‘Melhor estocar papel higiênico outra vez’

Ultimamente, considerando a nova onda de contágios de Covid que assola a Espanha, caí numa moda pessoal de perguntar a todo mundo o que pensa que vai acontecer adiante, corongamente speaking. Interessantes, pitorescas respostas.

Minha ginecologista, hospital público, amabilíssima, de origem colombiana, me conta que o confinamento afetou as mulheres hormonalmente, e muito, com menstruações descontroladas, fluxos alterados, cistos e miomas inéditos.

“Pode ser minha impressão, mas acho que virão mais alterações hormonais com o inverno”, diz. “O estresse impacta muito a saúde hormonal”. Alguém aí se identifica?

A senhora no mercadão diante de casa, cabelo grisalho de corte impecável, óculos de aros de tartaruga embaçando sobre a máscara: enquanto nós duas escolhemos calças de inverno vendidas por um rapaz indiano a 5 euros (vivemos na Espanha uma prolongada época de liquidações) e damos pitacos mútuos sobre estampas, ela comenta, “se a gente não sabia que ia vir tudo isso, como vamos saber o que virá?”.

Fiquei sem resposta. Isso seria o quê, reflexão neo-anti-proto-pós-fenomenológica? Muito avançado pro meu nível ticoeteco.

O indiano, entrando na conversa: “vai ser complicado, foi complicado, já tá complicado”.

Eu pensei em replicar algo na mesma linha, com melodia, ritmo e contundência esfíngica, mas, cantoira que sou, só me ocorreu cantarolar baixinho: “isso aqui, ôoooo…”.

Isso foi hoje, há minutos. Dia de sol, brisa fresca, princípio de outono.

Outro dia, no caixa de uma loja da Zara no centro de Barcelona, a funcionária pergunta: “qual é o seu código postal, senhora?”.

Me chamou de senhora, quase não quis responder, seguindo meu instinto de negação. Quando eu afinal lhe disse, perguntei por que pedia essa informação. Ela me explicou que era pra um estudo sobre o perfil de cliente que estava frequentando as lojas pós-confinamento.

Señoras y señores, tomem nota de que estamos falando da principal marca da Inditex, grupo do mogul espanhol Amancio Ortega, um dos hômi mais ricos do mundo. Mais exatamente, o quinto mais rico do planeta, segundo a Forbes, à frente do Zuckerberg.

“Y qué? Deixa ver se eu adivinho: os clientes são todos locais, nenhum turista”, repliquei. Ela faz um meneio afirmativo de cabeça e nos entreolhamos, com o olhar significativo e cúmplice de boca torcida dos que atravessamos uma quarentena prolongada e seguimos passando bombril na armadura montada no armário, à espera de novas batalhas.

O enfermeiro de um importante laboratório de análises clínicas, um rapaz jovial y alegre com gorrinho de estampa de ursinho (suponho que pra acalmar os ânimos dos “nens” (crianças, em catalão) que vêm enfiar palito no nariz pra fazer PCR), me diz: “tenho feito cada vez mais testes de Covid. Sobre o que nos espera, eu diria: melhor estocar papel higiênico outra vez”. E rimos. Fazer o quê.

Meu compañero de apartamento: “por via das dúvidas, já encomendei uns pesos e faixas elásticas pra gente não engordar no inverno”. A gente passou todos os meses de confinamento domiciliar este ano fazendo exercício de iutubi em casa. Ficamos super em forma, mas quando pudemos sair de casa de novo no verão muy rapidamente ganhamos uma barriguiña.

Um amigo catalão, advogado, meio niilista (como alguém pode ser meio niilista, Susana) e recém-recuperado de coronavírus, trabalha em um projeto de recepção de refugiados na prefeitura de Barcelona: “ora, vamos todos morrer, claro” –vaticinou.

Depois, mais convencional: “creio que a coisa vai estar complicada de novo até a primavera, com altos e baixos e semanas com mais ou menos restrições em função dos contágios… uma m****. Definitivamente, não poderemos fazer planos pra nada. Mas é falar por falar, porque não tenho ideia. Sou um enorme ignorante”, termina, algo pândego, algo sério.

E um amigo argentino, vivendo há milênios na Catalunha, lutando com sua garra e marra pra manter um pequeno bar que os amigos frequentamos pra estar e apoiar: “‘xxo’ sei lá como será, mas durante o confinamento em casa joguei fora os espelhos, e agora vivo sozinho”.

Você num tá vendo, mas ele termina a frase com um olhar de pupilas tinindo/reluzentes e um sorrisinho sábio de saca-só-essa-frase-que-genial.

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