Normalitas https://normalitas.blogfolha.uol.com.br Espanholices, maravilhas do ordinário, brotos de brócolis Sat, 04 Dec 2021 00:01:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Uvas, máscaras, vacina: qual delas poderá (realmente) conter o vírus? https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/11/19/uvas-mascaras-vacina-qual-delas-podera-realmente-conter-o-virus/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/11/19/uvas-mascaras-vacina-qual-delas-podera-realmente-conter-o-virus/#respond Fri, 19 Nov 2021 21:14:57 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/grapes-3696472_1920-1-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=1175 Estamos, eu e ela, observando-nos em silêncio. “Que merda”, consigo dizer.

A tia. De apenas 45 anos. Saudável, sem nenhum problema anterior de saúde. Faleceu. De Covid.

A conversa é especialmente triste porque estamos a um oceano de distância de entes queridos. Os seus, em Minas; os meus, em São Paulo. A saudade e a sensação de impotência são sintomas pandêmicos comuns entre nós, imigrantes que, por escolha ou destino, deixamos o nosso país e, com ele, parte de nossa família –pelo menos até a próxima viagem.

***

Well, well, enquanto isso, eis que o coronavírus está botando suas proteínas de fora na Europa mais uma vez.

E uma das perguntas que não quer calar é: será a vacina realmente suficiente para conter uma sexta-sétima-nonagésima onda de contágios?

Embora, por enquanto, os epicentros do novo surto sejam países como Áustria e Alemanha, a Espanha, que já desfilou pelo Top 5 covídico mundial, começou também a monitorar mais de perto o comportamento pandêmico em seu território.

Verdade que cabem 17 Espanhas no território brasileiro, e comparações seriam simplórias. Mas, em dimensões relativas, a Espanha não deixa de ser o quarto maior país da Europa, e o contraste no ritmo de contágios conforme a região é grande.

Ruas de Barcelona no verão, julho de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

País Basco e Navarra, por exemplo, apresentam as maiores incidências acumuladas do país nos últimos 14 dias, com 214 e 315 casos por 100 mil habitantes, respectivamente.

Em contraste, Madri, que, com Catalunha, liderou o ranking nacional de contágios durante o primeiro ano da pandemia, tem agora mesmo 93 casos por 100 mil habitantes (Catalunha, 155 por 100 mil, exatamente no limiar estabelecido como preocupante pelas autoridades sanitárias).

À parte as diferenças regionais, há uma tendência geral de aumento de casos. A média nacional atual é de 112 casos por 100 mil habitantes, e houve um aumento de 19% de hospitalizações por Covid só na última semana.

Fila da vacinação diante do Hospital Sant Pau, em Barcelona, julho de 2021 (Susana Bragatto / Folhapress)

Uma certa alta de casos é esperada devido à temporada de inverno. Segundo um porta-voz da OMS, a Espanha estaria sendo “poupada” de cenários mais dramáticos por conta dos bons índices de vacinação (79% da população com a pauta completa, e agora alguns grupos de risco partindo pra uma terceira dose), o uso da máscara (apesar de não ser mais obrigatória nas ruas, muita gente ainda usa, e todos estamos obrigados a utilizá-la em ambientes fechados) e o clima ameno, propício para uma vida mais outdoors mesmo em temporadas frias.

Mas a situação europeia pede cautela. Ultimamente, como em outras partes, é comum ver imunologistas e técnicos do governo espanhol afirmando que a imunização pelo duplo shot de vacinas pode não ser suficiente para conter o avanço do vírus.

Dá o que pensar: a Catalunha acaba de divulgar que 64% dos hospitalizados atualmente por Covid são gente imunizada com a pauta completa (em contraste, o índice nacional de imunizados hospitalizados por Covid atualmente é de 40%). A região já vacinou completamente 77% da população.

Os bascos, com 81,7% da população vacinada e o maior índice acumulado de casos da Espanha, estão se preparando judicialmente para impor o passaporte Covid em atividades de ócio a partir da semana que vem, como já vêm fazendo comunidades como Galícia e Catalunha.

Isso significará a obrigatoriedade de apresentar o certificado de vacinação ou teste negativo para ter acesso a atividades culturais, concertos e bares ou restaurantes com mais de 50 pessoas.

Reabertura dos bares e restaurantes durante o verão 2021, Espanha (Susana Bragatto / Folhapress)

Enquanto o frio vem chegando e os dados vão subindo, tem gente preocupada se perguntando como serão o Natal e o Réveillon 21-22 –incluindo o comércio e o setor hoteleiro, combalidos após um ano e 9 meses de luta contra o vírus.

