Explosão de casos de Covid transforma Espanha em nova ‘zona de risco’ no contexto europeu
“Volta um dos clássicos do verão”, festeja a newsletter cultural que recebo no meu e-mail.
O texto se refere a um dos principais festivais de música de Barcelona, o Cruïlla (“encruzilhada” em catalão, uma referência à “vocação” do evento de promover “encontros”, segundo explica a página oficial), que, depois de um ano de pausa, acontece entre 8 e 10 de julho de 2021.
O evento, que recebe até 75 mil pessoas em cada edição, acontece ao mesmo tempo em que a Espanha, em questão de duas semanas, se transformou DE NOVO em um dos países com mais alta taxa de contágios da Europa, graças à expansão da variante Delta, sobretudo entre jovens.
Em outras palabras, num farfalhar de pestanas veranis, a Espanha passou a responder por quase 50% (4 de cada 10) contágios detectados no continente.
A Catalunha, com Barcelona como estrela, é de longe a província mais preocupante, com um vertiginoso salto de 150 casos a mais de mil por dia (ou 6 mil só na última segunda, 5 de julho) em apenas uma semana.
Diante disso, nos últimos dias, França e Alemanha divulgaram notas oficiais recomendando a seus cidadãos que evitem a Espanha (e Portugal, outro país em que o bicho tá pegando) como destino turístico.
Too late. Já vejo turista estrangeiro saindo pelos tubos. Imagens de destinos overturísticos como Ibiza, Mallorca e Salou vêm circulando nas redes, mostrando multidões alegres se espremendo em ruas e butecos.
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Com a reabertura do ócio noturno no final de junho e a flexibilização das precauções sanitárias, como o uso obrigório da máscara nas ruas, a Espanha, segundo destino mais visitado do mundo, queria se preparar para a chegada dos turistas gringos em julho, principalmente britânicos, alemães e franceses, que costumam vir em massa nessa época.
O problema é que a reabilitação da vida cultural e noturna no país coincidiu com fatores explosivos: férias escolares, a chegada do verão… e a expansão da variante Delta, até 60% mais contagiosa que anteriores.
Embora a vacinação nacional esteja avançando (44,4% da população já recebeu o protocolo completo, e 58,2%, ao menos uma dose), o clima de já-ganhou levou a população a precocemente montar circo. Festa. Muitas.
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Ao contrário das outras quatro grandes ondas pandêmicas na Espanha, esta não é tão letal –foram registrados 16 falecimentos por Covid em todo o país nos últimos sete dias –, mas vem se expandindo muito rapidamente. O foco principal desta vez: jovens de até 30 anos.
Estes não são, em geral, hospitalizados, mas buscam os postos de saúde. Resultado: embora menos de 10% dos leitos de UTI do país estejam ocupados atualmente por pacientes críticos com Covid, o sistema de atenção primária de saúde está voltando a colapsar. Pra agravar o cenário, em plena época de férias, há até 50% menos cobertura de pessoal.
Alguns governos regionais vêm pedindo a volta de medidas restritivas como o toque de recolher, amparado pelo finado estado de emergência nacional.
O premiê Pedro Sánchez descarta voltar atrás no Grande Jogo dos Surtos Coronavíricos, argumentando que o “sistema descentralizado de saúde” espanhol está “nas mãos das comunidades [governos locais]”, as quais teriam ferramentas suficientes para agir. Por enquanto.
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Para sua primeira edição pós-Covid, o Cruïlla reduziu o lineup internacional em prol de uma programação mais local, ainda que contando, aqui e ali, com atrações extrafronteiras, como os irlandeses do Two Door Cinema Club e a franco-chilena Ana Tijoux.
Outra diferença em relação a anos anteriores é que, pra entrar, é necessário apresentar um teste negativo de antígenos, a ser comprado na própria página do festival por preços que variam entre 8,5 euros (R$53 para um teste) e 15 euros (R$ 93,63) para 3 testes, equivalentes aos três dias do festival.
Atualmente, qualquer evento com mais de 500 pessoas na Catalunha deve exigir do visitante teste negativo de antígenos, PCR negativa realizada até 12 horas antes ou certificado de vacinação completa. Sem isso, no fun.
No Cruïlla, o visitante ainda recebe de brinde uma máscara fpp2, aquela pró Super Maravilhosa Protetora dos Catarros e Respingos, que tanto faltou ao pessoal de saúde no auge da pandemia. Hooray!
No primeiro dia do festival, na última quinta (8), um batalhão de 300 profissionais contratados realizou 13 mil testes de antígenos, um feito estelar entre os festivais europeus, dentre os quais foram detectados cerca de 125 positivos. Entre eles, o vocalista da banda de abertura, Senyor Oca, substituída de última hora.
Tempos novos. Ou não. Ou mais ou menos. Num mundo colorido do arco-íris depois do pote de ouro do duende, e esquecendo um pouco do ambiente excepcionalmente controlado e fabuloso de um festival de música, gostaria de acreditar na colaboração de todos, mais do que em cagar regras over and over pra controlar a falta de responsabilidade e espírito de cooperação individual e coletivo. Seria este o último surto? Ou tô surtando eu?
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“Yo me quedo para siempre con mi reina y su bandera
Ya no hay fronteras
Me dejaré llevar
A ningún lugar”
(“No puedo vivir sin ti”, Coque Malla / Los Ronaldos)