Normalitas https://normalitas.blogfolha.uol.com.br Espanholices, maravilhas do ordinário, brotos de brócolis Sat, 04 Dec 2021 00:01:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Com o fim do estado de emergência espanhol, aumenta contágio entre jovens https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/05/28/com-o-fim-do-estado-de-emergencia-espanhol-aumenta-contagio-entre-jovens/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/05/28/com-o-fim-do-estado-de-emergencia-espanhol-aumenta-contagio-entre-jovens/#respond Fri, 28 May 2021 18:58:58 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/javalis-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=770 O aumento de interações sociais após o fim do estado de emergência espanhol, suspendido no último dia 9 de maio, pode estar freando a melhora dos índices relacionados à pandemia no país.

Em Barcelona, por exemplo, nas últimas duas semanas vem se observando um leve aumento de contágios sobretudo entre a população na faixa dos 15 a 29 anos.

Os jovens atualmente lideram o ranking local de incidência acumulada, com 153,7 casos por 100 mil habitantes.

Em seguida vêm os de 30 a 49 anos, com 134 casos por 100 mil.

A última média nacional divulgada nesta quinta (27) é de 125 casos por 100 mil habitantes.

Os únicos que se salvam (literalmente) nessa história são os maiores de 80, já completamente vacinados: 30 casos por 100 mil habitantes.

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Não me admira essa tendência de aumento de casos entre os jovens, considerando os numerosos “botellones” ou festas de rua dos últimos dias em Barcelona.

Pra completar o bololô molotoviano, vivo em uma cidade-alvo de turistas e intercâmbios como o programa Erasmus, que a cada ano traz uma média de 50 mil estudantes europeus para estudar ou realizar estágios supervisionados na Espanha. Essa quantidade é superior à que recebe qualquer outro país da comunidade europeia.

Por aqui, circulam cada vez mais imagens mostrando xovens sem máscara e muy borrachos (bêbados) forrando praias, parques e ruas como se celebrassem a libertação do apocalipse. Perturbador, se a gente contrastar com a vida pandêmica relativamente espartana de até pouquíssimas semanas atrás.

Mais contágio entre jovens em geral não se traduz em aumento no número de hospitalizações. O problema, dizem os epidemiologistas, é que a rápida taxa de alastramento do vírus entre essa população pode favorecer o fortalecimento de novas variantes, por exemplo. Além disso, o sistema de saúde sofre tendo que atender os pamonha inconsequentes (perdonad mi French).

Em um vídeo gravado por um canal de TV espanhol nas ruas do bairro do Born, no centro histórico de Barcelona, policiais passeando por uma multidão alegre avisam aqui e ali que “é proibido consumir álcool na via pública” e que é necessário botar a máscara. A vibe é de nem-tchum. Mais de 3.500 pessoas foram enxotadas do centro naquela noite. Uma entrevistada argumenta: se as pessoas se reúnem no metrô, então na rua também pode, né?

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Toque de recolher na Espanha completa seis meses https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/03/12/toque-de-recolher-na-espanha-completa-seis-meses/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/03/12/toque-de-recolher-na-espanha-completa-seis-meses/#respond Fri, 12 Mar 2021 22:31:24 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/barcelona-vazia2-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=606 Há exatamente um ano, no dia 15 de março de 2020, começava um longo período de confinamento na Espanha.

Já o toque de recolher na España coronada completa meio ano de vida este mês. E segue firme y fuerte –até a próxima deliberação quinzenal do governo, em função do número de contágios e da ocupação de hospitais.

Valendo das 22h às 6h da manhã (ou das 23h às 6, dependendo da província), o “toque de queda”, como se chama aqui, nos ensinou a fazer nossas vidas mais cedo, talvez mais frugais, regradas.

No começo foi difícil. Depois, como tudo na vida, nos ajustamos.

E tem punição pros incautos. Na Catalunha, quem é pego dando sopa nos horários proibidos pode ganhar uma multiña módica de 300 a 6.000 euros (aka R$ 2.000 a R$ 40 mil), dependendo da gravidade e dos implicados.

Excelente argumento pra gente obedecer bunitinho, claro.

Nos últimos seis meses, nos habituamos a adiantar o fim do dia. O comércio fecha cedo, os passeios terminam cedo, os encontros são limitados. Agora mesmo, e pelo menos pelas próximas duas semanas, bares e restaurantes fecham às 17h e a partir daí só estão habilitados a trabalhar com delivery.

Já me habituei ao silêncio da madrugada de Barcelona Recolhida. Que maravilha, penso –não nego. O ruído se singularizou: na calada da noche, só o barulho dos caminhões de lixo, a ocasional sirene e o hiss hiss das bicicletas (é, agora dá pra escutar) de Glovo e que-tais, permitidas até às 23h.

Também me acostumei às implacáveis y necessárias negociações para encontros. Combinar um ocasional vermú (nome nacional para o aperitivo do meio-dia, recentemente readmitido no nosso cotidiano) se transformou em um ato de cortar cabeças.

“Como assim, cê num chamou fulano?” “Não dava, já éramos seis”.

Seis é o número máximo de encontrantes permitidos num grupo, numa mesa, num almoço de família. Pense só nos litros de desafogo de mágoas, questionamentos sobre graus de amizade blalbabl.

((Num posso evitar: sempre que ouço essa ululante frase do éramos-seis, lembro da Maria José Dupré e sua obra fudigoonda homônima que me presenteou com uma de minhas primeiras deprês existenciais mirins. Pelo menos tinha a coleção cachorrinho samba pra me salvar))

***

Em janeiro, 15,5 mil pessoas foram multadas só na Catalunha por furar o toque de recolher. Mencionei obediência e silêncio? Mais ou menos. Toda História acumula seus pedregúio.

Recentemente, por exemplo, a polícia enquadrou sete festas ilegais em hotéis de Barcelona. Estratégia simples: as pessoas alugam quartos e fazem um uniforrobodó indoors. Os hotéis, corresponsáveis por manter a ordem, levam multa junto com os ladinos hóspedes. Agora, o governo está fazendo campanha de conscientização junto ao setor hoteleiro.

A sanha de festa às vezes extravasa pra rua: em fevereiro, foi denunciado um “botellón” com uma centena de xovens em El Prat, na Grande Barcelona. A clássica “prática” — comprar árco no mercado e ir pra rua encher a cara cos colega –teve seu auge de popularidade covídica em meados do ano passado, quando todos os bares e restaurantes estavam absolutamente fechados.