Por enquanto, só digo que a celebração máxima, epítome da cafonice indispensável de anus novus –a contagem das 12 badaladas na Puerta del Sol, a praça mais importante de Madri, transmitida em cadeia nacional –está garantida.

Quer dizer, não tem nada garantido nessa vida. Mas, seja lá como for, em alguma dimensão das 18047880897 estelares existentes, lá estaremos na nochevieja com a tevê ligada, vendo apresentadores embrulhados em lamê com suas taças de espumante ciciando amenidades enquanto esperamos com as 12 uvas verdes no pratiño –uma pra cada gongada. Pra dar sorte. Muita. Que desta vez vai.

 

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Espanha se prepara para o fim do estado de emergência https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/04/09/espanha-se-prepara-para-o-fim-do-estado-de-emergencia/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/04/09/espanha-se-prepara-para-o-fim-do-estado-de-emergencia/#respond Fri, 09 Apr 2021 21:43:02 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/vacuna-aniol-yauci-low-res-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=650 Hoje foi dia de injeção, bebê.

Não a vacina (Pfizer, Moderna, AstraZeneca ou, em breve, a Janssen, segundo o voo dos passarinhos do dia), mas minha injeção mensal anticâncer tamanho bondedotigrão na barriga (pitorescagens de uma paciente em remissão).

Chego no posto de saúde 20 minutos antes da minha hora, fila única dobra o quarteirão. Estamos em plena campanha de vacinação anti-Covid na Espanha. Mais da metade dos enfileirados, idosos.

Uma senhora de cabelo acaju penteado pra trás, brinco bolota dourado e gola rulê se emparelha comigo, ombro com ombro. Podia ser uma cameo em Perdidos no Espaço, aquela série dos 1960s. De máscara etc.

Ela tá que tá. Grita na minha orelha e pro senhor de trás: NÃO SEI PRA QUE É ESSA FILA! NÃO QUERO IR PRO FINAL! VOU FICAR EXATAMENTE AQUI! “SENHORA, as distâncias mínimas, SISPLAU!!! [aka por favor, piedade e comiseração, no meu catalão brasicantado]”, imploro. Hoje tô da pá virada. Senhora, adorei tua gola rulê, mas… que te mato.

No quarto andar, de consultas gerais, mais fila. A recepcionista retruca a um casal de idosos embrulhados em seus casacos felpudos verde-e-vermelho: NÃO, SENHOR, SE NÃO TOMAR A VACINA AGORA, SABE DIOS QUANDO VAI TER OUTRA OPORTUNIDADE! TÁ CERTO? –em voz megafônica, que é pra TODOS NÓS ENTENDERMOS, TÁ.

Desconfio que o velhiño não queria tomar a vacina da AstraZeneca.

Minha enfermeira ídola, Lola, não está. Foi recrutada para a campanha. Um enfermeiro inédito me atendeu. Pegou a caixa com a monstroagulha, revirou com cara de que-p-é-essa (já vi essa cara antes, hoje em dia relevo entrego aceito confio). Saí de lá com dor pra caminhar e estou presentemente escrevendo com minha pança latejando. Poha.

Na saída, ouço en passant a conversa de um casal bastante idoso, ele alisando a cabeça grisalha dela na cadeira de rodas, o gesto mais bunito dessa manhã primaveril: “Albert, não me sinto bem”. “Não pode ser, querida; acabaram de te vacinar. Calma, tranquila…”.

***

Esta semana, o premiê espanhol Pedro Sánchez (por sinal, em franco ritmo de campanha eleitoral) não só garantiu a vacinação de 70% da população até o final de agosto (até o momento, apenas 3 milhões de espanhóis, ou 6,38% da população, recebeu as duas doses), como confirmou que o estado de emergência que vivemos no último ano será finalmente suspenso dentro de um mês, em 9 de maio.

Isso significa que poderemos nos mover intraterritorialmente e não haverá mais o toque de recolher dos últimos seis meses. Cairá por tierra também a possibilidade de limitar os números de pessoas em grupos, mesas de bar, festas. Aix.

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O prazo indicado pelo governo espanhol para termos a maioria da população (33 milhões de pessoas) vacinadas coincide com o final do verão europeu.

Até lá, imagino infelizmente que teremos umas tantas oportunidades de zoar o esquema, talvez provocando picos cíclicos de contágios como tivemos nos últimos meses, embora não tão vertiginosos.

