‘Parece que nunca estiveram em uma escola’

A moça do caixa faz uma careta: “do jeito que coça essa máscara, vou brigar com alguém”, diz, bem-humorada. Por quê?, pergunto. Ah, aqui na Espanha é crença popular. Ixe, digo, então vamos todos nos matar.

Eu sempre vou a esse mercado local comprar papaya do Brazel. A preço de ouro, mas a saudade é maior. Trocamos ideia sobre tipos de máscara, recomendo a minha, que não solta fibra. E me despeço dizendo: não briga, não, que não vale a pena!

Além da saída do Messi do Barça (que não sai mais, embora contra sua vontade, segundo notícias frescas del día) e a escalada de contágios de Covid, outro tema onipresente nos headlines espanhóis esta semana é o desafio da volta às aulas em tempos pandêmicos.

O ano letivo começa de maneira escalonada na primeira semana de setembro, com máscaras obrigatórias para todos os alunos maiores de 6 anos. Já se podem notar mais carros nas ruas, mais gente na cidade —moradores, não turistas.

Os casos de coronavírus estão em franca ascendência em todo o país, mas a ministra da Educação Isabel Celaá afirmou há alguns dias: se for pra fechar institutos de ensino, será por casos pontuais, e não pela situação do país. E ainda insistiu: “os benefícios da escola [presencial] são muito superiores aos riscos”.

Tem que insistir, mesmo, porque ninguém está acreditando.

Em enquete popular lançada pelo jornal La Vanguardia, um dos maiores da Espanha e o maior da Catalunha, 88% dos leitores (60 mil pessoas) declararam não confiar nas medidas de prevenção de contágios nas escolas e universidades. Indo mais além, 76% defenderam o absenteísmo escolar.

Problema à vista: a escolarização é obrigatória dos 6 aos 16 anos, e sua privação deliberada pode ser interpretada como um delito de abandono familiar e punida com prisão ou perda da guarda filial por um período entre 4 e 10 anos.

Inseguros diante do crescimento de número de casos de Covid e das muitas contradições das novas normas escolares, porém, muitos pais começam a aderir ao movimento absenteísta. Associações de pais de alunos em todo o país já soltaram notas e entrevistas dizendo que o plano de volta à escola proposto pelo governo não é consistente.

Entre os pontos controversos está a medida que permite o convívio de até 30 alunos em uma sala de aula, enquanto que no país inteiro, agora mesmo, estão proibidas as reuniões de mais de 10 pessoas.


(“Essa não foi a máscara com que você foi ao colégio esta manhã!”
“Não, essa é muito mais legal! Troquei com o Diego e ele trocou com o Lucas”)

Assim como Celaá, Salvador Illa, Ministro da Saúde, insistiu na última semana que “fechar as escolas seria o ultimíssimo recurso”, e que “há um acordo unânime de que a atividade educacional deve ser presencial”.

Do outro lado da equação, os educadores concordam, mas pedem medidas de segurança mais definidas.

Segundo o sindicato do setor, em declaração à cadeia nacional RTVE, a guia de orientações divulgada pelo governo na semana passada (ou seja, nos 45 do segundo tempo) é uma “declaração de boas intenções”, mas imprecisa e irreal: “parece que nunca estiveram num centro educativo ou que faz tanto tempo que esqueceram como é a prática diária”.

Além do mais, muitos professores vêm se queixando das super über responsabilidades jogadas em suas costas caso passe alguma coisa, e da exposição ao risco, sobretudo no caso de docentes do grupo de risco, por idade ou enfermidade.

Enquanto a lusitana roda, fui investigar as crendices em torno da tal coceira no nariz. Descobri que algo parecido existe em muitos países (se tem no Brazel, so sorry, eu só lembro que coceira na palma da mão é dinheiro —o que não estaria mal, pensando na minha cuenta bancária).

Quanto ao significado, você escolhe: tem gente que diz que é presságio de briga ou más notícias; outros, que o afortunado vai conhecer alguém que vai mudar sua vida; e ainda tem a crença russa de que uma coceirinha nasal indica um drinque mais à vista. Ou, basicamente, nos tempos atuais, que é hora de trocar de máscara.

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