Leonard Cohen e seu coração espanhol
Um gentleman, seu chapéu. Suzanne. E o aroma de cedro espanhol.
Leonard Cohen, o bardo canadense, teria completado 87 anos no último 21 de setembro.
Até outro dia, não sabia da relação de amor que tinha ele com a Espanha.
Y entonces topei com seu discurso de agradecimento de 2011, quando veio a Oviedo para receber o Prêmio Príncipe de Astúrias, concedido a personalidades e instituições de destacada expressão nos campos das artes, humanidades, ciências e cooperação internacional.
Outros homenageados ao longo dos 40 anos do prêmio incluem gente tão diversa quanto Woody Allen, Mikhail Gorbachev, Nelson Mandela e Oscar Niemeyer.
“Depois de comer todos os chocolates e amendoins do minibar do hotel, escrevi umas linhas. Não creio que tenha que recorrer a elas”, começa Cohen, pra meu delírio interior. Chocolates, minduins.
“Sempre senti uma certa ambiguidade sobre um prêmio de poesia”, continua. “A poesia vem de um lugar que ninguém controla, que ninguém conquista; me parece charlatão aceitar um prêmio para uma atividade que eu não controlo. Se eu soubesse de onde vêm as boas canções, I’d go there more often”.
Eu poderia transcrever o discurso do hômi e call it a day. Que, né. Mas o bonito para esta coluna vem de uma anedota que ele nos facilita, ocorrida mais de meio século atrás, e que conecta seu corazón às terras españolas.
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Um dia, Cohen moleke de vinteepoucos passeava pelo parque perto da casa da mãe em Montreal quando topou com um español tocando violão flamenco.
Esse encontro fortuito-serendipítico-e-acaso-existe-acasoenlavie? mudaria Tudo.
Naqueles tempos, conta o próprio, Cohen malemal surrava um violãozim entre amigos, e nem passava por sua cabeça considerar-se músico, muito menos um cara com voz artística própria.
De repente, ouvindo o español dedilhar escalas de emociones ancestrais, como uma andorinha desavisada fritada em voo por um relâmpago (imagino yo), pensou: É ISSO.
Fechou um preço e um horário com o fulano, jovem como ele, e se encontraram no dia seguinte na casa da mãe do Cohen. Lição número um: #fail, guitarra 3 x Cohen zero.
Depois de um par de dias, com algo de sofrência e persistência, conta ele que conseguiu mais ou menos entender a progressão harmônica de seis acordes “em que muitas, muitas canções flamencas se baseiam”, e que se tornaria uma das inspirações seminais para suas composições.
No quarto dia, o espanhol não veio. Cohen ligou pra pensão onde o cara tava ficando: tinha tirado a própria vida.
Alguns anos depois, Cohen visitaria a famosa loja de instrumentos e luthieria da família Conde, então situada na rua Gravina, número 7, em Madri.
Aí compraria o que seria seu companheiro de vida e palcos, um violão flamenco Conde número 26, feito de cedro espanhol, braço de cipreste brasileiro e pequenas partes de ébano, numa conjuração de madeiras de “pelo menos 30 anos”, como explica a página web. Hoje em dia, um modelo similar pode ser adquirido por uns módicos 11 mil euros (quase R$ 70 mil) plus impostos.
O local atualmente é administrado por Felipe Conde e pode ser visitado na rua Arrieta, 4, no centro de Madri.
Cohen não é o único famoso a ter um modelo Conde. A ele se somam David Byrne, Bob Dylan, Lenny Kravitz, Paco de Lucía (que criou um modelo Conde exclusivo) e Al Di Meola, entre outros.
Às vésperas de botar seu indefectível chapéu trilby e vir receber o tal prêmio peposo das xxtrela, conta, ele despiu a guitarrinha Conde de seu case e levantou-a. “Parecia feita de hélio –era tão leve”, diz.
“Eu a aproximei do meu rosto (…) e inalei a fragrância da madeira viva. You know that wood never dies”.
“Aspirei o aroma do cedro, tão fresco como no dia em que adquiri o violão. E uma voz pareceu me dizer, ‘você é um homem velho e nunca agradeceu; nunca trouxe sua gratidão de volta à terra onde essa fragrância nasceu’. Por isso, venho aqui esta noite para agradecer a essa terra e a alma dessa gente que me deu tanto…”
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Gente, estou emotiva. Depois de duas (sí, duas) garrafas de Albariño compartilhadas com uma amiga querida em uma “finca” (granja, sítio) na montanha de Collserola, perto de Barcelona, e acompanhada de robustos javalis que capinavam a relva à nossa volta (há muchos na região), é fácil perder –ou encontrar –lampejantes perspectivas.
Mentira que eu não sabia do caso de amour do Cohen com a España. Ele deu à filha o nome de Lorca por causa do poeta granadino (de Granada) Federico García Lorca. Escreveu a linda “Take This Waltz” como uma homenagem/”guiño” ao poema “Pequena Valsa Vienense”.
E, sempre que podia, contava que Lorca “arruinou” sua vidiña adolescente de 15 anos quando ele topou com sua obra num sebo em Montreal.
“Eu li as linhas,
‘Por el arco de Elvira
voy a verte pasar
para sufrir tus muslos (coxas)
y ponerme a llorar’.
“Passei as décadas seguintes”, contou Cohen, em algum concerto num dia longínquo de passadas translações, “passei as décadas seguintes buscando os arcos de Elvira, buscando aquelas coxas, e buscando minhas lágrimas”…
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