Lembrando: o primeiro, pós-verão do ano passado, quando pensávamos que a pandemia já era página virada; o segundo, pós-reabertura, em novembro; o terceiro, depois das festas de fim de ano. E, agora, estamos vendo um ligeiro aumento de casos pós-Semana Santa, quando o país flexibilizou temporariamente o confinamento de fronteiras.

Esta semana, na província de Madri, um índice médio acumulado de 324 casos por 100 mil habitantes foi suficiente para classificar a área como de risco extremo. Medidas restritivas serão prorrogadas em pelo menos 15 zonas sanitárias e 7 municípios, de onde os habitantes só poderão sair por justa causa nos próximos 15 dias.

Mas, brazilêros combalidos de mi cuore, notem bem a diferença em relação a um certo gigante adormecido: toda essa cautela e caldo de pollo se arma diante de uma taxa de 16 falecidos em Madri nas últimas 24 horas (149 no país inteiro) e uma ocupação de 20,48% dos leitos de UTI espanhóis.

As medidas restritivas supracitadas afetam na prática 6,4% da população madrilenha, ou pouco mais de 400 mil pessoas. Madri, junto com Ceuta e Melilla, são as únicas localidades espanholas onde os casos permanecem acima de 200 por 100 mil habitantes.

***

Mas há quem esteja meio indignado. Afinal, começam a chegar na Espanha os primeiros turistas internacionais — alemães, ingleses e franceses, principalmente — e, enquanto eles podem mais ou menos flanar livreslevessueltos pelo território, estamos todos aqui jogando o jogo da casinha e chupándonos los dedos.

Em Barcelona, ainda vivendo a vida restrita com toque de recolher e outras limitações, sinto um clima tímido de abertura. Recebo uma agenda cultural da cidade no meu inbox. Pela primeira vez, percebo que predominam atrações presenciais. “Avança a vida e, com ela, avança a arte”, canta o editorial. Aye, que poético.

 

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Nem lembro mais como é estar fora de casa depois das 22h, sem correr pra chegar em casa, sem um certo receio de caminhar pelas ruas escuras e desertas. Que emoção. E, porque são tempos conflitivos, que aflição.

“Saímos prematuramente aos balcões, lotamos os braços de novos livros, recitamos de memória versos e nos despertamos sonhando com canções que ainda não conhecemos”, encerra o editorial da mais recente agenda cultural de Le Cool Barcelona. “Abril: será bom para todos?”. Veremos…

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A terceira onda e a frutinha embriagante https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/01/15/a-terceira-onda-e-a-frutinha-embriagante/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2021/01/15/a-terceira-onda-e-a-frutinha-embriagante/#respond Fri, 15 Jan 2021 21:34:59 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/el-oso-y-el-madroño-maria-castellano-menor-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=459 Nããããooooo!
Eu quis des-ler, mas não deu.

Esses dias, em meio a notícias sobre a voluptuosa frente fria que cobriu a Espanha de branco e imagens de españoles fazendo guerrinha de neve em Madri…

Eu vi cozóio que a terra há de transformar em tomatiños cherry.

Em caixa alta, em manchetes de todas as cores, a expressão fatídica, até pouco tempo atrás mera quimera: LA TERCERA OLA (a terceira onda).

Só eu que penso sempre no Pedro e o Lobo (versão truncada on acid)?

Pausa pra um pouco de neve e um cão feliz na Puerta de Toledo, em Madri, janeiro de 2021 (Reprodução / David Canales)

Taí. De um dia pro outro, alguém decidiu que a Espanha vem vivendo a Terceira Onda da pandemia desde o Natal, quando o afrouxamento do protocolo anticovidiano teria favorecido a expansão do vírus.

Nem a vacinação, que começou no último dia 27 de dezembro, pode (por ora) conter o que já virou cíclico: expansão de contágios > colapso de hospitais > samba do crioulo doido de restrições novas a cada semana/10 dias/2 semanas, quase sempre anunciadas de última hora > incerteza, teorias, protestos, mais manchetes > rinse, cry, repeat.

Quanto à nova mutação “britânica” do vírus, não só chegou ao território español em sua forma “importada” como já foram detectados casos autóctones, sem vínculo epidemiológico com o Reino Unido. A Mais Nova Teoria Provisória sugere que essa nova cepa circula entre nós há pelo menos um mês.

Zaragoza coberta de neve (Reprodução / Nerea Peña)

No entanto, são muito poucos os britCovid detectados até agora, mormente graças a uma feliz descoberta: um kit de PCR da marca Thermo Fischer que indica resultados (positivos) diferentes segundo a mutação do vírus. Portanto: a culpa da Terceira Onda Espanhola é de-nóis-mermo, não da cepa 70% mais contagiosa dos brexitados.

