse: que nada, podem comer sem miedo!

Posso atestar que não fiquei bêbzda, infelizmente. Mas depois soube que a fama é real: o fruto do madroño começa seu processo de fermentação alcoólica ainda na árvore, e quando a gente come já virou mezzo cachaça-de-frutinha.

Daí seu nome em latim: Arbutus unedo, de “unum edo” –comer um só. Ou alguns de seus apelidos mundão afora, como “borrachines” (de “borracho”, bêbado). @ urs@ de Madri, señoras y señoretes, está bêbad@, bêbad@ de frutinh@s silvestres…

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