Quanto a festas ilegais privadas, o score da pandemia registra umas muitas. Lá no princípio da pandemia, há um ano, teve até orgia num apartamento do bairro chiquê iluminê do Eixample.

E tem os criativos. Outro dia, um sujeito foi pego fora do horário de circulação permitido e saiu no noticiário. Motivo: pegou emprestada a mochila de um desses serviços de entrega a domicílio pra se disfarçar de entregador-de-quentinhas. Assim, podia passear livremente pela cidade nua, quando todos já estávamos encerrados em casa.

Mais de um haverá pensado: ora, como é que eu não tive essa ideia.

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A gente se acostuma. A fazer exercício com vídeo de iutubi e dançar na sala –saudade de uma baladiña. Mimosas com zoom, pra matar as saudades dos conterrâneos amados. Saudade se sente até de ofertas de trabalho nesta cidade de economia rotundamente baseada no turismo (cousa que é hora de mudar, questionou, justamente, a prefeita Ada Colau em algum momentum recente).

Por outro lado — e o conflito, o conflito –, zero saudades dos turistas internacionais que, timidamente, como se fossem bandidos com fotinho de procura-se em cada poste, começam a reocupar as ruas de Barcelona. O comércio agradece. Quer dizer, os que não fecharam as portas pra sempre.

São tempos complicados, e serão por mais um tempo. Nós por aqui, embora longe da situação cataclísmica do Brasil, ainda caminhamos com muita cautela. Cansados, como vocês. Meus pais, a um oceano de distância, me perguntam: e você, vacina pra quando? Eu não sei. As previsões ainda são vagas. Em breve.

“O que foi a vida em todos esses anos? Sacrifício e devotamento. É como ver uma tarde assim de chuva, pesada de tristezas. Mas não sei lamentar; se fosse preciso recomeçar novamente, novamente faria minha vida a mesma que foi, de sacrifício e devotamento” [Éramos Seis, de Maria José Dupré, 1943]. Ayay, dona Lola…

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O círculo vicioso da ansiedade covídica https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/03/05/o-circulo-vicioso-da-ansiedade-covidica/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/03/05/o-circulo-vicioso-da-ansiedade-covidica/#respond Fri, 05 Mar 2021 22:29:09 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/estresse-aniol-yauci-low-res-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=588 Nos encontramos oversaturados por um loop vicioso de ansiedade, qual patinhos perdidos em uma caça noturna

No centro de saúde perto de casa, em Barcelona, esperam pela vacina. Esta semana não chegou. A campanha de vacinação parou.

Quem me conta é Lola, enfermeira, enquanto me aplica uma injeção —não anti-Covid –acalmando minha respiração algo ansiosa com palabritas dulces. Gente, cês num viram o tamanho da agulha. Zoladex no gordinho da barriga é uma pancada.

“Solta o ar, Susana… tudo pra fora. Libera tudo”. O andar está vazio, são 11 horas de uma sexta-feira nublada. Sim, Lola, sim. Bom conselho. Em geral, tô nem aí pra agulha monstro. Mas hoje estou estressada. Não estamos todos?

***

Caminhando de volta pra casa, passo por uma pracinha do bairro. Contabilizo duas mães com bebês de colo e outros dois núcleos familiares curtindo o balancín.

Sento no banco, busco o horizonte entre o mar de edifícios e linhas de eletricidade riscando o céu.

Lembro de uma entrevista recente com um neurocientista da universidade de Stanford, Andrew Huberman, especializado em visão e seus diversos efeitos sistêmicos.

Segundo ele, os seres humanos temos dois tipos de visão: o modo retrato/focal, em que estamos atentos ao detalhe, geralmente em primeiro plano, e o modo “panorâmico” –contemplar o horizonte. Ver o nascer do sol. Olhar o mar.

Cê adivinhou: o problema é que estamos enfiados demais no primeiro modo. Mais ainda com a pandemia.

Os olhos, conectadíssimos ao sistema nervoso, passam mensagens distintas ao cérebro conforme o modo de visão. Você acertou de novo: o modo portrait-olhando-feed-de-Instagram-por-3-horas comunica ao cérebro e ao corpo um crescente estado de agitação, ao contrário do modo panorâmico ou “optic flow”, que relaxa e amplia a visão periférica.

Cartaz em metrô de Barcelona divulga iniciativa do governo catalão em apoio à “saúde mental” do cidadão, sob o mote: “Eu tampouco estou bem; e você, como está?” (Susana Bragatto / Folhapress)

Ao se topar com um “input” perturbador, como, ora ora, as notícias preocupantes e acaso absurdas dos nossos dias, a respiração se agita, o ritmo cardíaco se altera e os olhos entram em modo-lince: foco total. Segue-se um banho de neurotransmissores que te preparam para a-tu-ar.

O estresse, portanto, seria originalmente um mecanismo evolutivo para despertar o Homo Sabidus para a ação. A luta contra o tigre. Etc. A pandemia, ao restringir nossos movimentos, estaria promovendo o estresse coletivo a uma reiteração borderline olímpica quasi-patológica. Estamos oversaturados por um loop vicioso de ansiedade, qual patinhos perdidos em uma caça noturna.

Do meu banquinho no espaço-tempo daquela praça urbana, faço um esforço e encontro um pedaço impoluto de céu. Dura dois segundos e já tô respondendo mensagem de zapzap. Não me julguem.

***
A pandemia segue complicada em vários países da Europa. O que hoje é, amanhã não mais. Pra ser sincera, às vezes me perco nas contas: não sei mais em que onda estamos.

Na Espanha, algumas regiões se recuperam de situações críticas. Outras, como a Catalunha, avançam seu projeto de reabertura com cautela, vigiando a (lenta) estabilização dos números pós-farra-natalina.

Em Barcelona, a situação das UTIs ainda requer atenção. O problema, como disse outro dia o gerente do hospital Vall d’Hebron, um dos principais da cidade, é que, se vier uma quarta onda, o sistema de saúde, ao contrário das outras três grandes ondas anteriores, não vai aguentar o tranco.

