Celebração nos tempos do vírus, ou: de Bangladesh, com amor

Ela abre um sorriso branquíssimo por trás das pilhas de bandejiñas de abóbora (outono na zoo-ropa, época de abóbora), salsinha, funcho.

— Funcho, Susana?? Quequé isso?? –me pergunta uma amiga no Whatsapp, quando vou lhe contando a historieta de um dia qualquer em Barcelowna owna owna.

Mas voltando à cena. A moça da quitanda me sorri ao descobrir que sou brasileira. Fazendo uma misteriosa dancinha e caçando palavras em castelhonês, finalmente entendo que está jogando bola no ar e dizendo, “Neymar! Neymar!”.

Tô acostumada. Viver na gringa é isso, neah, amiguiñus.

“E tem também aquele outro… Cristiano Ron… não, o que ficou gordinho…”. “Ronaldinho”, ajudo. “ISSO! RONADEEL-NEOL!”

Ela se apresenta como Rozina Akter (“Rotzeena Áktaar”, tipo nome de faraoa das profanas noites obscuras), morena-jovem-com-piercing e cabelinho precocemente grisalho, e eu fico com uma invejinha suave de nome tão naturalmente artístico. Há quatro anos em Barcelona, ela é de Bangladesh. Bangla, para los íntimos.

“Lá em Bangla somos loucos por futebol brasileiro e argentino. A gente adora [insert gesto de porrada]”. “Aaaahn, entendo, vocês gostam de ver a gente se pegar no campo”, digo. “ISSO! RONADEEENEEOL! NEYMAR! NEYMAR!”.

Ela me diz que meu nome em bengali é XUSXKSKANA ou algo similarmente brigadegatonomurodovizinho. E completa: quer dizer interação. Eu fico emocionada, é meu aniversário, tudo me toca.

Com o que aterrissamos languidamente no título dessa humilde crônica.

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Celebrar aniversário em uma Espanha vivendo o auge da Pandemia Parte II, com uma série de restrições, é tipo ser bolinha de pinball, se bolinha de pinball fosse parada em cada canto dos tubos de metal pra ser inspecionada pela polícia. “Ô bolinha, onde ce pensa que vai? Visitar teu namoradiño na outra caçapa? Não pode. Teje multada”.

Não tem festinha (a veire: aqui, agora mesmo, reunião, só até 6 pessoas, em teoria, de convívio íntimo; toque de recolher às 22h; proibido sair do município nos fins de semana; bares e restaurantes fechados; não pode comer e beber em público; não adianta vir com toalhinha xadrez no parque pra tomar uma cervejinha; meu namorado vive em outra cidade, o que significa que mal posso vê-lo; socorro, essa taquicardia-aranha que vai subindo, subindo…).

Superficial, direis; ora, o aniversário, para mim, é um marco como qualquer outro, mas todos os marcos me importam de maneira especial depois de Um Certo Câncer que me ensinou a ser menos triquimiqui e mais troquimoqui. Eu celebro estar viva.

(por cierto, a imagem que ilustra esse artigo sou eu mergulhando com uma anêmona na costa de Tamarit, na Costa Dourada de Tarragona, apenas uns dois dias depois de finalizar seis meses de quimioterapia)

Sou escorpiana, dizem, oversensível, densa, às vezes pesada, introspectiva. Quero crer em tudo isso (e também que sou super sexy) enquanto celebro meu ciclo solar em quase-solidão. Fica mais fácil e mais classy de explicar meus sentimentos nos últimos dias.

As mensagens via todas as redes sociais abundam, um amor teleférico e potente vindo de todos os cantos das ondas alfabetagama universais. Eu longe da família, eu longe dos amigos, mesmo os próximos, eu longe de poder comer um sanduba e tomar uma tubaína num banquinho de praça, e quanto mais mensagens e fotos e áudios com gente cantando parabéns-pra-você em diferentes línguas vão chegando pli pli pli, mais vou me ensabichando, me metendo dentro, ficando com medo do mundo, com vontade de fugir ou de chorar.

Deve ter uma explicação científica ou até um nome novo pra isso: a hipersensibilidade do confinado.

Agora, confesso: burlei as medidas sanitárias e fui ver o meu namorildo no pueblo, e ele me preparou um arroz (aqui, além de paellas, existe toda uma ampla categoria de Arrozes, ou “arroces”, dizendo a “c” como “th”) maravilhoso.

Brotam discretas lágrimas nozóio enquanto escrevo, mas acho que é saudade da minha mãe. Dona Kako e seu Sérgio, lá em Cotia, estico meus braços sobre o Atlântico e fantasio: bato na porta, vou entrando pra um bolinho, um sushi ninja feito à moda dos Sugai-Katsuragawa e um abraço imaginários.

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Em tempo: funcho é erva-doce e fica uma delícia em salada com pimenta do reino e um bom azeite de oliva, ou assada com muitas ervas mágicas que remetem a um bom almoço de domingo, daqueles vintage de propaganda de caldo Knorr dos anos 2019s.

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