Assim, pelo menos até final de janeiro, seguimos sem bares e restaurantes a partir das 15h30, muitos comércios fechados, toque de recolher e confinamentos perimetrais. É o lobo, é o lobo.

***

Mudando de bicho: lembrei da história sobre a frutinha alcoólica do Mediterrâneo por causa de uma foto que vi hoje.

Mostra a famosa escultura conhecida como “El Oso y el madroño” (o urso e o medronho), símbolo heráldico de Madri, afincada na praça da Puerta del Sol, a mais importantchi da cidade. No caso, rodeada da neve assaz inusual dos últimos dias.

“El oso y el madroño”, escultura de Antonio Navarro Santafé. Puerta del Sol, Madri, janeiro de 2021 (Reprodução / David Canales)

Há quem afirme que o urso na realidade é uma ursa, símbolo de fortaleza e fertilidade. Poderia inclusive ser uma referência à constelação da Ursa Menor, por conta das 7 estrelas na bandeira de Madri. Até manifestação feminista já houve pra redefinir o sexo do urso, que, por sinal, permanece escondido debaixo do basto pelo metálico.

Quanto à frutinha comida pel@ urs@, é parente das “berries” e colore os bosques mediterrâneos ibéricos durante as estações frias.

Conhecida pelo menos desde a Antiguidade (com um possível “cameo”, por exemplo, na história dos doze trabalhos de Hércules, quando ele mata o gigante Gerião e o sangue deste se transforma num arbusto de frutiñas madroñeras), até hoje é popularmente utilizada para preparar licores, sidras, vinhos, vinagres, “salsas” e marmeladas.

Madroño in natura (Reprodução)

Durante a Idade Média, o madroño (que em português de PrutugaL se chama MEDRONHO ಠ‿ಠ ) se popularizou por suas propriedades medicinais. Naquela época, diziam que podia curar até a peste. Hoje em dia, estudos incipientes indicam que pode ser legal pra prevenir doenças cardiovasculares, por exemplo.

No século 20, deixou de ser vendida em mercados. Agora o lance pra encontrar o madroño (vaya nombre danado) é basicamente se aventurar no mato entre setembro e dezembro.

Vi meu primeiro arbusto de madroño durante um passeio pelos bosques de Sant Mateu, perto de Barcelona, no “Parc de la Serralada Litoral”. Eu, o namorildis e um amigo paramos maravilhados (ok, eu) diante de um arbusto pintadim de vermelho naquela tarde dourada outonal (ah: o madroño é um dos poucos bichos plantíficos que pode dar flor e fruto ao mesmo tempo, um esplendorrr).

Meu amigo, um italiano do norte muy blasé e Sabido em Cultura Popular, comentou: dizem que comer demais essa frutiña dá enxaqueca e embriaga. Passou por nós uma mulher com cara de This Bosque Is Mine, que nos disse: que nada, podem comer sem miedo!

Posso atestar que não fiquei bêbzda, infelizmente. Mas depois soube que a fama é real: o fruto do madroño começa seu processo de fermentação alcoólica ainda na árvore, e quando a gente come já virou mezzo cachaça-de-frutinha.

Daí seu nome em latim: Arbutus unedo, de “unum edo” –comer um só. Ou alguns de seus apelidos mundão afora, como “borrachines” (de “borracho”, bêbado). @ urs@ de Madri, señoras y señoretes, está bêbad@, bêbad@ de frutinh@s silvestres…

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As cores da memória e um pouquito de Almodóvar https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2020/11/27/as-cores-da-memoria-e-um-pouquito-de-almodovar/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2020/11/27/as-cores-da-memoria-e-um-pouquito-de-almodovar/#respond Sat, 28 Nov 2020 00:05:54 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/Brett-Jordan-picnic-50s-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=337 PRÓLOGO: na varanda de casa, com meu fiel flatmate, observando a coleção de pássaros não-identificados e gaivotas cruzando o céu nublado de Barcelona. De repente, vem o sol… e a chuva.

Eu explico pra ele nosso ditado, que, por sinal, sempre deixa os espanhóis meio petrificados: “cómo así, casamiento de español?”. E aprendo que, na Catalunha, a trovinha goes: “Plou i fa sol, les bruixes es pentinen” — [quando] chove e faz sol, as bruxas se penteiam (na canção infantil completa, as bruxas também se vestem de luto e põem um ovo. Enciclopédias transcendentais do mundo, uni-vos!!!).