Com isso, sofrem não só os afetados pelo vírus, mas também os que padecem(os) outras enfermidades. Eu acompanho um câncer em remissão. Dou um jeito de me virar entre consultas no sistema público e privado, porque tenho essa sorte.

Mas os dados são preocupantes. Já é sabido que a pandemia vem gerando contextos de subdiagnósticos, seja pela falta de infraestrutura hospitalar e clínica ou pelo receio da população.

Quando se trata de saúde pública, o problema, portanto, não é só o coronavírus. É, ora, a saúde pública. Começo a estressar-me again.

***

–Lola, e afinal: quem já pegou o vírus pode pegar de novo ou já tá imunizado?, pergunto, serelepe, levantando-me da maca. Faço essa perguntinha capciosa a “todo dios”.

A senhora catalana de cabelos anelados me observa detrás da escrivaninha entre potes de álcool em gel. A janela detrás de si borrifa em sua silhueta auras de luz. Santíssima Lola, com seus óculos novelescos de aro vermelho. Sinto invadir-me por uma onda de gratidão. Sofro de Síndrome da Idolatria ao Profissional de Saúde –outro (este, bendito) efeito covidiano.

–Hoje mesmo… mais ou menos –ri, finalmente. –Muda o tempo todo. Até outro dia, a orientação era dar vacina aos que haviam passado a Covid há mais de 6 meses. Agora, aos que passaram há 3 meses. Só uma dose. Amanhã…

Lembrei de uma conversa recente com um amigo médico, que me contou ter sofrido uns efeitos meio intensos da primeira dose de sua vacina –ele teve Covid há meses. Lola e eu intercambiamos votos de que a benedeta vacinação nos libere em breve pra tomar Aquele Cafezinho. E nos despedimos com uma cotovelada amistosa.

Até a próxima injeção.

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A máscara da discórdia, abóboras e crises https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/01/29/a-mascara-da-discordia-aboboras-e-crises/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/01/29/a-mascara-da-discordia-aboboras-e-crises/#respond Sat, 30 Jan 2021 00:45:15 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/capa3-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=505 Barcelona, city of leisure and catedrais inacabadas.

Aconteceu no metrô cheio ao meio-dia.
Segue a tradução (algo) livre:

— SEU VELHO TONTO! (sic)
— TONTO É VOCÊ!
— ORA, MAS QUE POUCA VERGONHA! QUERIA VER UM POLICIAL AQUI AGORA TE PASSANDO UMA CORREÇÃO!
— APROXIMA TUA CARA DA MINHA BOTA PRA VOCÊ VER O QUE PENSO DISSO! (nessa parte, eu confesso, vibrei)
— ESPERO QUE MORRA LOGO! SEU VELHO!
— FALÔ, JOVEM!!!

Esse simpático diálogo, que só tem sua graça aqui escrito, ocorreu entre um casal de idosos sentados diante de um outro idoso que, algo bêbado (eu sei porque estava sentada do seu ladiño), levava a máscara cirúrgica azul em sua famosa Modalidade Inútil Número 1: com o nariz de fora.

— Senhor, perdão, mas a máscara é obrigatória pra todos nós. Por favor, ponha direito –intervim* a certa altura, tentando apaziguar os ânimos.

* vaya palabra rara de cojones ⤜(ʘ_ʘ)⤏

Impaciente, o caballero da napa de fora acatou meu pedido. Só pra, adiante, no meio da “pelea” (briga), tirar completamente a máscara, encarando desafiante seus oponentes, que, é verdade, também estavam começando a me irritar com o incessante murmúrio bullyiesco contra o ciudadano.

Choquei, gente. E me choquei com meu choque de ver um ser humanus arrancando a proteção anti-Covid no metrô.

Todos os demais espectadores naquele vagão do meio-dia: caladinhos detrás de suas máscaras. Ora, pipokas.

***

A Espanha vive atualmente a terceira onda da pandemia, com 38 mil casos novos nas últimas 24 horas.

A média acumulada nacional é de 886 casos por 100 mil habitantes, com algumas regiões, como Valência, ultrapassando os 1.400 casos por 100 mil. Somos o quinto país comunitário mais afetado pelo vírus agora mesmo, atrás de Portugal (1.484 por 100 mil habitantes), República Checa (1.010), Irlanda (926) e Suécia (564).

Na última segunda-feira (25), a Comissão Europeia recomendou que todas as zonas com mais de 500 casos por 100 mil habitantes sejam isoladas. Mais de 85% do território espanhol corresponde a esse critério –e em sua quase totalidade já leva meses em confinamento perimetral, ou seja, nada de entrar ou sair se não for estritamente essencial.

Por enquanto, há zero casos notificados da nova variante brasileira em território espanhol, contra um da cepa sul-africana e 350 da cepa britânica. Espera-se a chegada massiva desta última a partir de meados de fevereiro ou princípios de março –o que significa que as medidas restritivas poderão previsivelmente prorrogar-se por pelo menos mais uns dois meses (falô, jovem!!).

O ritmo de vacinação, que começou bem, arrefeceu significativamente na última semana, com a redução do fornecimento comunitário dos lotes da AstraZeneca/Oxford.

O consórcio alega um problema nas fábricas europeias; por outro lado, a Comissão Europeia insiste na ideia de impedir a exportação de vacinas produzidas pelo grupo na Europa para fora do continente enquanto o fornecimento interno não se normalizar.

Pra completar a cereza nos buñuelos de viento, há uma semana temos uma nova ministra da Saúde: a canária Carolina Darias, que deixou a pasta de Política Territorial e Função Pública para assumir la bucha do que vem por aí.

Salvador Illa, o titular anterior, deixa o cargo em plena “tercera ola” para concorrer às eleições locais na Catalunha em fevereiro, com uma plataforma enfocada na ideia de reconstrução e a bênça do premiê Pedro Sánchez (yes, e a oposição, que não se bica, já se juntou e criou uma cantilena: “todos contra Illa”).

***

Outro dia, limpando a fruteira, dei de cara com uma abóbora em pleno e glorioso processo de putrefação (shame on me, foi uma exceção na minha vidinha de frutinha lover –não sei se ces já sabiam, mas abóbora, pasme e dance, é fruto).

Maravilhada, tirei muitas, muitas fotos, algumas das quais ora reproduzo. Sou fascinada por fungos e putrefações orgânicas (claro, Susana, ou cê curte também putrefações plásticas? hmmmmm). Essa tara volátil vem de infância, quando cultivei os primeiros bichinhos em pote de vidro com papaya no lavabo de casa.

