Espanha encerra estado de emergência e entra em fase de ‘reabertura’

Hoje é um daqueles dias.

A cabeça longe, pensando em perdas e notícias ruins de queridos próximos e não tão próximos. Covid, não-Covid, além-de-explicações, como a vida mesma.

Meus olhos loopam 180479 vezes a leitura da mesma frase de um artigo, minhas janelas do browser vão se multiplicando em caóticas distrações asmr-culinárias-musicais.

Uma delas: a receita de uma clássica sobremesa espanhola, la leche frita (leite frito), típica da época de Quaresma. Comida de abuela (vó), dessas que levam tudo o que revistas tipo Sapien’s Health condenariam. Vejo que existem versões da receita em português também –claro, Brazel é terra de tod@s, conjuração imigratória pancosmogônica etc etc.

Quando eu conto aqui que minha mãe japa prepara bacalhau à gomes de sá com sushi e pernil pra ceia de Natal, o povo acha exótico.

Exóticos são os españoles que fritam cubos de leite e chamam presunto de comida saudável (pondero eu, enquanto escuto “Love Action”, do Human League, e tento me concentrar pra escrever essas tiritantes linhas num café ruidoso na esquina de casa).

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Este próximo domingo (9) será especial para a Espanha. Não pelas mães, como aí (o dia das mães, aqui, é celebrado no primeiro domingo de maio).

A partir da meia-noite deste próximo sábado pro domingo, deixa de valer o estado de emergência que vem regendo nossa vida pandêmica há mais de um ano.

Com isso, a princípio, são levantadas as restrições de mobilidade (entre comarcas, áreas, estados) e o toque de recolher entre 22h e 6h, com ligeiras variações conforme a província.

A partir de agora, dependerá dos governos regionais e tribunais de justiça superiores a aprovação e regulamentação de medidas como as supracitadas, além de outras que estiveram vigentes por meses, como, por exemplo, a limitação de reuniões no âmbito privado (aka, por exemplo, festinhas particulares –estas, agora, só poderão ser limitadas por recomendações, já que, sem o estado de emergência, não se pode multar mais esse tipo de idiotice pandêmica).

Os casos de Covid na Espanha vêm apresentando uma tendência de queda nos últimos dois meses, mas o país ainda se encontra em uma situação de alto risco, com uma incidência acumulada de 198 casos por 100 mil habitantes (no final de janeiro, estávamos em quase 800 casos por 100 mil).

Madri, atualmente com 317 casos por 100 mil habitantes e 42,7% das UTIs ocupadas com pacientes de Covid (77,49% de ocupação total), é uma das comunidades mais críticas. A partir do domingo, suspenderá o toque de recolher e permitirá o funcionamento de bares e restaurantes até a meia-noite. Aye, meus sais.

Por outro lado, as ilhas Baleares, que incluem Ibiza e Mallorca, dois super destinos do turismo internacional no verão, conseguiram aprovar a manutenção do toque de recolher entre 23h e 6h.

Já a Catalunha (266 casos por 100 mil, 34,79% das UTIs ocupadas com pacientes de Covid e 77,04% de ocupação total) eliminará o toque de recolher a partir da noite de sábado, mantendo a recomendação de até 6 pessoas para reuniões privadas. Bares e restaurantes poderão funcionar até as 23h.

O governo local está preparando uma operação policial semelhante à de uma véspera de ano novo para a noite do sábado para dissipar aglomerações. Boa sorte, gente.

Com a suspensão do confinamento perimetral, também poderemos, finalmente, sair do território. Amigos já estão planejando viagens, e eu gostaria de sair fora também. Mas calma lá, povis: como protocolarmente avisou o diretor do Centro de Coordenação de Alertas e Emergências Sanitárias, Fernando Simón, “o fim do estado de emergência não significa o fim das medidas de controle”.

O País Basco, uma das comunidades espanholas com maior índice de contágios (463 por 100 mil), ainda não conseguiu aprovar a prorrogação das medidas restritivas, o que significa que, a partir de domingo, poderá ser um salve-se quem puder (em euskara, Bere man guztietaaaaan!).

Eis um problema da descentralização das políticas sanitárias frente à pandemia: começa-se a desenhar um super patchwork de incongruências no país, à mercê da mentalidade lollycrazy de cada juiz-papelômano-man.

Em parte, há uma confiança na vacinação, que se acelerou no último mês. Até agora, 12,6% da população recebeu as duas doses (contando os que só receberam uma dose, temos até agora 28% vacinados), e mais de 500 mil pessoas foram vacinadas nas últimas 24 horas. O objetivo do governo é chegar a 70% até o fim do verão.

Desde o início da pandemia, a Espanha registrou 3,56 milhões de casos de coronavírus e quase 79 mil mortes.

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Eu sei lá. Meu pensamento vagueia nuevamente. Penso nos idos-de-aqui, onde estarão? Façamos uma leche frita em homenagem a eles. E à vida. Deixo aqui uma receita com a dulce Dona Dirce, cuja lasanha de berinjela de panela eu já provei fazer também e é uma delícia. Abraços a todos aí, enviados no lombo-cangote dos golfiños transoceânicos de Barcelona, e cuidem-se mucho.

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