Mil teorias de uma singela manhã de quinta-feira se seguiram. Agora, sempre que houver chuva-e-sol, vou lembrar das bruxas penteadas botando ovo no casamento do espanhol.

***

Não sei vansmecezes, mas a memória afetiva pra mim tem uma brisa, ou mió, uma paleta de tons muito particular.

E porque essa paleta é meu cafofo quentinho do passado fantasiado y reimaginado, me transformei numa voyeur vampiresca de álbum de família alheio.

Sou ávida devoradora de instantâneos (ou, com sorte, super8s, polaróides e afins) da família, dos amigos, dos pais dos amigos, dos avós dos primos dos amigos, dos dias de anteontem.

Por trás da minha tara, creio que busco signos da minha infância entre os 1980s e 1990s ou anteriores, cores estouradas, entardeceres granulados, costeletas gigantes, calças bocas de sino, longos cabelos lisos balouçados por uma brisa de eternidade, olhares felizes de quem já não está, um tempo que não avança, protegido-uterino.

Praia de Els Balmins, Sitges, Barcelona (Felipe Bueno / reprodução)

Minha mãe era fotógrafa. Teve estúdio de foto no centro de Sumpaulo, por onde passou muita gente –eu vejo ela meio que como testemunha ocular da história. Chegou a tirar 3×4, sei lá, do Lima Duarte quando veio pra SP ser arxtista. E outras quantas histórias.

Quando eu era criança, ela tirava foto de mim e dos meus irmãos usando um caixote esquisito. Às vezes deixava a gente olhar por cima, onde tem aquele quadradinho. Uma Rolleiflex.

Meu pai também era ótimo fotógrafo, e por consegüinte (com trema) a gente tinha (tem) montanhas de fotos em casa. Eu aprendi a fotografar com as dicas e livros deles, repletos de imagens setentísticas maravilhosas. Tinha tantas pessôuas verdadeiramente lindas nos anos 1970, sem filtros –essa é minha crença divina particular.

Revista Essence, lançada em 1970 e dedicada à mulher afroamericana, edição de 1971 (Reprodução)

Fico imaginando se os xovens de hoje em dia veem as cores de suas próprias lembranças de maneira semelhante, ou se eles têm um mundo interior mais parecido com megapixels de uma tela de smartfônn –algo oscilante entre filtros de beleza e resolução monster-HD (plus 4385709 efeitos e stickers).

(Hmm. Deve existir um estudo da universidade de Mashchscasssusschets sobre isto, ou vários)

Hoje em dia o álbum de fotos pulula no celulóids. Antes, não. A gente tinha que pensar muito bem em cada clique, pra não desperdiçar as 12/24/36 poses de cada rolo-de-filme.

Parque da Ciutadella, Barcelona (Felipe Bueno / Reprodução)

Lembro da disputa de mercado entre a Kodak e a Fuji, com essa questão d’antanho entre os azulados e dourados.

Eu sempre fui kodakiana. Adoro as fotos no fundo das gavetas, nas caixas esquecidas, quando adquirem essa penugem douradiana e maravilhosamente esmaecida, ganhando profundidade e personalidade. São as rugas da experiência da fotografia. P&B também.

Sou só eu?

Naaah, eu sei que ceis tão aí bizoiando taradamente as fotinhos analógicas que ora compartilharey com vosotros.

***

Conheci o Felipe Torres Bueno, autor das imagens aqui reproduzidas (IG: @fugazinstantedecisivo), porque ele lia meus textículos e tem bonitas fotos analógicas de suas andanças pela Espanha em seu Instagram. “Sem pretensão”, disse de cara. Um apaixonado –pela fotografia, pelo país e por Almodóvar, de quem seguiu rastros cinemáticos em diferentes cidades.

Alcáceres Reais, Sevilha (Felipe Bueno / Reprodução)

A primeira foto sua que me chamou a atenção foi a da catedral da Sagrada Família, de Gaudí, em Barcelona: estourada pela metade. Erro de revelação ou providência do divino. Kintsugi. Amey.

“Diferente da digital, a fotografia analógica não nos permite saber de imediato como ficou a foto e não é possível fazer edições. É sempre algo surpreendente o resultado. Cada filme te traz uma textura e saturação própria, o que torna tudo mais mágico”, diz.

Parque del Oeste com luz divina, Madri (Felipe Bueno / Reprodução)

Esse mineiro da Zona da Mata, jornalista, pisou em solo espanhol pela primeira vez em 2015, durante seu primeiro mochilão pela Zooropa. Trazia a tiracolo sua Olympus Trip 35 mm, uma beleziña popular nos anos 1970 e hoje objeto de colecionador, que comprou no centro de BH, onde “um senhor explicou em poucos passos como trabalhar com filme”.