Estrela glaciar-estetoscônica kubrickovska jiraiana teta plus 81A58-2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

 

Essa é nossa coruja espanta-pombas, que costuma fazer amizade cas perseguida (Susana Bragatto / Folhapress)

Essa beleza toda (“parece foto de satélite”, comentou alguém), tão transitória, profundamente vida. Jovens, jovens, uni-vos-nos, antes que viremos abóbora…

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A terceira onda e a frutinha embriagante https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/01/15/a-terceira-onda-e-a-frutinha-embriagante/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/01/15/a-terceira-onda-e-a-frutinha-embriagante/#respond Fri, 15 Jan 2021 21:34:59 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/el-oso-y-el-madroño-maria-castellano-menor-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=459 Nããããooooo!
Eu quis des-ler, mas não deu.

Esses dias, em meio a notícias sobre a voluptuosa frente fria que cobriu a Espanha de branco e imagens de españoles fazendo guerrinha de neve em Madri…

Eu vi cozóio que a terra há de transformar em tomatiños cherry.

Em caixa alta, em manchetes de todas as cores, a expressão fatídica, até pouco tempo atrás mera quimera: LA TERCERA OLA (a terceira onda).

Só eu que penso sempre no Pedro e o Lobo (versão truncada on acid)?

Pausa pra um pouco de neve e um cão feliz na Puerta de Toledo, em Madri, janeiro de 2021 (Reprodução / David Canales)

Taí. De um dia pro outro, alguém decidiu que a Espanha vem vivendo a Terceira Onda da pandemia desde o Natal, quando o afrouxamento do protocolo anticovidiano teria favorecido a expansão do vírus.

Nem a vacinação, que começou no último dia 27 de dezembro, pode (por ora) conter o que já virou cíclico: expansão de contágios > colapso de hospitais > samba do crioulo doido de restrições novas a cada semana/10 dias/2 semanas, quase sempre anunciadas de última hora > incerteza, teorias, protestos, mais manchetes > rinse, cry, repeat.

Quanto à nova mutação “britânica” do vírus, não só chegou ao território español em sua forma “importada” como já foram detectados casos autóctones, sem vínculo epidemiológico com o Reino Unido. A Mais Nova Teoria Provisória sugere que essa nova cepa circula entre nós há pelo menos um mês.

Zaragoza coberta de neve (Reprodução / Nerea Peña)

No entanto, são muito poucos os britCovid detectados até agora, mormente graças a uma feliz descoberta: um kit de PCR da marca Thermo Fischer que indica resultados (positivos) diferentes segundo a mutação do vírus. Portanto: a culpa da Terceira Onda Espanhola é de-nóis-mermo, não da cepa 70% mais contagiosa dos brexitados.

Assim, pelo menos até final de janeiro, seguimos sem bares e restaurantes a partir das 15h30, muitos comércios fechados, toque de recolher e confinamentos perimetrais. É o lobo, é o lobo.

***

Mudando de bicho: lembrei da história sobre a frutinha alcoólica do Mediterrâneo por causa de uma foto que vi hoje.

Mostra a famosa escultura conhecida como “El Oso y el madroño” (o urso e o medronho), símbolo heráldico de Madri, afincada na praça da Puerta del Sol, a mais importantchi da cidade. No caso, rodeada da neve assaz inusual dos últimos dias.

“El oso y el madroño”, escultura de Antonio Navarro Santafé. Puerta del Sol, Madri, janeiro de 2021 (Reprodução / David Canales)

Há quem afirme que o urso na realidade é uma ursa, símbolo de fortaleza e fertilidade. Poderia inclusive ser uma referência à constelação da Ursa Menor, por conta das 7 estrelas na bandeira de Madri. Até manifestação feminista já houve pra redefinir o sexo do urso, que, por sinal, permanece escondido debaixo do basto pelo metálico.

Quanto à frutinha comida pel@ urs@, é parente das “berries” e colore os bosques mediterrâneos ibéricos durante as estações frias.

Conhecida pelo menos desde a Antiguidade (com um possível “cameo”, por exemplo, na história dos doze trabalhos de Hércules, quando ele mata o gigante Gerião e o sangue deste se transforma num arbusto de frutiñas madroñeras), até hoje é popularmente utilizada para preparar licores, sidras, vinhos, vinagres, “salsas” e marmeladas.

Madroño in natura (Reprodução)

Durante a Idade Média, o madroño (que em português de PrutugaL se chama MEDRONHO ಠ‿ಠ ) se popularizou por suas propriedades medicinais. Naquela época, diziam que podia curar até a peste. Hoje em dia, estudos incipientes indicam que pode ser legal pra prevenir doenças cardiovasculares, por exemplo.

No século 20, deixou de ser vendida em mercados. Agora o lance pra encontrar o madroño (vaya nombre danado) é basicamente se aventurar no mato entre setembro e dezembro.

Vi meu primeiro arbusto de madroño durante um passeio pelos bosques de Sant Mateu, perto de Barcelona, no “Parc de la Serralada Litoral”. Eu, o namorildis e um amigo paramos maravilhados (ok, eu) diante de um arbusto pintadim de vermelho naquela tarde dourada outonal (ah: o madroño é um dos poucos bichos plantíficos que pode dar flor e fruto ao mesmo tempo, um esplendorrr).

Meu amigo, um italiano do norte muy blasé e Sabido em Cultura Popular, comentou: dizem que comer demais essa frutiña dá enxaqueca e embriaga. Passou por nós uma mulher com cara de This Bosque Is Mine, que nos disse: que nada, podem comer sem miedo!

Posso atestar que não fiquei bêbzda, infelizmente. Mas depois soube que a fama é real: o fruto do madroño começa seu processo de fermentação alcoólica ainda na árvore, e quando a gente come já virou mezzo cachaça-de-frutinha.

