Selfie com o vulcão
— Poxa… oportunidade única na vida. Quero ver de perto!
Conversa de bar sobre um assunto não exatamente auspicioso.
Estamos falando sobre o vulcão de Cumbre Vieja, na ilha espanhola de La Palma, que começou a nos brindar com sua lava há um mês –e não tem previsão de parar.
Como brasileira, o papo pra mim é exótico. Aí no Brazel a gente tem abundância de desgraça, mas erupção de vulcão não tá no nosso Top Ten, néah.
Nem aqui na Espanha, na realidade. Nos últimos 10 mil anos, só duas localidades nos brindaram com espetáculos-desastres-naturais semelhantes: o arquipélago das ilhas Canárias, onde está a ilha de La Palma, e La Garrotxa, em Girona, Catalunha.
É verdade que só neste ano de 2021 o Instituto Geográfico Nacional já registrou 3,7 milhões de abalos sísmicos –a maioria, claro, imperceptível pra nós, humaniños em movimiento incessante que mal reparamos na fulôzinha crescendo na calçada diante de casa. O risco sísmico espanhol é baixo, mas, como está o Cumbre Vieja pra provar, existe.
Além disso, desde 2017, quando a intensificação da atividade sísmica em La Palma insinuava um novo despertar vulcânico, vem circulando a (complexa y controvertida) teoria de que uma Super Erupção ali poderia resultar em um (mini)tsunami na costa de Nova York, se fosse acompanhada de um colapso de terra equivalente a xis quilômetros cúbicos.
(Tomem essa, Holiwôodi e pós-modernos..!!!)
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Entre outros fatores, influi nesse mutante cenário geológico o complexo baile subterrâneo de “hotspots” (pontos quentes), falhas e placas tectônicas.
Entre estas últimas, as grandes placas africana y eurasiática, que vêm se aproximando uma da outra a uma velocidade de 4 a 10 milímetros por ano. Se a coisa segue assim, em 50 milhões de anos o Mar Mediterrâneo vai dar lugar a uma cordilheira e nóis vai ter que ter camelo e 4×4 em lugar de barquinho.
Bom, eu não tenho barquinho. Enfim.
Canárias, onde está La Palma, tem um longo histórico de erupções documentadas que remonta pelo menos ao século 15. Tanto que existe uma rota de trekking pra quem quer refazer o caminho dos vulcões na região.
Por ser uma zona bastante monitorada, quando começaram os tremores em setembro os especialistas soltaram o alerta e a população (aproximadamente 7.000 pessoas nas áreas de risco, contra 83 mil em total na ilha) pôde se mandar a tempo.
A erupção atual, que até o momento já engoliu uns 2.000 edifícios e casas em seu caminho para o mar, além de pelo menos 742 hectares de terra, nem de longe é a mais punk ou a mais longa registrada na região.
O episódio vulcânico mais recente, na ilha canária de El Hierro, entre 2011 e 2012, por exemplo, durou 147 dias.
Mas o recorde fica com o Timanfaya, em Lanzarote, a ilha mais antiga do arquipélago e uma das primeiras condenadas a desaparecer com a gradual metamorfose da região: permaneceu 2.055 dias em erupção entre 1730 e 1736.
À boca pequena, os locais dizem que a presente erupção, que tem pululado nas manchetes e noticiários em profusões negras e vermelhas, como final épico de filme apocalíptico, nem chega perto da que houve em 1971, quando o Teneguía, também em La Palma, lançou pelos ares o dobro de volume de magma.
Ninguém sabe quanto tempo vai durar este capítulo.
— O problema de ir a La Palma –, continua meu amigo, irremediavelmente fissurado com a ideia de tirar um selfie co’a lava de fundo pro instagrâmi –, é que o espaço aéreo está sendo fechado o tempo todo sem aviso prévio por conta da fumaça.
Hoje, domingo (17), por exemplo. Quase metade dos 38 voos programados du jour foram cancelados. Foram registradas quase 50 chacoalhadas sísmicas na ilha só nas últimas 24 horas.
Aayayay. No papodebar, lembramos de outra erupção vulcânica recente, na Islândia, que começou há 6 meses perto de um tal monte Fagradalsfjall (##!) e segue firmeforte.
Na época, apareceu um monte de turista postando foto ao lado da lava, subindo pelas laterais dos veios chamuscantes com cordas e fila indiana, tipo excursão happy flower on fire. Jisuis. Dimais pra esse corazón tupiniquim. Como assim, a terra fritando e ocêis aí como se estivessem posando com tucano na Amazônia (com os jagunço do Borso de fundo)? Pode?
A ministra de Indústria, Comércio e Turismo da Espanha, Reyes Maroto, causou polêmica há algumas semanas, quando disse que a erupção de Cumbre Vieja é um “espetáculo maravilhoso” e uma “oportunidade [para a economia turística local] que podemos aproveitar”.
A população hispânica se dividiu. A maioria acha essa ideia de “aproveitar” o “turismo vulcânico” o fim de la picada. Outros, como meu amigo, já estão consultando preço de bilhete de avião.
— Porra. Duzentos euros, e só uma vez por semana?! –#xatiado que não vai dar pra ir.
Lembro quando o cometa Halley, que dá as caras a cada 76 anos, passou pelo nosso firmamento terráqueo no longínquo ano cristão de 1986. Eu era uma criancinha ávida (sigo) e quisporquequis ver o dito.
Meu pai, tech-científico-curioso-cheio-das-parafernálias-de-doutor-Pardal, montou telescópio no jardim e botou a gente pra dormir, avisando: vai ser visível de madrugada. Acordo vocês.
Dizem que a visibilidade do céu aquele ano não ajudou. Tanto faz. Eu não vi nada. Quando meu pai me despertou, eu só consegui grunhir, com meu mau humor característico: me deixa dormiii-iiiiieee-r!
Pelo menos, digo yo, naquela época a gente sonhava em Ver As Cousas Por Si Mesmas. Anos-luz antes dos selfies de vulcão…
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(Sobre a ilustração desse artigo: Distensão crustal e vulcanismo. Óleo s/ tela, 50 x 40 cm. Obra do artista, geólogo e amigo querido Mauricio Guerreiro. Siga o Tectostratus no Instagram!)