“Cheguei a Barcelona vindo de Paris, na mesma hora em ocorreu o atentado [ataques terroristas ocorridos na noite de 13 de novembro na casa de shows Bataclan e outros lugares, e que levaram à morte de mais de uma centena de pessoas]”, lembra. Ah, memórias. 

Amou Sevilha, “com seus pés de laranja pelas calçadas, o pôr-do-sol, o clima festivo, as casas com pátios e flores”, e Palma de Mallorca, capital da ilha homônima, a 200 quilômetros ou 20 minutos de voo de Barcelona –“cidade da cantora Concha Buika, que conheci por meio do filme ‘A pele que habito'”, conta.

Sagrada Família, Barcelona (Felipe Bueno / Reprodução)
Porto de Palma de Mallorca, Espanha (Felipe Bueno / Reprodução)

Mas por conta do amor por Almodóvar, claro, o destino luminar obrigatório é Madri, que visitou duas vezes. Na primeira vez, quando o cineasta rodava o longa ‘Julieta’ em Chueca, bairro trendy e lindo conhecido por sua diversidade LGBT y cultural.

“Lá fui eu me hospedar num hostel na calle de Hortaleza [no corazón de Chueca]”, conta, na esperança de ver o hômi ou topar com alguma filmagem. “Andava pelo local e fui ao Cine Doré, do qual ele é frequentador assíduo. E nada! Mas tudo bem! Aproveitei muito a cidade”.

Em 2017, Felipe voltou à Espanha e percorreu vários cenários de filmes almodovarianos. O Museo Chicote (que de museu não tem nada, é um cocktail bar desses estilo americano super tradicionais da cidade), onde a personagem Judit García, de ‘Abraços Partidos’, toma dramáticos gin tonics; o viaduto Segóvia, cuja origem remonta à Idade Média, e que é cenário de ‘Matador’. “Em um dia nublado”, conta, “fui ao Teatro Bellas Artes, onde Manuela e Esteban, no filme ‘Tudo sobre minha mãe’, assistem ao espetáculo de ‘Um bonde chamado desejo'”.

Gran Vía, Madri (Felipe Bueno / Reprodução)
Plaza de España, Madri (Felipe Bueno / Reprodução)
O famoso Cine Doré, em Madri (Felipe Bueno / Reprodução – foto digital)

“É bonita a relação que Almodóvar guarda com Madri. Cada filme é uma homenagem à cidade. Isto fica evidente na cena em que Penélope Cruz, em ‘Carne Trêmula’, dá à luz em um ônibus que percorre as ruas e lugares turísticos de Madri”.

“A fotografia analógica, como uma carta, traz consigo memórias importantes, afeto e beleza”, reflete. Eu também acho. Lembrei agora de algo que disse o fotógrafo teutobritânico Bill Brandt em um documentário que vi hoje: ver com os olhos da criança que observa o mundo pela primeira vez; maravilhamento, rapaiz. As cores, a passagem do tempo, o imediatamente memorável de um instantâneo no tempo. Revelar, desvelar, descobrir. Call me romantic. Yo soy. Y tu?

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Madri entra em confinamento a partir desta sexta (02) https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2020/10/02/madri-entra-em-confinamento-a-partir-desta-sexta-02/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2020/10/02/madri-entra-em-confinamento-a-partir-desta-sexta-02/#respond Fri, 02 Oct 2020 23:02:44 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/Puerta-del-Sol-Madri-por-David-Canales-@d4v1dfotos-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=198 A partir das 22h desta sexta-feira (02), Madri entrará em um confinamento parcial.

A capital espanhola e 9 municípios dos arredores se encaixam nos novos critérios para confinamento divulgados pelo governo central nesta quinta (01) com o objetivo de conter a segunda onda de contágios no país.

Basicamente, o isolamento “perimetral”, como se vem chamando aqui, será imposto a todos os municípios espanhóis onde, simultaneamente, os casos ultrapassem os 500 por 100 mil habitantes na última quinzena; pelo menos 10% dos testes de PCR sejam positivos; e mais de 35% dos leitos de UTI estejam ocupados por pacientes de Covid.

Madri responde atualmente por mais de um terço dos quase 134 mil novos casos diagnosticados no país nas últimas duas semanas, e apresenta uma taxa de 780 casos por 100 mil habitantes. Além da capital, serão confinados outros 10 municípios da Grande Madri.