Daí seu nome em latim: Arbutus unedo, de “unum edo” –comer um só. Ou alguns de seus apelidos mundão afora, como “borrachines” (de “borracho”, bêbado). @ urs@ de Madri, señoras y señoretes, está bêbad@, bêbad@ de frutinh@s silvestres…

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O voo das pombas, ou: feliz 2042 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2020/12/23/o-voo-das-pombas-ou-feliz-2042/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2020/12/23/o-voo-das-pombas-ou-feliz-2042/#respond Thu, 24 Dec 2020 00:00:21 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/Pombas-do-paraíso-imaginado-Aniol-Yauci-baixa-res-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=432 Barcelona – Dia #283 – Quinta, 24 de dezembro. Cena: “Ouve esse silêncio”, ele diz. “É Natal!”

Segundona braba de eflúvios natalinos. Eis que me encontro no supermercado pensando se compro aquele kombucha de raspberry pra me sentir saudável com estilê quando avisto um casal de pombas ciscando tranquilamente entre uns pacotes de farinha bio, nozes bio, bio-bio.

Decido lançar um grito de alarme, que sai meio assim: “POMBAAAAS! Eiii, alguéeeeem! Tem POMBAS no corredor de produtos orgânicooooo-ooowws!”.

Impressionante. É hora do rush, mas ninguém nem tchum. Apenas as duas supracitadas meliantes, assustadas com minha ceninha humanoide, voam, alcançam as luzes ramificadas pelo imenso teto metálico do recinto, fazem um bailinho bonito no ar e pousam novamente entre os itens bio de sua preferência.

Não estou na roça. It’s Barcelona e este é um dos maiores supermercados da cidade (Carrefinhour, you know –daqueles que vendem sushi, bicicleta e jamones de Natal).

(((O que me faz lembrar de Javier Bardem cortando jamón sobre o capô do carro em “Jamón, Jamón”:)))

 

Olho à volta. Ninguém parece se preocupar com as pombas, ninguém dá mostras de haver visto as ditas. Fascinante.

Fico lá segurando o kombucha por um instante enquanto famílias, casais, jovens, velhos, aliens e titanoboas circulam ao meu redor com expressões compenetradíssimas, os braços e carrinhos cheios de itens natalinos e, talvez, uma promoção de 3×2 meias de presente pra alguém.

Cantarolo baixinho: el tiempo não paaa-a-a-ara…

 

***

Esta semana, o que já era duro piorou. Os casos de Covid estão crescendo, todo mundo nazoropa tá com medo dos britânicos e é quase Natal. Vaya mistura explosiva de contradesejos.

De última hora, na quinta (17), o governo decidiu reduzir ainda mais o horário de funcionamento dos bares e restaurantes.

Até então, os estabelecimentos locais já estavam estertorando à base de 30% da lotação máxima, mesa de até 4 pessoas (ok, falô) e toque de recolher às 22h. Desde esta segunda (21), passaram a só poder abrir 4 horas ao dia, pela manhã e pro almoço.

Com isso, todas as reservas de ceias de Natal e Ano Novo foram repentinamente canceladas. Barcelona é terra de muitos negócios familiares. Produtos caros e especiais estão perecendo nas geladeiras, e os donos dos bares e restaurantes têm saído às ruas para protestar. Quem paga a conta? Quem ajuda? O que virá?

E não para por aí. Agora mesmo, não podemos deixar a comarca, a cidade, o estado de residência, a não ser por motivos justificáveis. E pensar em ir mais além da fronteira nacional é embarcar num phD coronavirístico em que o currículo mínimo pode mudar todos.os.dias.

Eu em verdade vos digo: fico em casa o máximo possível. Uso a máscara masterblaster pra pegar condução. E evito ao máximo: faço tudo de bike.

Meu maior pecado em 2020 foi ter pego um voo pra Ibiza no verão, durante o breve idílio pós-primeira onda da pandemia. O avião tava vazio, Ibiza (pasme) tava vazia. Foi legal, foi tenso.

Quando eu comecei a escrever o Diário de Confinamento na Folha, em março, há exatos 283 dias, creio que todos pensávamos que a coisa ia durar alguns meses.

E, quando terminei os 100 dias de textos, me despedi contente: tamo quase. Isso foi há exatos 183 dias. Agora, segundo algumas manchetes, estaríamos nos preparando para uma terceira onda. A vacina começa a ser distribuída na Espanha nas últimas horas de 2020, no dia 27 de dezembro, priorizando profissionais de saúde e grupos de risco. Vamuvê.

Mas é Natal, gente. E a fofolização pollyanística-positivista do cotidiano está por toda parte, como um manifesto contrário ao desânimo. Vamos então vestir nossos melhores pijamas e clicar no convite do zoom de família com uma sidra de Astúrias na mão. Celebremus.

 

As vitrines festivas aqui seguem coalhadas da coronamoda de homewear, comfortwear, vamotodomundoviverdepijamawear. Compremos roupas fofiñas, pois. Nunca o presente clássico da vó fez tanto sentido. Celebremus, celebremus.

Fotos de Instagram mostram gente rrrrica/enfeitada/rosada em casa, com cara de gozo ou felicidade margarina, entre móveis novos da Ikea e paredes caiadas de branco pra dar aquele astral no claustro. 2020 nas redes sociais tem tanto filtro e producción que me olho no espelho e digo: joder, é só isso? Quedê os corazones flutuando sobre minha cabeça?

Como se todos fôssemos profissionais liberais felizes da vida com empregos bem pagos e firmefortes durante a pandemia, vivendo em castelos de mostruário da Casa Vogue, sem deprê, sem histeria íntima, sem saco cheio porque, né, POSITIVIDADE, GENTE.

As propagandas de peru, jamón, celular, panetone, caldo ki-norr mostram famílias reunidas, aconchegadas entre vapores de panelas e pratos quentinhos. Sim, eu sou véia e algo queixosa, mas ainda vejo manteiga no pão e acho que a vida é pra sempre.

Javier Bardem no filme “Jamón, Jamón”, de Bigas Luna, entre jamones jamones, só porque sí (Divulgação)

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É 2042. Ano da 1347589701a cepa do vírus, aquele que há pouco mais de duas décadas começou como uma coceirinha.

E é Natal. Sempre haverá Natal. Este ano, sem peru, que os perus se extinguiram em 2025 por conta da variação 12382780 do vírus. Agora a onda é comer mini codornizes GMO, que podem ser criadas em casa.

Voltando às pombas. Naquele longínquo dezembro de 2020, eu deveria ter gritado: “FOGOO!!”. Ou: “VAI FICAR TUDO BEM, GENTE!”

