Mais livros e rosas, por favor

Hoje é dia de livros, rosas (e dragões) na Catalunha. #Ficadica de adotar esse belo costume no Brazel, purfavô

Barcelowna, 23 de abril de doismilevinteum. Amanheceu, peguei a viola e o meu celular, e tavam lá se avolumando no whatisapi umas quantas mensagens de “Feliz Día de Sant Jordi!!”, acompanhadas de gifs de rosas e livros, ursinhos mandando beijos esvoaçantes e outras mimosidades transcendentais.

… Como esta (Reprodução)

Sant Jordi ou São Jorge, celebrado hoje, é o santo padroeiro da Catalunha. A data é uma espécie de Dia dos Namorados catalão, mas vai além.

Em lugar de caixas de bombons e kits de cuecas, o lance é presentear livros e rosas (escrevi sobre isto no Diário de Confinamento aqui na Folha, pra quem quiser saber mais sobre esta curiosa tradição local).

E o bunito é que a data não vale só pra parceiros românticos: pais e filhos, amigos e amigas, colegas de trabalho, vizinhos, todo mundo pode dar e ganhar –ou, claro, enviar figuriñas kitsch por redes sociais.

Meu bairro hoje estava pululando de banquinhas de livros novos e usados (uma paixão catalã, os livros). E, por toda parte, em mochilas de crianças, mãos de velhinhos, lojas de doces e até tabacarias, uma rosa vermelha.

As flores são meticulosamente embrulhadas em celofane e décor vermelho-e-amarelo, em alusão à senyera, a bandeira catalã. Além de uma ocasião pra se manifestar o amô universal, promover a literatura e matar umas rosas (ops), Sant Jordi é também uma oportunidade pra se flanar azasinha do orgulho catalão.

É também dia de escritores que, nesta terra de leitores, ora ora, podem ter status de estrelas. Em diferentes pontos da cidade, apoiados por entidades, livrarias ou editoras, aí estão eles a cada Sant Jordi distribuindo autógrafos e dedicatórias.

Este ano, entre outros, temos os dois top-sellers atuais da Catalunha.

Por um lado, Jaume Cabré, com “Consumits pel Foc” (“Consumidos pelo Fogo”), uma novela embrionificada (muy) livremente a partir do encontro do autor com um javali –bicho enigmático das historinhas do Asterix que fui ver pela primeira vez ao vivo e em pelos negros nos arredores montanhosos de Barcelona, onde há muitos.

Por outro, o epidemiologista catalão Oriol Mitjà, um dos health symbols da crise do coronavírus na Espanha, com a autobiografia pós-pandemia intitulada “A cor obert” (“De coração Aberto”).

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Sant Jordi na Catalunha não é feriado, mas tem pinta. Talvez particularmente animado nesses tempos de vai-num-vai com a recuperação pós-Terceira-Onda. Sim, havia pontos da cidade muvucados, embora ao ar livre. Sim, é de escandalizar alguns, embora toda a festa seja mais ou menos controlada pelo governo, responsável por estipular distância mínima entre bancas, quantidade máxima de gente e pontos de venda etc.

(((A propósito, ou dando uma desviada, feliz dia-mundial-do-livro, iu all!)))

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No hospital esta manhã para uma consulta médica, tive que esperar na fila dos medicamentos. Detrás do balcão, as recepcionistas se levantaram todas ao mesmo tempo quando chegaram colegas com rosas. Gritinhos, alegria ecoando no saguão abarrotado. A gente espera, fazer o quê. Quem vai ser contra rosas e livros.

Saindo, dou de cara com um senhor bastante idoso subindo uma ladeiraça muy va ga ro sa e laboriosa mente. Com um buquê reluzente nas mãos.

Passeando hoje com meu namorado catalão, ele leva a mão à testa diante de uma banquinha de rosas: aiii, não te comprei uma floooor. Tudo bem, que eu já me presenteei com um livro. Sant Jordi também é dia de se lembrar de si mesmo.

É também ensejo para gestos inesperados/voluptuosos/bailarinos (e não é sempre?).

Como a moça que almoçava, solitária e compenetrada, no restaurante onde estávamos. Alheia aos decibéis e pulpos à galega –pensava eu, pensativamente pensando tonterías enquanto esperava meus trigueros con salsa romesco (aspargos verdes com O MOLHO DA MINHA VIDA, GOOGLEEEM).

Mas não. A moça, essa, estava totalmente imbuída do sentido de Sant Jordi. Esticou a mão para uma bolsa do gato félix que levava debaixo da mesa e sacou uma rosa. Quando passou o garçom, um senhor ágil e de olhar cansado, ela disse: pro senhor. E o rosto de ambos se iluminou. Por um momento, o meu também. E assim e coisa e tal, num ménage à trois de acidentalidades telepáticas. Juro por Sant Jordi.

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