DESLOCAMENTOS LIMITADOS

A Espanha é o segundo país europeu com mais casos de Covid até hoje, atrás apenas da Rússia. É seguida por França, Reino Unido e, lá atrás, a Itália, com “apenas” 317 mil casos até o dia de hoje, menos que a metade dos casos espanhóis, segundo contas do Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças.

Lembrei da conversa com uma italiana de Turim outro dia. “Nós, italianos, somos super passionais e tal, mas, olha só –conseguimos sobreviver ao verão e estamos bem”. Bom pra vocês, amici.

O novo confinamento não é domiciliar, como durante o estado de alarme, mas seletivo: somente permitirá deslocamentos entre municípios por motivos de trabalho, saúde ou estudos. Por qualquer outro motivo, somente dentro da própria cidade de residência, e seguindo as regras sanitárias já vigentes, como o uso obrigatório da máscara.

De resto, reuniões, só de até 6 pessoas, como já valia em Madri desde princípios de setembro; e comércio, bares e restaurantes voltarão a fechar entre 22 e 23h, com lotação máxima de 50%.

Homem é submetido a teste PCR, rodeado de enfermeiros e assistentes
Teste de Covid num centro cultural do bairro popular de Vallecas, um dos mais afetados pela pandemia e submetido a isolamento parcial em setembro de 2020 (Sergio Perez / Reuters)

No papel, muy bonito, mas os problemas e dúvidas são muitos, especialmente em uma cidade populosa como Madri, capital econômica da Espanha e ponto de convergência ou passagem de inúmeras rotas aéreas e terrestres europeias.

Por exemplo, como controlar a entrada e saída da população flutuante? E como aplicar sanções aos desobedientes?

As medidas recém-publicadas serão analisadas pelo Tribunal Superior de Justiça de Madri, o qual estabelecerá as multas em caso de descumprimento. Os valores poderão oscilar entre 600 e 600 mil euros.

Outra grande dúvida é o que fazer com os turistas, tanto nacionais quanto estrangeiros. Até este momento não existe posicionamento oficial a respeito.

Um cidadão espanhol de um município confinado não pode visitar Granada ou Barcelona, mas pode pegar o avião pra ir passear em Paris?

Ou: um turista estrangeiro poderá entrar em Madri? A julgar pelas novas regras, a resposta seria não. Mas, como agora mesmo as fronteiras espanholas não estão fechadas, tecnicamente não se pode impedir a entrada de visitantes.

DIVERGÊNCIAS

Além de dúvidas, as novas medidas, junto com a situação crítica do país, vêm servindo de lenha para atritos políticos.

A polêmica mais pitoresca da semana aconteceu durante sessão do plenário nesta última quinta (01), quando Madri foi chamada pela oposição de “Chernobyl da Europa”, em alusão ao crescimento exponencial de contágios. O caso gerou reações na internet e até um comentário do criador da série “Chernobyl”, da HBO.

Desde o início da pandemia, em março, os embates entre Madri e governo central vêm acontecendo na mesma nota: enquanto o primeiro defende uma abertura econômica imediata, com medidas amenas de segurança sanitária, a política do governo central vem priorizando a saúde.

“Madri é especial porque a saúde de Madri é a saúde da Espanha”, resumiu o ministro da Saúde, Salvador Illa, em entrevista coletiva na última quarta-feira (30).

No mesmo dia, Ayuso declarou: “estamos nos arruinando, temos que buscar fórmulas intermediárias criativas. Madri não pode se confinar”.

Mas a definição de “fórmulas intermediárias” também é complicada. Vide as medidas restritivas impostas há duas semanas pelo governo local a 45 áreas sanitárias de Madri –não coincidentemente, foram afetadas as zonas mais pobres, o que gerou protestos da população.

Com o novo confinamento imposto pelo governo central, deixam de valer a partir de hoje as restrições por áreas sanitárias.

O governo de Ayuso apresentou um recurso contra a nova resolução do governo central. Até sair uma decisão judicial, porém, acatará as medidas.

 

To be continued…..

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Quando a política encontra a HBO https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2020/10/02/quando-a-politica-encontra-a-hbo/ https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/2020/10/02/quando-a-politica-encontra-a-hbo/#respond Fri, 02 Oct 2020 22:55:07 +0000 https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/Chernobyl-e-Ayuso-300x215.jpg https://normalitas.blogfolha.uol.com.br/?p=207 Confesso, sou meio marota.

Adoro uma briguinha esotérica em redes sociais, dessas que geram zil memes e gifs animados. Especialmente se é pra realçar o absurdo de certas situaciones.