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As crias são o pecado do corazón https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2020/11/20/as-crias-sao-o-pecado-do-corazon/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2020/11/20/as-crias-sao-o-pecado-do-corazon/#respond Fri, 20 Nov 2020 23:16:25 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/heart-in-space-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=328 ILARILARIÊEEE O OOO OOOOOO…

Eu tava concentrada na cozinha preparando uma espécie de pseudoratatouille experimental com mirtilos e riquíssimas azeitonas negras de Aragón, umas miudinhas que tradicionalmente são curtidas no próprio azeite com ervas bruxísticas, quando escutei a Xuxa na sala de casa.

Corri pra ver e dei com meu compañero de apê catalão e sua namorada peruana olhando extáticos a tevê.

Foi só aí que comecei a entender que quase todo mundo no mundo mundial criado entre os 1980s e 1990s sabe cantar e pular com a turma da Xuxa. Famosa do Peru à China. Sorry, cheguei tarde nessa grande verdade da vida.

Faço um teste, mostro pro namorildo español e ele completa a letra: es la hora, es la hora… [insert minha cara de estupefação].

Pois falando em hora, já levamos quase um mês aqui na Espanha vivendo com toque de recolher todos os dias.

O governo central estipulou o padrão nacional mínimo de 23h a 6h, mas as comunidades autônomas podem personalizar suas medidas.

Tudo numa tentativa de frear a tal Segunda Onda, que levou o país a um ápice de contágios superior ao da Primeira Onda em poucas semanas depois do verão (brazilêros do meu corazón, contemplai o que vos espera, ficai em casa!!!).

Nas ruas de Barcelona, a partir das 22h, 23h num tem nem ratazana dessas gordas alienígenas que às vezes aparecem no centro. Os bares e restaurantes seguem fechados até segunda que vem (23). Así que estar fora de casa perto do curfew (ou depois, se tem justificativa) é uma experiência, eeehr, transcensubdental.

Outro dia eu voltava pra casa e, como faço muitas vezes, peguei um caminho alternativo (gosto de ir variando rotas). Silêncio. Ninguém. Ventava. Notei demais o cimento monocromático na calçada, as luzes dos postes listrando meus passos, a pulsação nas têmporas.

As persianas de ferro, as placas de “aluga-se” ou “passa-se o ponto” e os letreiros apagados cintilavam em negativo: uma cidade apagada, desenchufada, que alguém tirou da tomada. As casas caladas, as esquinas desertas. Pela primeira vez desde meus primeiros tempos em Barcelona, senti um certo medo de estar na rua àquela hora.

Olhei o relógio: eram exatamente nove-e-quarenta-e-dois da noite de uma terça-feira.

***

Segunda onda é pros fracos, aqui tão falando da terceira ou quarta no ano que vem.

Com o fechamento de estabelecimentos e, principalmente, com o toque de recolher, que por enquanto segue valendo por tempo indeterminado, o quadro de Covid espanhol lentamente começa a melhorar. De novo.

Eu fico pensando que deve ser mau sinal: sinal de que, enquanto não houver vacina, nos espera um vai-y-volta de medidas restritivas.

Neste Natal só poderemos nos reunir em grupos de até 6 a 10 pessoas de convívio próximo (tá, tá). E, no Ano Novo, todo mundo vai ter que estar em casa às 22h.

Ontem à noite eu parei (outra rota…) diante de uma vitrine de loja com uma decoração de Natal tão gritantemente caprichada, com ursinhos e luzes e bolotas coloridas e delicados laços em rosa antigo sobre pinheiros nevados, que me deu uma grande conmoción.

Lembrei de uma cena longínqua. Num bar.

Tomando um verdejo. Acho que foi no mesmo dia desse causo. No banheiro, topo com um senhor andaluz um tanto borracho (aka bêbizdo). Não encontro o interruptor. E ele me diz, calmamente:

— Hay que buscar con el corazón, hija.

Es la hora, es la hora…

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‘Melhor estocar papel higiênico outra vez’ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2020/10/09/melhor-estocar-papel-higienico-outra-vez/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2020/10/09/melhor-estocar-papel-higienico-outra-vez/#respond Fri, 09 Oct 2020 15:11:56 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/pierro-o-olho-que-olha-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=231 Ultimamente, considerando a nova onda de contágios de Covid que assola a Espanha, caí numa moda pessoal de perguntar a todo mundo o que pensa que vai acontecer adiante, corongamente speaking. Interessantes, pitorescas respostas.

Minha ginecologista, hospital público, amabilíssima, de origem colombiana, me conta que o confinamento afetou as mulheres hormonalmente, e muito, com menstruações descontroladas, fluxos alterados, cistos e miomas inéditos.

“Pode ser minha impressão, mas acho que virão mais alterações hormonais com o inverno”, diz. “O estresse impacta muito a saúde hormonal”. Alguém aí se identifica?

A senhora no mercadão diante de casa, cabelo grisalho de corte impecável, óculos de aros de tartaruga embaçando sobre a máscara: enquanto nós duas escolhemos calças de inverno vendidas por um rapaz indiano a 5 euros (vivemos na Espanha uma prolongada época de liquidações) e damos pitacos mútuos sobre estampas, ela comenta, “se a gente não sabia que ia vir tudo isso, como vamos saber o que virá?”.

Fiquei sem resposta. Isso seria o quê, reflexão neo-anti-proto-pós-fenomenológica? Muito avançado pro meu nível ticoeteco.

O indiano, entrando na conversa: “vai ser complicado, foi complicado, já tá complicado”.

Eu pensei em replicar algo na mesma linha, com melodia, ritmo e contundência esfíngica, mas, cantoira que sou, só me ocorreu cantarolar baixinho: “isso aqui, ôoooo…”.

Isso foi hoje, há minutos. Dia de sol, brisa fresca, princípio de outono.

Outro dia, no caixa de uma loja da Zara no centro de Barcelona, a funcionária pergunta: “qual é o seu código postal, senhora?”.

Me chamou de senhora, quase não quis responder, seguindo meu instinto de negação. Quando eu afinal lhe disse, perguntei por que pedia essa informação. Ela me explicou que era pra um estudo sobre o perfil de cliente que estava frequentando as lojas pós-confinamento.

