A tal Nova Masculinidade tem muito trabalho pela frente
Reescrevi essas primeiras linhas umas 180517089 vezes.
É demais pro meu barquinho mental. Tentei ser objetiva, unívoca, informativa, mas não consegui. Que o assunto é cumprexo.
Na mesma semana em que Barcelona anuncia a criação de um inovador Centro de Novas Masculinidades, destinado a educar e difundir informações para promover “imaginários distintos do que significa ser homem” em diversos âmbitos (trabalho, cultura, lar, escolas etc), uma mulher é encontrada carbonizada em um descampado a uns 50 quilômetros de Barcelona, morta pelo ex-marido.
Até o momento, foram registrados 29 assassinatos por violência machista na Espanha em 2021. Quase metade dessas mortes aconteceram em menos de um mês. Mais exatamente, justo após o fim do estado de emergência, em 9 de maio, que restaurou a mobilidade dentro do território nacional.
Especialistas alertam para a tendência de um boom de casos de violência machista neste período de abertura pós-pandemia.
O número aparentemente reduzido de denúncias e ocorrências durante o confinamento, dizem, explica-se provavelmente pelo fato de que os parceiros tinham então mais “controle” sobre suas vítimas, já que ninguém podia sair de casa (inclusive eles, pra fazer das suas).
Além do mais, justamente por estar mais vigiadas durante o confinamento, muitas mulheres podem ter encontrado dificuldades em buscar ajuda, apesar de uma agressiva campanha do governo espanhol ao longo de todo o lockdown incentivando as denúncias.
De qualquer forma, 80% das vítimas fatais de violência machista na Espanha nunca chegaram a apresentar denúncias.
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Junto com a moça carbonizada da história acima, uma argentina de apenas 30 anos, foi encontrado o corpo de um homem.
E também uma menina de 2 anos de idade, viva, com queimaduras leves.
Essa criança levará consigo o trauma indescritível de haver testemunhado o assassinato de sua mãe, seguido pelo suicídio de seu algoz –o próprio pai.
O casal se encontrava em processo de divórcio. A vítima havia registrado recentemente uma denúncia por violência verbal.
Outro caso recente que abalou o país foi o assassinato de duas irmãs, Anna e Olivia, de 1 e 6 anos. Até o momento, somente o corpo de uma delas foi encontrado na costa perto da ilha de Tenerife, onde aconteceu o crime, no final de abril.
Foram mortas por seu pai (cujo corpo, três meses após o crime, permanece desaparecido, embora se acredite que tenha se suicidado logo após o crime), num ato aqui chamado de “violência vicária” — quando uma pessoa quer atingir outra por meio de maltrato a terceiros. No caso, as filhas, cuja custódia ele compartilhava com a ex.
Esta, inclusive, já havia sofrido outros episódios de violência verbal e física, mas optou por nunca denunciá-los, com medo de prejudicar o ambiente familiar e as crianças.
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Não são só episódios de violência contra a mulher que têm ganhado os noticiários espanhóis.
Também a violência homofóbica tem vivido uma escalada no país. O assassinato de um jovem de origem brasileira na Galícia virou o infeliz símbolo máximo de uma época em que, saindo da pandemia, emergemos como um país dividido.
Politicamente, iniciativas como o Centro de Novas Masculinidades de Barcelona ou a nova “lei trans” espanhola pré-aprovada em junho, sinalizam intenções de relativa abertura e progresso.
Por essa nova lei, entre outras conquistas para a comunidade trans e LGBTQIA+, finalmente se reconhecerá a autodeterminação de gênero, ou seja, uma pessoa poderá escolher mudar de sexo a partir dos 14 anos sem precisar apresentar mil informes médicos e outros paranauês que, na prática, estavam aí pra dificultar e estigmatizar o processo.
Por outro lado (e quantos lados!), a Espanha é também o país onde assistimos ao fortalecimento de um partido de extrema direita como o Vox, de vocação homofóbica, machista e o que mais de óbico e írquico você quiser colar.
Sua última façanha foi uma campanha xenófoba que atacava os chamados “menas” (acrônimo para menores estrangeiros não-acompanhados, muitos deles imigrantes de países como Marrocos e Síria) com os dizeres: “um mena, 4.700 euros por mês; sua avó, 426 euros de pensão por mês”.
Vomitivo, hecatômbico, horrível. E falso, como revelaram diversos veículos de imprensa espanhóis. Pra começar (e sem me estender demais), mais de 70% dos menores em centros de acolhida são espanhóis, e não estrangeiros. Bla.
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Em Barcelona, o Centro de Novas Masculinidades “é um passo mais no compromisso de reivindicar nosso orgulho como cidade diversa”, declarou a prefeita Ada Colau na última segunda-feira (26). Por sinal, a primeira prefeita mulher da cidade, no cargo desde 2015.
“Aqui não são bem-vindos os discursos de ódio e nenhum tipo de discriminação ou agressão lgtbifóbica como as que têm aumentado nos últimos tempos nas nossas ruas (…) “[esses] discursos de ódio e as agressões machistas e homofóbicas estão vinculados a um modelo patriarcal que precisamos revisar”.
O novo centro, diz, buscará incentivar “uma imagem muito mais diversa, rica e feliz de possíveis masculinidades, gerando referências positivas e se distanciando dessa ideia antiga e defasada de que os homens têm que ser duros ou agressivos”. Oxalá, prefeita. Bonitas palabras. O Novo Macho tem muito detox pela frente.
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