Com a segunda onda de coronacontágios crescendo alucinantemente na Espanha e a capital Madri prestes a ser confinada de novo a partir da noite de hoje (02 de outubro, pouco mais de uma semana depois do início do outono), os ânimos políticos por aqui estão acirradíssimos, as emoções, tocadas. Eu entendo, eu entendo. Tamo sensíver.

Pois o mais recente trending topic nacional embebido em tais sentimentos nasceu nesta última quinta (01) de um cruzamento de coronavírus com a série “Chernobyl” da HBO, e gerou resposta até do criador da série.

“A CHERNOBYL DA EUROPA”

Fato importante: a Grande Madri responde agora mesmo por mais de um terço dos quase 134 mil novos casos de Covid das últimas duas semanas, com uma taxa de 780 infectados por 100 mil habitantes.

Em sessão no plenário nesta quinta (01), o porta-voz do Más Madrid, partido centro-esquerdista de perfil jovem, atacou o governo de Madri encabeçado por Isabel Díaz Ayuso, chamando a cidade de “a Chernobyl da Europa”, em alusão à situação dramática vivida atualmente pela capital espanhola.

Em seu discurso, comparou a “negligência com que se gestionou o histórico acidente nuclear” à suposta má administração da crise por parte da governadora de Madri Isabel Díaz Ayuso –e aproveitou pra recomendar aos circunstantes a premiada série homônima da HBO.

(vixe)

Ayuso, filiada ao direitista PP, causou fricassê nacional com a resposta, em que bota a culpa nos, errr, comunistas: “Chernobyl nos demonstra como um sistema corrupto em mãos do comunismo levou à morte e destruição por ocultação. Chernobyl não aconteceu em Madri, aconteceu governada (sic) por vocês”.

((adoro fricassê))

O PP, que tem aproveitado qualquer oportunidade pra colar no governo central (formado pela coalizão de esquerdas de PSOE e Podemos) os rótulos de “comunista”, “chavista” e similares, curtiu tanto essa declaração da Ayuso que retweetou depois em sua conta oficial, impávido e confiante em sua Razão Imaculada.

“NÃO ENTENDEU NADA”

Desse tweet do PP brotou um thread com comentários de todo tipo, ainda em profuso processo de propagação (PPP).

O mais badalado comentário vem do próprio criador da série “Chernobyl”, o norte-americano Craig Mazin, que declarou, simplesmente: “Está claro pra mim que ela não entendeu o ponto da série”.

Não entendeu e, aliás, não viu: Ayuso declarou que não tem “tempo pra ver séries de televisão” como seu interlocutor do Más Madrid, que, segundo ela, “não faz outra coisa a não ser dar lição de moral do sofá de casa”.

A TUMBA DE LORCA

Não é a primeira vez que as pendengas ibéricas cruzam com séries da HBO.

Em agosto, a conta de Twitter de David Simon, criador de “A Escuta” (“The Wire”), foi inundada por 180458170 comentários de usuários espanhóis depois que o vice-presidente Pablo Iglesias tweetou sua opinião sobre a nova série do autor intitulada “The Plot Against America”, sobre a escalada do nazismo nos Estados Unidos pós-Roosevelt. No tweet, ele citava o autor.

Iglesias foi em seguida devorado por sua plateia de amantes e detratores, como de costume –ele é um dos sacos de pancada favoritos dos trolls antigoverno de plantão.

Já Simon, notoriamente um cara de gênio, digamos, fuerte, ao receber a colateral saraivada de comentários vindos da Espanha, disse: “meu feed está cheio de franquistas e catalanistas gritando entre si em línguas que não são a minha. Ok. É 1937 de novo. Fuck the fascists. No pasaran (ele quis dizer “não passarão”, mas disse “não passaram”)”.

Sei lá, super American essa declaração, ain’t it?

Em resposta a algum usuário, Simon defendeu Iglesias (que até então não sabia quem era, alegando que “nos EstadosUnidosdaAmérica, nós mal nos detemos pra relembrar nossos primeiros vice-presidentes”), dizendo que sua opinião sobre a série “faz sentido”.

E disparou adiante: “depois de 72h de jogação-de-m**** com trolls espanhóis direitistas, ganhei 9 mil novos seguidores do outro lado do oceano, ávidos por mais conversa de m**** sobre a Guerra Civil e a tumba de Lorca. Agora, vão ter que aguentar comentários sobre orçamentos do serviço postal e lances do Baltimore Orioles [time de beisebol]”. Auch.

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