A tal Nova Masculinidade tem muito trabalho pela frente

(Reprodução)
Susana Bragatto

Reescrevi essas primeiras linhas umas 180517089 vezes.

É demais pro meu barquinho mental. Tentei ser objetiva, unívoca, informativa, mas não consegui. Que o assunto é cumprexo.

Na mesma semana em que Barcelona anuncia a criação de um inovador Centro de Novas Masculinidades, destinado a educar e difundir informações para promover “imaginários distintos do que significa ser homem” em diversos âmbitos (trabalho, cultura, lar, escolas etc), uma mulher é encontrada carbonizada em um descampado a uns 50 quilômetros de Barcelona, morta pelo ex-marido.

Até o momento, foram registrados 29 assassinatos por violência machista na Espanha em 2021. Quase metade dessas mortes aconteceram em menos de um mês. Mais exatamente, justo após o fim do estado de emergência, em 9 de maio, que restaurou a mobilidade dentro do território nacional.

Especialistas alertam para a tendência de um boom de casos de violência machista neste período de abertura pós-pandemia.

O número aparentemente reduzido de denúncias e ocorrências durante o confinamento, dizem, explica-se provavelmente pelo fato de que os parceiros tinham então mais “controle” sobre suas vítimas, já que ninguém podia sair de casa (inclusive eles, pra fazer das suas).

O assassinato das irmãs Anna e Olivia, de 1 e 6 anos, por seu pai, Tomás Gimeno, abalou a Espanha em 2021 (Reprodução)

Além do mais, justamente por estar mais vigiadas durante o confinamento, muitas mulheres podem ter encontrado dificuldades em buscar ajuda, apesar de uma agressiva campanha do governo espanhol ao longo de todo o lockdown incentivando as denúncias.

De qualquer forma, 80% das vítimas fatais de violência machista na Espanha nunca chegaram a apresentar denúncias.

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Junto com a moça carbonizada da história acima, uma argentina de apenas 30 anos, foi encontrado o corpo de um homem.

E também uma menina de 2 anos de idade, viva, com queimaduras leves.

Essa criança levará consigo o trauma indescritível de haver testemunhado o assassinato de sua mãe, seguido pelo suicídio de seu algoz –o próprio pai.

O casal se encontrava em processo de divórcio. A vítima havia registrado recentemente uma denúncia por violência verbal.

Outro caso recente que abalou o país foi o assassinato de duas irmãs, Anna e Olivia, de 1 e 6 anos. Até o momento, somente o corpo de uma delas foi encontrado na costa perto da ilha de Tenerife, onde aconteceu o crime, no final de abril.

Foram mortas por seu pai (cujo corpo, três meses após o crime, permanece desaparecido, embora se acredite que tenha se suicidado logo após o crime), num ato aqui chamado de “violência vicária” — quando uma pessoa quer atingir outra por meio de maltrato a terceiros. No caso, as filhas, cuja custódia ele compartilhava com a ex.

Esta, inclusive, já havia sofrido outros episódios de violência verbal e física, mas optou por nunca denunciá-los, com medo de prejudicar o ambiente familiar e as crianças.

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Não são só episódios de violência contra a mulher que têm ganhado os noticiários espanhóis.

Também a violência homofóbica tem vivido uma escalada no país. O assassinato de um jovem de origem brasileira na Galícia virou o infeliz símbolo máximo de uma época em que, saindo da pandemia, emergemos como um país dividido.

Samuel Luiz Muñiz, morto em ataque homofóbico na Espanha (Reprodução / Facebook)

Politicamente, iniciativas como o Centro de Novas Masculinidades de Barcelona ou a nova “lei trans” espanhola pré-aprovada em junho, sinalizam intenções de relativa abertura e progresso.

Por essa nova lei, entre outras conquistas para a comunidade trans e LGBTQIA+, finalmente se reconhecerá a autodeterminação de gênero, ou seja, uma pessoa poderá escolher mudar de sexo a partir dos 14 anos sem precisar apresentar mil informes médicos e outros paranauês que, na prática, estavam aí pra dificultar e estigmatizar o processo.

Por outro lado (e quantos lados!), a Espanha é também o país onde assistimos ao fortalecimento de um partido de extrema direita como o Vox, de vocação homofóbica, machista e o que mais de óbico e írquico você quiser colar.

Sua última façanha foi uma campanha xenófoba que atacava os chamados “menas” (acrônimo para menores estrangeiros não-acompanhados, muitos deles imigrantes de países como Marrocos e Síria) com os dizeres: “um mena, 4.700 euros por mês; sua avó, 426 euros de pensão por mês”.

Polêmica campanha do partido de extrema direita espanhol Vox em Madri compara as ajudas para imigrantes com a aposentadoria dos “nacionais” (Reprodução)

Vomitivo, hecatômbico, horrível. E falso, como revelaram diversos veículos de imprensa espanhóis. Pra começar (e sem me estender demais), mais de 70% dos menores em centros de acolhida são espanhóis, e não estrangeiros. Bla.

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Em Barcelona, o Centro de Novas Masculinidades “é um passo mais no compromisso de reivindicar nosso orgulho como cidade diversa”, declarou a prefeita Ada Colau na última segunda-feira (26). Por sinal, a primeira prefeita mulher da cidade, no cargo desde 2015.

“Aqui não são bem-vindos os discursos de ódio e nenhum tipo de discriminação ou agressão lgtbifóbica como as que têm aumentado nos últimos tempos nas nossas ruas (…) “[esses] discursos de ódio e as agressões machistas e homofóbicas estão vinculados a um modelo patriarcal que precisamos revisar”.

O novo centro, diz, buscará incentivar “uma imagem muito mais diversa, rica e feliz de possíveis masculinidades, gerando referências positivas e se distanciando dessa ideia antiga e defasada de que os homens têm que ser duros ou agressivos”. Oxalá, prefeita. Bonitas palabras. O Novo Macho tem muito detox pela frente.

 

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