Señoras y señores, tomem nota de que estamos falando da principal marca da Inditex, grupo do mogul espanhol Amancio Ortega, um dos hômi mais ricos do mundo. Mais exatamente, o quinto mais rico do planeta, segundo a Forbes, à frente do Zuckerberg.

“Y qué? Deixa ver se eu adivinho: os clientes são todos locais, nenhum turista”, repliquei. Ela faz um meneio afirmativo de cabeça e nos entreolhamos, com o olhar significativo e cúmplice de boca torcida dos que atravessamos uma quarentena prolongada e seguimos passando bombril na armadura montada no armário, à espera de novas batalhas.

O enfermeiro de um importante laboratório de análises clínicas, um rapaz jovial y alegre com gorrinho de estampa de ursinho (suponho que pra acalmar os ânimos dos “nens” (crianças, em catalão) que vêm enfiar palito no nariz pra fazer PCR), me diz: “tenho feito cada vez mais testes de Covid. Sobre o que nos espera, eu diria: melhor estocar papel higiênico outra vez”. E rimos. Fazer o quê.

Meu compañero de apartamento: “por via das dúvidas, já encomendei uns pesos e faixas elásticas pra gente não engordar no inverno”. A gente passou todos os meses de confinamento domiciliar este ano fazendo exercício de iutubi em casa. Ficamos super em forma, mas quando pudemos sair de casa de novo no verão muy rapidamente ganhamos uma barriguiña.

Um amigo catalão, advogado, meio niilista (como alguém pode ser meio niilista, Susana) e recém-recuperado de coronavírus, trabalha em um projeto de recepção de refugiados na prefeitura de Barcelona: “ora, vamos todos morrer, claro” –vaticinou.

Depois, mais convencional: “creio que a coisa vai estar complicada de novo até a primavera, com altos e baixos e semanas com mais ou menos restrições em função dos contágios… uma m****. Definitivamente, não poderemos fazer planos pra nada. Mas é falar por falar, porque não tenho ideia. Sou um enorme ignorante”, termina, algo pândego, algo sério.

E um amigo argentino, vivendo há milênios na Catalunha, lutando com sua garra e marra pra manter um pequeno bar que os amigos frequentamos pra estar e apoiar: “‘xxo’ sei lá como será, mas durante o confinamento em casa joguei fora os espelhos, e agora vivo sozinho”.

Você num tá vendo, mas ele termina a frase com um olhar de pupilas tinindo/reluzentes e um sorrisinho sábio de saca-só-essa-frase-que-genial.

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Madri entra em confinamento a partir desta sexta (02) https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2020/10/02/madri-entra-em-confinamento-a-partir-desta-sexta-02/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2020/10/02/madri-entra-em-confinamento-a-partir-desta-sexta-02/#respond Fri, 02 Oct 2020 23:02:44 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/Puerta-del-Sol-Madri-por-David-Canales-@d4v1dfotos-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=198 A partir das 22h desta sexta-feira (02), Madri entrará em um confinamento parcial.

A capital espanhola e 9 municípios dos arredores se encaixam nos novos critérios para confinamento divulgados pelo governo central nesta quinta (01) com o objetivo de conter a segunda onda de contágios no país.

Basicamente, o isolamento “perimetral”, como se vem chamando aqui, será imposto a todos os municípios espanhóis onde, simultaneamente, os casos ultrapassem os 500 por 100 mil habitantes na última quinzena; pelo menos 10% dos testes de PCR sejam positivos; e mais de 35% dos leitos de UTI estejam ocupados por pacientes de Covid.

Madri responde atualmente por mais de um terço dos quase 134 mil novos casos diagnosticados no país nas últimas duas semanas, e apresenta uma taxa de 780 casos por 100 mil habitantes. Além da capital, serão confinados outros 10 municípios da Grande Madri.

DESLOCAMENTOS LIMITADOS

A Espanha é o segundo país europeu com mais casos de Covid até hoje, atrás apenas da Rússia. É seguida por França, Reino Unido e, lá atrás, a Itália, com “apenas” 317 mil casos até o dia de hoje, menos que a metade dos casos espanhóis, segundo contas do Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças.

Lembrei da conversa com uma italiana de Turim outro dia. “Nós, italianos, somos super passionais e tal, mas, olha só –conseguimos sobreviver ao verão e estamos bem”. Bom pra vocês, amici.

O novo confinamento não é domiciliar, como durante o estado de alarme, mas seletivo: somente permitirá deslocamentos entre municípios por motivos de trabalho, saúde ou estudos. Por qualquer outro motivo, somente dentro da própria cidade de residência, e seguindo as regras sanitárias já vigentes, como o uso obrigatório da máscara.

De resto, reuniões, só de até 6 pessoas, como já valia em Madri desde princípios de setembro; e comércio, bares e restaurantes voltarão a fechar entre 22 e 23h, com lotação máxima de 50%.

Homem é submetido a teste PCR, rodeado de enfermeiros e assistentes
Teste de Covid num centro cultural do bairro popular de Vallecas, um dos mais afetados pela pandemia e submetido a isolamento parcial em setembro de 2020 (Sergio Perez / Reuters)

No papel, muy bonito, mas os problemas e dúvidas são muitos, especialmente em uma cidade populosa como Madri, capital econômica da Espanha e ponto de convergência ou passagem de inúmeras rotas aéreas e terrestres europeias.

Por exemplo, como controlar a entrada e saída da população flutuante? E como aplicar sanções aos desobedientes?

As medidas recém-publicadas serão analisadas pelo Tribunal Superior de Justiça de Madri, o qual estabelecerá as multas em caso de descumprimento. Os valores poderão oscilar entre 600 e 600 mil euros.

Outra grande dúvida é o que fazer com os turistas, tanto nacionais quanto estrangeiros. Até este momento não existe posicionamento oficial a respeito.

Um cidadão espanhol de um município confinado não pode visitar Granada ou Barcelona, mas pode pegar o avião pra ir passear em Paris?

Ou: um turista estrangeiro poderá entrar em Madri? A julgar pelas novas regras, a resposta seria não. Mas, como agora mesmo as fronteiras espanholas não estão fechadas, tecnicamente não se pode impedir a entrada de visitantes.

DIVERGÊNCIAS

Além de dúvidas, as novas medidas, junto com a situação crítica do país, vêm servindo de lenha para atritos políticos.

