Espanha se prepara para o fim do estado de emergência

Hoje foi dia de injeção, bebê.

Não a vacina (Pfizer, Moderna, AstraZeneca ou, em breve, a Janssen, segundo o voo dos passarinhos do dia), mas minha injeção mensal anticâncer tamanho bondedotigrão na barriga (pitorescagens de uma paciente em remissão).

Chego no posto de saúde 20 minutos antes da minha hora, fila única dobra o quarteirão. Estamos em plena campanha de vacinação anti-Covid na Espanha. Mais da metade dos enfileirados, idosos.

Uma senhora de cabelo acaju penteado pra trás, brinco bolota dourado e gola rulê se emparelha comigo, ombro com ombro. Podia ser uma cameo em Perdidos no Espaço, aquela série dos 1960s. De máscara etc.

Ela tá que tá. Grita na minha orelha e pro senhor de trás: NÃO SEI PRA QUE É ESSA FILA! NÃO QUERO IR PRO FINAL! VOU FICAR EXATAMENTE AQUI! “SENHORA, as distâncias mínimas, SISPLAU!!! [aka por favor, piedade e comiseração, no meu catalão brasicantado]”, imploro. Hoje tô da pá virada. Senhora, adorei tua gola rulê, mas… que te mato.

No quarto andar, de consultas gerais, mais fila. A recepcionista retruca a um casal de idosos embrulhados em seus casacos felpudos verde-e-vermelho: NÃO, SENHOR, SE NÃO TOMAR A VACINA AGORA, SABE DIOS QUANDO VAI TER OUTRA OPORTUNIDADE! TÁ CERTO? –em voz megafônica, que é pra TODOS NÓS ENTENDERMOS, TÁ.

Desconfio que o velhiño não queria tomar a vacina da AstraZeneca.

Minha enfermeira ídola, Lola, não está. Foi recrutada para a campanha. Um enfermeiro inédito me atendeu. Pegou a caixa com a monstroagulha, revirou com cara de que-p-é-essa (já vi essa cara antes, hoje em dia relevo entrego aceito confio). Saí de lá com dor pra caminhar e estou presentemente escrevendo com minha pança latejando. Poha.

Na saída, ouço en passant a conversa de um casal bastante idoso, ele alisando a cabeça grisalha dela na cadeira de rodas, o gesto mais bunito dessa manhã primaveril: “Albert, não me sinto bem”. “Não pode ser, querida; acabaram de te vacinar. Calma, tranquila…”.

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Esta semana, o premiê espanhol Pedro Sánchez (por sinal, em franco ritmo de campanha eleitoral) não só garantiu a vacinação de 70% da população até o final de agosto (até o momento, apenas 3 milhões de espanhóis, ou 6,38% da população, recebeu as duas doses), como confirmou que o estado de emergência que vivemos no último ano será finalmente suspenso dentro de um mês, em 9 de maio.

Isso significa que poderemos nos mover intraterritorialmente e não haverá mais o toque de recolher dos últimos seis meses. Cairá por tierra também a possibilidade de limitar os números de pessoas em grupos, mesas de bar, festas. Aix.

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O prazo indicado pelo governo espanhol para termos a maioria da população (33 milhões de pessoas) vacinadas coincide com o final do verão europeu.

Até lá, imagino infelizmente que teremos umas tantas oportunidades de zoar o esquema, talvez provocando picos cíclicos de contágios como tivemos nos últimos meses, embora não tão vertiginosos.

Lembrando: o primeiro, pós-verão do ano passado, quando pensávamos que a pandemia já era página virada; o segundo, pós-reabertura, em novembro; o terceiro, depois das festas de fim de ano. E, agora, estamos vendo um ligeiro aumento de casos pós-Semana Santa, quando o país flexibilizou temporariamente o confinamento de fronteiras.

Esta semana, na província de Madri, um índice médio acumulado de 324 casos por 100 mil habitantes foi suficiente para classificar a área como de risco extremo. Medidas restritivas serão prorrogadas em pelo menos 15 zonas sanitárias e 7 municípios, de onde os habitantes só poderão sair por justa causa nos próximos 15 dias.

Mas, brazilêros combalidos de mi cuore, notem bem a diferença em relação a um certo gigante adormecido: toda essa cautela e caldo de pollo se arma diante de uma taxa de 16 falecidos em Madri nas últimas 24 horas (149 no país inteiro) e uma ocupação de 20,48% dos leitos de UTI espanhóis.

As medidas restritivas supracitadas afetam na prática 6,4% da população madrilenha, ou pouco mais de 400 mil pessoas. Madri, junto com Ceuta e Melilla, são as únicas localidades espanholas onde os casos permanecem acima de 200 por 100 mil habitantes.

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Mas há quem esteja meio indignado. Afinal, começam a chegar na Espanha os primeiros turistas internacionais — alemães, ingleses e franceses, principalmente — e, enquanto eles podem mais ou menos flanar livreslevessueltos pelo território, estamos todos aqui jogando o jogo da casinha e chupándonos los dedos.

Em Barcelona, ainda vivendo a vida restrita com toque de recolher e outras limitações, sinto um clima tímido de abertura. Recebo uma agenda cultural da cidade no meu inbox. Pela primeira vez, percebo que predominam atrações presenciais. “Avança a vida e, com ela, avança a arte”, canta o editorial. Aye, que poético.

 

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Nem lembro mais como é estar fora de casa depois das 22h, sem correr pra chegar em casa, sem um certo receio de caminhar pelas ruas escuras e desertas. Que emoção. E, porque são tempos conflitivos, que aflição.

“Saímos prematuramente aos balcões, lotamos os braços de novos livros, recitamos de memória versos e nos despertamos sonhando com canções que ainda não conhecemos”, encerra o editorial da mais recente agenda cultural de Le Cool Barcelona. “Abril: será bom para todos?”. Veremos…

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