O curioso conselho anti-Covid de um marroquino em Barcelona
— E como estão as coisas no Brasil, com o vírus e aquele Bolsonaro?
Mohammed é marroquino e vive há anos em Barcelona. É um dos 761 mil de sua nacionalidade com residência espanhola –de longe, a maior comunidade de estrangeiros no país. Pra se ter uma ideia, são nove vezes mais numerosos que os brasileños em tierras ibéricas (somos pouco mais de 84 mil, segundo o censo mais recente de 2020).
Alto, com seus 50-e-algo, Mohammed fala castelhano fluente. Sempre aprendo palavras com ele. Trabalha com controle de pragas em edifícios e chega com um sorrisón no rosto. Gosta de um dedo de prosa, eu também.
E, como todos que cruzam meu caminho, sabe quem é Bolsonaro, e menciona seu nome com um pesar cúmplice na voz. E corrige: não pergunta do vírus, quer saber da economia.
— Bom, Mohammed, cê sabe. Qué te voy a contar… o Brasil não é a Europa.
Justo nesse dia, me deu pregui desse assunto, gente. Todo mundo me pergunta, somos famosos. E não por nossas margens plácidas. Sendo uma prosaica brasileña vivendo na gringa, virei porta-voz acidental de assuntos-internacionais-toopiniquins-de-orelhada-de-jornal. Isso ou alvo de olhares compassivos edulcorados com comentários lamentosos sobre Bolsillonaro e certas catástrofes não-naturais.
(Exceção do garçom argentino no café francês de outro dia, bolsonarista ferrenho (!), que entrou numa superpiromaníaca discussão com um mineiro desavisado que ousou questioná-lo enquanto sorvia seu chazinho de menta. Eu, sádica, fiquei só observando)
Perdón, precisava desabafar. Passou, passou.
— E como estão as coisas em Marrocos, Mohammed? Alguém de Marrakech me disse que os contágios de coronavírus estão disparando de novo –devolvo, enquanto ele substitui uma caixinha de papel com uma barata freeze-frame de patinhas pra cima por outra limpinha que pega de sua maleta marrom tipo gato félix.
Ele me confirma, diz que estão em 2.000 a 3.000 casos novos por dia, numa incidência acumulada de 100 por 100 mil habitantes –por ora, consideravelmente menor que na Europa ocidental, onde estamos entrando em modus confinamentus de nuevo (inclusive na Catalunha, onde a partir de hoje fecham bares e restaurantes por 15 dias). Por ora.
— Mas lá em Marrocos a mortalidade é baixa. Sabe por quê? [suspense] Porque todo mundo cozinha e come em casa.
Silêncio meditativo. Hm.
— Bom, eu também como em casa e tive coronavírus –brinco. É uma terça pela manhã, faz frio e eu ainda não tomei café. Vagamente penso, em livre associação de semi-ideias: como era mesmo a (divina, transcendental) receita de cavalinha à escabeche da minha mãe?
— É, mas você tá bem, né? Em Marrocos a gente não come na rua. Não come fritura como aqui. É tudo feito no vapor. E com muitas especiarias boas para a imunidade, como o gengibre, a cúrcuma…
Passamos a falar de receitas. De repente me deu uma vontade louca de comer um bom tagine, que provei pela primeira vez quando estive mochilando in Marruecos.
O prato, que se pode encontrar em cada esquina, é basicamente um cozido de legumes e carnes, que podem ser acompanhados de tubérculos, arroz ou cuscuz, feito em fogo baixo em um típico pote de barro com tampa cônica.
— Eu tenho síndrome do intestino irritável, me conta Mohammed. Faço tudo ao vapor. ¨Adobo¨ o frango (olhaí palavrinha legal: aqui as gentes não temperam a carne, adubam), ponho alecrim, gengibre, depende do dia vou mudando o tempero. Quase sem sal, que não posso. Acrescento verduras, maçã, abóbora, o que tiver no momento.
Maçã? É, maçã, pera, o que houver, diz. Anoto mentalmente a ideia de botar fruta no cozido.
— Ok, vocês comem em casa, mas os mercados estão cheios, suponho?
Sim.
— E as pessoas não usam máscara, suponho?
Muito pouco.
— E então…?
— Come em casa, Susana. Come em casa!
E se despede com o tal sorrisón, prometendo me ajudar a encontrar uma boa panela de barro pra fazer tagine aqui em Barcelona.
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