A polêmica mais pitoresca da semana aconteceu durante sessão do plenário nesta última quinta (01), quando Madri foi chamada pela oposição de “Chernobyl da Europa”, em alusão ao crescimento exponencial de contágios. O caso gerou reações na internet e até um comentário do criador da série “Chernobyl”, da HBO.

Desde o início da pandemia, em março, os embates entre Madri e governo central vêm acontecendo na mesma nota: enquanto o primeiro defende uma abertura econômica imediata, com medidas amenas de segurança sanitária, a política do governo central vem priorizando a saúde.

“Madri é especial porque a saúde de Madri é a saúde da Espanha”, resumiu o ministro da Saúde, Salvador Illa, em entrevista coletiva na última quarta-feira (30).

No mesmo dia, Ayuso declarou: “estamos nos arruinando, temos que buscar fórmulas intermediárias criativas. Madri não pode se confinar”.

Mas a definição de “fórmulas intermediárias” também é complicada. Vide as medidas restritivas impostas há duas semanas pelo governo local a 45 áreas sanitárias de Madri –não coincidentemente, foram afetadas as zonas mais pobres, o que gerou protestos da população.

Com o novo confinamento imposto pelo governo central, deixam de valer a partir de hoje as restrições por áreas sanitárias.

O governo de Ayuso apresentou um recurso contra a nova resolução do governo central. Até sair uma decisão judicial, porém, acatará as medidas.

 

To be continued…..

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Quando a política encontra a HBO https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2020/10/02/quando-a-politica-encontra-a-hbo/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2020/10/02/quando-a-politica-encontra-a-hbo/#respond Fri, 02 Oct 2020 22:55:07 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/Chernobyl-e-Ayuso-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=207 Confesso, sou meio marota.

Adoro uma briguinha esotérica em redes sociais, dessas que geram zil memes e gifs animados. Especialmente se é pra realçar o absurdo de certas situaciones.

Com a segunda onda de coronacontágios crescendo alucinantemente na Espanha e a capital Madri prestes a ser confinada de novo a partir da noite de hoje (02 de outubro, pouco mais de uma semana depois do início do outono), os ânimos políticos por aqui estão acirradíssimos, as emoções, tocadas. Eu entendo, eu entendo. Tamo sensíver.

Pois o mais recente trending topic nacional embebido em tais sentimentos nasceu nesta última quinta (01) de um cruzamento de coronavírus com a série “Chernobyl” da HBO, e gerou resposta até do criador da série.

“A CHERNOBYL DA EUROPA”

Fato importante: a Grande Madri responde agora mesmo por mais de um terço dos quase 134 mil novos casos de Covid das últimas duas semanas, com uma taxa de 780 infectados por 100 mil habitantes.

Em sessão no plenário nesta quinta (01), o porta-voz do Más Madrid, partido centro-esquerdista de perfil jovem, atacou o governo de Madri encabeçado por Isabel Díaz Ayuso, chamando a cidade de “a Chernobyl da Europa”, em alusão à situação dramática vivida atualmente pela capital espanhola.

Em seu discurso, comparou a “negligência com que se gestionou o histórico acidente nuclear” à suposta má administração da crise por parte da governadora de Madri Isabel Díaz Ayuso –e aproveitou pra recomendar aos circunstantes a premiada série homônima da HBO.

(vixe)

Ayuso, filiada ao direitista PP, causou fricassê nacional com a resposta, em que bota a culpa nos, errr, comunistas: “Chernobyl nos demonstra como um sistema corrupto em mãos do comunismo levou à morte e destruição por ocultação. Chernobyl não aconteceu em Madri, aconteceu governada (sic) por vocês”.

((adoro fricassê))

O PP, que tem aproveitado qualquer oportunidade pra colar no governo central (formado pela coalizão de esquerdas de PSOE e Podemos) os rótulos de “comunista”, “chavista” e similares, curtiu tanto essa declaração da Ayuso que retweetou depois em sua conta oficial, impávido e confiante em sua Razão Imaculada.

“NÃO ENTENDEU NADA”

Desse tweet do PP brotou um thread com comentários de todo tipo, ainda em profuso processo de propagação (PPP).

O mais badalado comentário vem do próprio criador da série “Chernobyl”, o norte-americano Craig Mazin, que declarou, simplesmente: “Está claro pra mim que ela não entendeu o ponto da série”.

Não entendeu e, aliás, não viu: Ayuso declarou que não tem “tempo pra ver séries de televisão” como seu interlocutor do Más Madrid, que, segundo ela, “não faz outra coisa a não ser dar lição de moral do sofá de casa”.

A TUMBA DE LORCA

Não é a primeira vez que as pendengas ibéricas cruzam com séries da HBO.

Em agosto, a conta de Twitter de David Simon, criador de “A Escuta” (“The Wire”), foi inundada por 180458170 comentários de usuários espanhóis depois que o vice-presidente Pablo Iglesias tweetou sua opinião sobre a nova série do autor intitulada “The Plot Against America”, sobre a escalada do nazismo nos Estados Unidos pós-Roosevelt. No tweet, ele citava o autor.

Iglesias foi em seguida devorado por sua plateia de amantes e detratores, como de costume –ele é um dos sacos de pancada favoritos dos trolls antigoverno de plantão.

Já Simon, notoriamente um cara de gênio, digamos, fuerte, ao receber a colateral saraivada de comentários vindos da Espanha, disse: “meu feed está cheio de franquistas e catalanistas gritando entre si em línguas que não são a minha. Ok. É 1937 de novo. Fuck the fascists. No pasaran (ele quis dizer “não passarão”, mas disse “não passaram”)”.

Sei lá, super American essa declaração, ain’t it?

Em resposta a algum usuário, Simon defendeu Iglesias (que até então não sabia quem era, alegando que “nos EstadosUnidosdaAmérica, nós mal nos detemos pra relembrar nossos primeiros vice-presidentes”), dizendo que sua opinião sobre a série “faz sentido”.

E disparou adiante: “depois de 72h de jogação-de-m**** com trolls espanhóis direitistas, ganhei 9 mil novos seguidores do outro lado do oceano, ávidos por mais conversa de m**** sobre a Guerra Civil e a tumba de Lorca. Agora, vão ter que aguentar comentários sobre orçamentos do serviço postal e lances do Baltimore Orioles [time de beisebol]”. Auch.

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